quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Em Itália e em Portugal


Más notícias.
Lamento ter de dizer aos meus leitores que todos os dias vejo notícias que confirmam os meus piores receios:

• Na Itália, a Liga de Salvini teve 43% na Emilia Romagna, a região que sempre foi governada pela esquerda e onde teve origem um grande movimento de jovens ("Sardinhas") contra o discurso do ódio; reparem, no pior terreno eleitoral para a Liga... 43%. A nível nacional, as sondagens dão-lhe mais de 30% enquanto o PD (sociais-liberais) tem perto de 20%. Nenhum partido de esquerda com votação relevante. Não é preciso ser vidente para perceber quem vai governar a Itália a partir das próximas legislativas. Lamento, mas a responsabilidade por esta ascensão da extrema-direita é toda da esquerda pró-euro, pró-mundo-sem-fronteiras, pró-causas-identitárias.

• Em Portugal,

(1) André Ventura foi recebido pela Associação Comercial do Porto e, diz o Expresso, terá realizado um jantar com 400 apoiantes do partido; pelo que vejo no Facebook, tudo indica que a progressão do número de apoiantes vai ser rápida.


(2) André Ventura fez uma vergonhosa declaração xenófoba contra a deputada Joacine Katar... e o jornal Público noticia no topo da capa que AV "atacou uma ideia" da deputada; pouco a pouco, vamos assistir à conivência dos media na ascensão do neofascismo. Portugal não será excepção.


(3) André Ventura acaba de receber um reforço para o seu discurso xenófobo: chegaram mais imigrantes ilegais vindos de Marrocos; se as autoridades não têm meios para patrulhar as rotas dos navios que passam ao largo do Algarve, é muito provável que estes episódios se repitam; AV ficará muito agradecido porque isto é gasolina para a fogueira do discurso do ódio ("para eles há dinheiro, para nós não"); tal como em Itália, receber todos os que queiram vir também parece ser o discurso de uma certa esquerda.


(4) Em toda a Europa, corrupção e imigração são fenómenos que fazem subir a votação da extrema-direita; qual é o discurso da esquerda parlamentar para estes casos? São contra a livre circulação de capitais que está ao serviço dos que pilharam Angola, dos que pilham Portugal, e de todos os parasitas do capitalismo? Ainda não ouvi uma única palavra contra esta "liberdade" do capital financeiro circular (sem nada produzir) e creio que sei porquê: está nos tratados da UE que não querem discutir. Com medo de quê? Uma esquerda que não toca neste assunto não toca no essencial; fica-se pelo folclore mediático e pelo moralismo (ver o caso LuandaLeaks).

Conclusão:
O cheiro a neofascismo aumenta e, tenho de dizê-lo, não me sinto representado por uma esquerda que faz algum ruído anti-racista mas não põe em causa o que alimenta o ressentimento dos 'de baixo'. Em Itália e em Portugal.



PS: O "centrão" do sistema atribuiu aos hospitais o estatuto de empresa e, evidentemente, administradores com mordomias; portanto, não compram medicamentos quando o orçamento acaba. É a lógica da gestão empresarial transferida para os serviços de saúde, o New Public Management que degradou gravemente o NHS de Inglaterra. É também a maravilha das "contas certas" no orçamento do país. Depois, não venham as almas piedosas lamentar o sucesso do AV.

14 comentários:

  1. Sem a mínima pretensão de ser exaustivo, nem quanto ao tempo nem quanto ao espaço, a verdade é que afirmar, como fez,

    "qual é o discurso da esquerda parlamentar para estes casos? São contra a livre circulação de capitais (...)? Ainda não ouvi uma única palavra contra esta "liberdade" do capital financeiro circular (...)"

    é contribuir, da sua parte, para "(...)pouco a pouco, (...) assistir à conivência dos media na ascensão do neofascismo."

