"O problema dos EUA não é com o mundo - é com a China. E não é comercial - as empresas americanas são das que mais beneficiaram com a abertura da China ao investimento estrangeiro e que mais têm aproveitado o crescimento do seu mercado interno. As tensões entre os EUA e a China são uma questão de poder. Não foram inventadas por Trump. Não começaram com a actual administração, nem terminarão com ela.
Desde a Segunda Guerra Mundial que os EUA são uma potência global hegemónica. Com o fim da URSS e a crise crónica do Japão, essa hegemonia deixou de ter rival. Os EUA habituaram-se a governar o mundo de forma arbitrária, decidindo quem são os países bons e maus, quem são os governos que merecem permanecer no poder e aqueles que têm de ser destruídos.
Até que a China deixou de ser apenas a fábrica do mundo, onde as multinacionais americanas iam produzir a custos irrisórios. Hoje a China é cada vez mais uma potência tecnológica. O seu poder financeiro e militar permite-lhe questionar a capacidade dos EUA para moldar o mundo à luz dos seus interesses. Aquilo que nos é apresentado como uma guerra comercial é na verdade um dos palcos em que se joga a emergência de uma nova ordem mundial."
Excerto do meu texto de hoje no DN.
Sem dúvida.
ResponderEliminarMuito mais haveria a acrescentar ao bom artigo de RPM.
ResponderEliminarÉ interessante constatar, e é políticamente ultra significativo, que Trump assuma claramente uma divergência entre os interesses imediatos das megaempresas americanas e os do estado americano enquanto potencia hegemónica mundial. E também como esta mudança de paradigma da política geoestratégica americana representa um falhanço ideológico da ideologia dominante.
A integração da China nas rotas do comércio mundial através da OMC representava um gambito: Acreditava-se que a prosperidade traria consigo uma classe de novos ricos que forçaria uma abertura política na China que culminaria com a sua sujeição ao domínio da potencia dominante.
Ou, se essa abertura não se verificasse, as ineficiências que se gerariam limitariam automáticamente o crescimento económico.
O que se passou foi diverso. O PC chinês conseguiu hábilmente manter a sua estrutura de poder político liberalizando parcialmente a economia chinesa. Simultâneamente conseguiu taxas de crescimento e uma eficiência na alocação de recursos de capital que eram impensáveis para os teóricos do neoliberalismo.
Apesar de muitos erros que se traduziram numa gigantesca bolha de especulação imobiliária com cidades inteiras completamente vazias, os resultados globais são largamente positivos.
As implicações ideológicas são interessantes. Demonstram que a propriedade pública de grandes empresas numa economia formalmente capitalista mas estritamente regulada pode ser tão ou mais eficiente do que o modelo de propriedade privada das grandes empresas, desde que sejam aplicados métodos de gestão e controlo "capitalistas".
Esta é a grande lição a tirar, por muito que isso desagrade aos arautos do pensamento liberal.
A terrível implicação inversa desta lição é que a democracia é dispensável nas chamadas "democracias liberais" de modelo ocidental. Percebem a enormidade desta constatação?
S.T.
Outra lição a retirar em termos geoestratégicos é que uma potência desafiante tem vantagem em manter um governo forte e iliberal por assim ser menos vulnerável, evitando os vectores de ataque que o sistema democrático permite. Se conseguir manter a eficácia do sistema produtivo, é ouro sobre azul.
ResponderEliminarTrazendo a análise para o caso europeu, o que estes anos de estagnação demonstram é a falência do sistema de poderes corporativos e financistas subterrâneos da EU/UE. Enquanto cartel de interesses corruptos a EU mostra-se incapaz de assegurar a prosperidade do continente porque os interesses da oligarquia colidem com os interesses dos povos, e nem a maciça operação de propaganda europeísta consegue já iludir este conflito.
O que se tem verificado é a degradação da qualidade das democracias europeias num esforço para conter a contestação ao europeísmo globalista. Antevejo o agudizar do conflito entre o iliberalismo "populista" e um neoliberalismo crescentemente autoritário, e faço notar que quem quer que vença será às custas do bem mais precioso para os povos: A capacidade de decidir o seu próprio destino e escolher livremente os seus líderes. Em suma, quem perderá será a democracia.
S.T.
Já agora, podemos falar de alguns dos "segredos da abelhinha" chinesa.
ResponderEliminarPrimeiro é que grande parte dos bilionários chineses são membros do PC China. Isto significa que os interesses das corporações a que presidem serão em última instância submetidos às linhas programáticas do PC China. Este mecanismo cria mecanismos de interdependência entre o estado e as empresas. E a grande vantagem é que por terem o respaldo do estado as empresas chinesas, tanto públicas como privadas, podem enfrentar condições adversas que as levariam à falência numa economia puramente "capitalista". A fragilidade de um tal sistema é a qualidade decisional da organização que é o PC China. O picante da questão é que esta qualidade decisional se tem mostrado superior à "mão invisível" neoliberal.
Neste contexto, o poder económico das elites chinesas é condicional à sua submissão ao poder político do estado chinês. É uma espécie de feudalismo corporativo sob a tutela estrita de uma força política forte, neste caso o PC China.
S.T.
Et pour preuve...
ResponderEliminarhttps://www.businessinsider.de/alibaba-jack-ma-outed-as-a-member-of-china-communist-party-2018-11?op=1&r=US&IR=T
S.T.