terça-feira, 24 de setembro de 2019
Do lado da oferta ou da procura?
O economista norte-americano Nouriel Roubini é por vezes apelidado de Dr. Doom (“Dr. Desgraça”) por ter antevisto a crise financeira internacional do final da década passada e a Grande Recessão que se seguiu. Recentemente, tem prestado uma série de declarações, incluindo num artigo publicado em Agosto pelo Project Syndicate, em que alerta para a possível iminência de uma nova recessão global. Tendo em conta os sinais de desaceleração ou mesmo entrada em recessão que começam a acumular-se em diversas economias, este alerta não é em si mesmo inesperado, mas o que é mais original na visão de Roubini é o tipo de recessão que considera estar a caminho.
Ao contrário da Grande Recessão de 2008-2009, que foi um choque negativo do lado da procura que deprimiu tanto o produto como o nível de preços, Roubini antecipa agora uma recessão com origem do lado da oferta, com contração do produto a par do aumento do nível de preços. No fundo, algo mais parecido com a crise da década de 1970 do que com as dos anos 1930 ou 2000. Para Roubini, os fatores que tendem a conjugar-se neste sentido são a atual guerra comercial, cambial e tecnológica entre os EUA e a China e o risco de aumento do preço do petróleo devido à tensão entre os EUA e o Irão. Em conjunto, tenderão a provocar um aumento permanente dos custos de produção com redução do crescimento potencial. Roubini alerta que, perante uma recessão deste tipo, a tentativa de estímulo contracíclico da procura por via monetária e orçamental será em grande medida ineficaz, gerando principalmente mais inflação.
O cenário é plausível, mas parece-me pouco provável. Pelo menos visto da Europa, o problema é há largos anos inflação a menos, não inflação a mais, até porque mais inflação ajudaria à diminuição do fardo real da dívida acumulada e estimularia o crescimento potencial. Numa economia mundial caracterizada por níveis sem precedentes de endividamento público e privado, o risco maior continua a ser o de uma nova crise do lado da procura associado a um novo episódio de deflação descoordenada do endividamento, semelhante ao que aconteceu em 2007-2008. O elo mais fraco pode agora ser outro que não o mercado da habitação e os empréstimos sub-prime, mas a próxima recessão poderá não ser assim tão diferente da última em termos da sua natureza.
(publicado originalmente no Expresso de 21/09/2019)
A questão está em perceber qual o sector no qual tal crise pode começar. Já em 2005, se bem me lembro, várias pessoas, incluindo o próprio Roubini, vinham alertando para a bolha imobiliária e para os efeitos de um risco de incumprimento. O Economist, logo a seguir à crise, chamou a atenção para os efeitos da mesma no crescimento da dívida soberana...
ResponderEliminarCreio que foi Louçã quem alertou para o risco da banca sombra... Será por aí?
Na questão do crescimento nunca é questionado ONDE a sua viabilidade/desejabilidade.
ResponderEliminarNão saberei abordar o tema, mas ouço falar tanto em ecologia...
Interessante post de Alexandre Abreu.
ResponderEliminarEu não iria tão longe ao desvalorizar o impacto de factores geoestratégicos que afectem o lado da procura ao ponto de provocar uma crise.
Chamo a atenção para as implicações geoestratégicas muito mais profundas do que seria de esperar pela forma como têm sido tratadas pelos me(r)dias nacionais do ataque Houti a instalações petrolíferas sauditas.
O tema é abordado em devido detalhe neste blogpost de Charles Hugh Smith:
https://charleshughsmith.blogspot.com/2019/09/the-black-swan-is-drone.html
Sucintamente, o significado profundo é a enorme baixa nos custos de guerras assimétricas com uso de drones.
Também talvez tenha passado despercebido aos leitores que a Russia está sem nenhum porta-aviões operacional, mas sobretudo não parece muito incomodada por isso. Porquê?
Vejam lá se adivinham.
Relacionem com outra notícia segundo a qual a Mesma Russia está a desenvolver um drone submarino nuclear capaz de transportar uma carga explosiva nuclear.
O uso possível que foi aventado foi a detonação junto às costas marítimas de uma potência inimiga causando um tsunami que varreria as cidades costeiras.
Mas há uma outra utilização possível. Imaginem que cada porta-aviões americano passa a ser "escoltado" (shadowed) por um dos ditos drones submarinos russos. A simples detonação do drone seria suficiente para provocar um tsunami capaz de engolir o dito porta-aviões.
Agora pensem na exorbitante diferença de custos operacionais entre o porta-aviões e o drone que em águas internacionais o pode escoltar e potencialmente neutralizar.
Percebem como uma aparente esmagadora superioridade militar se pode esfumar num ápice?