    Assim não vale!

    http://www.pcp.pt/crise-do-capitalismo-liberdade-de-circulacao-de-capitais-deslocalizacoes

    http://www.pcp.pt/fugacirculacao-do-capital-crise-do-capitalismo

    http://www.pcp.pt/uem-financeirizacao-da-economia

    http://www.pcp.pt/sistema-comum-de-imposto-sobre-valor-acrescentado-no-que-diz-respeito-declaracao-normalizada

    http://www.pcp.pt/nota-sobre-resolucao-sobre-estado-de-aplicacao-da-legislacao-da-uniao-relativa-luta-contra

    https://www.cdu.pt/parlamentoeuropeu2019/declaracao-programatica-do-pcp

    https://www.cdu.pt/parlamentoeuropeu2019/documentos/2019_balanco_pcp_pe_2014_2019.pdf

    http://www.pcp.pt/portugal-nao-esta-condenado-submissao-dependencia-0

    ResponderEliminar
  2. Vejo-me obrigado a subscrever o comentário do miguel cunha: assim não vale!
    E «direi mesmo mais», quem assim confunde esquerdas com centrões está a deitar gasolina na fogueira dos fascismos. També teve orientações do steve bannon?

    ResponderEliminar
  3. Talvez seja útil re-lembrar como morrem as democrcias.

    https://www.truthdig.com/articles/how-democracies-die/

    ResponderEliminar
  4. Há muitas vias através das quais e no contexto da democracia burguesa, se opera precisamente a ascensão da extrema-direita e mesmo do fascismo. Uma das mais perniciosas e perversas é a que tem por detrás de si a ideia explícita ou implícita de que "são todos iguais". Não é verdade que sejam todos iguais e desde logo porque algumas forças e formações políticas se posicionam claramente como forças políticas de classe, o que implica adesão ideológica, programa e objectivos, mas não necessariamente (até porque incompatíveis por natureza) modismos e causas fracturantes.

    ResponderEliminar
  5. Continuo a não perceber todo este arrengar contra o Centro-Esquerda.

    Eu, se fosse ao Jorge Bateira, olharia para isto como uma oportunidade para promover as suas propostas soberanistas. Não foi o Centro-Esquerda sempre tratado como o principal inimigo da Esquerda Radical? Porquê agora todo este jorrar de lágrimas de crocodilo?

    Funde um Partido ou passe a militar no PCP, o único Partido Português à Esquerda que defende uma agenda próxima da sua. Use o seus conhecimentos de Economia, junte-se a pessoas com ideias semelhantes e prepare um programa de Governo detalhado, em que elenca as oportunidades, assim como os custos e os riscos, dos objectivos a que se propõe e vá a votos...

    Claro, o chato é que a decadência do Centro-Esquerda não tem permitido aos soberanistas desta área política ganharem um voto que seja, o que se calhar quer dizer que o descontentamento das pessoas não quer de todo dizer que queiram uma agenda económica como a que propõe, olhe-se para o que aconteceu no RU, por exemplo.

    E depois há, relativamente ao PCP, pelo menos, aquele outro facto chato do apoio sem objecções ao MPLA de Angola. Se calhar, como lembrava o Alexandre Abreu relativamente ao José Eduardo dos Santos, creio, no Expresso, os comunistas portugueses também confundiram o carácter descritivo dos textos de Marx, quando este falava em apropriação primitiva de capital, com um carácter normativo.

    Ou então, o que é mais provável, limitaram-se a racionalizar comportamentos criminosos em nome da soberania do povo angolano, ou lá o que é. Se é esta a soberania que me promete, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas.

    De qualquer maneira, o resultado é que efectivamente, se aplica à Esquerda Radical uma bitola que é diferente da que se aplica ao Centro Esquerda. Isto tem um nome e não é bonito...

    Culpe quem quiser, Jorge Bateira, mas não, os seus argumentos não me convencem como Corbyn não convenceu os britânicos. Se quer ser ouvido, tem que fazer bem melhor do que isto...

    ResponderEliminar
  6. A forma como fizeram a cama a Corbyn não tem nenhum segredo, Jaime Santos. Os sucessivos ataques e manobras dentro e fora do Labour foram transparentes para quem tinha olhos para ver.

    Por cá assistimos à indecisão da direita europeísta entre recuperar um combalido PSD e criar um fantoche mais à direita. Pelo sim, pelo não parece-me que estão a jogar nos dois tabuleiros.

    O problema do Centro-Esquerda português, que se resume de facto ao PS, é que na sua tentativa de agradar a gregos e troianos vai acabar por ser trucidado como o PD italiano. Só não o foram mais cedo por causa dos extremismos de Passos Coelho, que rebentaram com a possibilidade de um bloco central. A tragédia italiana até já vai dois ou três actos à frente da portuguesa.