No entanto concordo com Alexandre Abreu. É muito mais plausível um agudizar da crise não resolvida do lado da procura por puro apodrecimento. No entanto, não é aquilo que é previsível que as elites mais temem. É aquilo que Taleb chamou os "cisnes negros".
Por exemplo, voltemos aos ataques Houtis a instalações petrolíferas sauditas. Quantos milhões de objectivos (soft-targets) similares não existem em todos os países do mundo e sobretudo nas economias mais desenvolvidas? Em contrapartida, notem como quanto mais descentralizada fôr a produção energética de um país menos vulnerável será a este tipo de ataques. Compreendem a vantagem estratégica da resilência de uma rede integrada de produção energética descentralizada?
Aposto que nunca tinham pensado que a descentralização "ecológica" da produção energética pudesse conferir vantagens estratégicas militares. Afinal qual é o terrorista que vai atacar os meus painéis solares? LOL
S.T.
Já que estamos com a mão na massa, não posso deixar de lembrar que os nossos "amigos" alemães têm uma certa falta de "esperto no cabeço".
ResponderEliminarO facto é que deveriam há muito estar a investir como malucos em investigação sobre a produção de combustíveis sintéticos a partir de fontes de electricidade renováveis como o fotovoltaico e o eólico. Porquê?
Porque grande parte do seu sector exportador depende da produção e venda de motores de combustão interna, que estão em vias de ser substituídos por soluções electricas.
Os combustíveis sintéticos permitiriam um novo fôlego ao velho motor de combustão interna tornando num abrir e fechar de olhos uma indústria poluente e produtora de gases com efeito de estufa numa que seria neutra ou quase em matéria de carbono.
O que vai acontecer é que quando o motor de combustão interna ressuscitar com esses novos combustíveis já não serão os alemães a aproveitar o seu know-how duramente conquistado porque entretanto terá havido uma descontinuidade na produção industrial, fabricas terão sido encerradas, etc..
O grande problema das energias alternativas é a descontinuidade. E, até porque os custos de produção já estão a par ou mesmo abaixo dos custos de produção de energia a partir de fontes fósseis, a acumulação sob a forma de um combustível sintético regularizaria o fornecimento e estenderia a utilidade das energias alternativas às necessidades da mobilidade, ou seja aos transportes rodoviários.
Mas, claro, enquanto estivermos à mercê de gente tacanha e avarenta como a Sra Merkel e seus compadres, estamos lixados.
Já há algum tempo tinha dado esta dica, embora de forma não tão explícita.
O ponto essencial é que não há falta de maneiras de melhorar a vida dos habitantes do planeta Terra. O problema é a incapacidade das elites financeiras de pensar para lá da lógica míope da rentabilidade. Não é que o critério da rentabilidade não seja importante, mas mais importante ainda é perceber que factores tornam não-rentável um objectivo humanamente desejável e rentáveis indústrias poluentes e emissoras de CO2.
Recorde-se como a rentabilidade das energias alternativas tem evulído de forma espectacular.
https://www.theguardian.com/environment/2019/mar/25/coal-more-expensive-wind-solar-us-energy-study
https://www.carbonbrief.org/analysis-uk-auction-offshore-wind-cheaper-than-new-gas
Isto é, a rentabilidade não é um problema absoluto mas um agregado de factores; e alguns desses factores adversos são apenas interesses de elites rentistas instaladas, a sua ignorância e a sua estupidez. (Olá José!) LOL
S.T.
Muito boa achega a de ST
ResponderEliminar«Os combustíveis sintéticos permitiriam um novo fôlego ao velho motor de combustão interna tornando num abrir e fechar de olhos uma indústria poluente e produtora de gases com efeito de estufa numa que seria neutra ou quase em matéria de carbono.»
ResponderEliminarEles têm muito conhecimento sobre isso. Chama-se processo Fischer-Tropsch e representou 9% do combustível de guerra alemão na Segunda Guerra Mundial. No pico terá sido mais, pois foi mais intensamente utilizado quando perderam o acesso aos oleodutos.
E a industria alemã do motor a combustão está ela em mudança. A VW apresenta este Verão os seus híbridos, primeiro passo para a electrificação. A BMW já aos anos que os comercializa e tem, com a Mercedes, alguns protótipos a hidrogénio.
No entanto a tal crise da oferta pode vir mesmo desse lado. Perto de 90% do Cobalto mundial é refinado na China. A importância do Cobalto é que é fundamental para as baterias de carros que se adoptaram no "Ocidente". Já os Chineses adoptaram químicas nas baterias que são menos eficientes, mas muito mais económicas.
Como deveria ser óbvio não me referia ao processo Fischer-Tropsch que parte de combustíveis fósseis como o gás natural ou o carvão e portanto não representa nenhum avanço no que toca a emissões de CO2.
ResponderEliminarS.T.