    Eu explico, no antepenúltimo acto o PD é cilindrado e reduzido a terceira força em Itália. No penúltimo acto a força populista de esquerda (5S) é infiltrada pelos europeístas e faz o papel de Tsipras, o traidor. Está bem de ver que uma vez que deixem de ser idiotas úteis serão reduzidos à sua insignificância. Estamos nessa fase, à espera das eleições gerais que reponham os relógios de cuco na hora certa.

    Goste-se ou não, a Lega é o único partido em Itália que mantém uma análise racional coerente da política italiana relativamente à problemática económica e monetária europeia. Aguardam-se os futuros golpes anti-democráticos da EU. Será que finalmente vão fazer estoirar o sistema bancário italiano? Mas, mas, mas, e o DeutscheBank? Será que vão atirar pedras com tamanho telhado de vidro?

    Cá em Portugal como há tendência a fazer as coisas rafeiras e pequeninas a direita populista que surge é um ersatz que nada tem a ver com o pensamento económico estruturado da Lega italiana. Nada de confusões nesse particular, portanto!

    ResponderEliminar
  7. Jaime Santos,

    O programa do Labour era com permanência na UE, e, portanto, nada tem a ver com soberania de coisa nenhuma. Nem me parece que o acordo assinado tenha grande coisa a ver com soberania, visto que, para já, tudo se mantém.

    ResponderEliminar
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  9. Meu caro Jaime Santos, socorra lá este seu compatriota e esclareça o seguinte: quando se diz determinada força é do centro-esquerda isso quer dizer mais concretamente o quê do ponto de vista do seu posicionamento de classe? Quer dizer, está à esquerda de quê, está à direita de quê e está ao centro entre quê e quê, mais concretamente? É que isto da linguagem e do seu uso, tem muito que se lhe diga, como o Chomsky não se farta de explicar. Quem sabe se depois da sua explicação, encontramos aqui uma resposta, todos em conjunto, em relação ao problema de quem arenga contra quê ou contra quem e a partir de que posicionamento recíproco é que o faz. Quem sabe, Jaime Santos, quem sabe.

    ResponderEliminar
  10. "Lamento, mas a responsabilidade por esta ascensão da extrema-direita é toda da esquerda pró-euro, pró-mundo-sem-fronteiras, pró-causas-identitárias"

    Há um primarismo na mente humana, explicada pela psicologia evolutiva, que faz com que o comum dos mortais abomine a individualidade e aquilo que é estranho. No Paleolítico o socialismo na propriedade era o regime reinante, não havia posses e a desigualdade era apenas no acesso às fêmeas ou alguns alimentos; já os estranhos eram sinal de perigo, vemos isso claramente ainda nos primatas. Daí haver uma tendência primária para que os votos caiam sempre em partidos iliberais, quer de esquerda quer de direita. Quando completamos o primarismo populista em toda a linha, em todo o espectro e fechamos o ciclo, conjugamos o populismo típico da direita ao da esquerda, e formamos o denominado nacional-socialismo. O caso mais gritante é a Frente Nacional, que promete mundos e fundos para o proletariado "francês", para os reformados e para os funcionários públicos "franceses". O mesmo se passa com a Liga em Itália, basta ver as suas propostas no domínio "social". De facto é isso que temos estado a assistir na Europa, uma vaga iliberal populista para o nacional-socialismo, para o nazismo pan-europeu e não unicamente germânico.

    Ou seja, o que autor sugere é que a esquerda adote as técnicas primárias, demagogas e populistas da extrema-direira para assim, obter os votos do eleitorado. Mas é isso exactamente o que tem feito por exemplo o PCP desde 1974, e o sucesso não tem sido muito, aliás o PCP tem perdido votos para o Chega nas áreas onde há problemas com comunidades ciganas, por exemplo.

    O que precisamos sim é de um reavivar dos valores das democracias liberais e do estado de direito democrático.

    ResponderEliminar
  11. Entretanto o Chega já está à frente do PAN, CDS e PCP.

    ResponderEliminar
  12. Um programa político alegadamente de esquerda, que não tenha como principal medida o fim da livre circulação de capitais, com a indicação das disposições e dos prazos para atingir, na realidade não é de esquerda.

    ResponderEliminar
  13. Não lamente. A ver se a nacional-esquerda "encuca" isto.

    ResponderEliminar
  14. https://braveneweurope.com/mathew-d-rose-eu-the-acute-crisis-no-one-wants-to-talk-about

    ResponderEliminar