quinta-feira, 18 de julho de 2019
Continuar a pensar Bonifácio: estamos todos no mesmo barco?
O historiador Francisco Bethencourt, autor de uma importante história do racismo, decidiu pensar Bonifácio e os seus mais ou menos envergonhados acólitos no Público de hoje, concluindo: “A discriminação positiva pode ser um projecto interessante para estimular mobilidade e integração social. A meu ver, deveria ser alargada a outras minorias não étnicas, mas sociais, de maneira a compreender populações afectadas pela pobreza e evitar a manipulação política das ‘raças’.”
Creio que Bethencourt tem consciência dos múltiplos efeitos perversos potenciais do que propõe, onde se incluem a tal “manipulação”, mas parece desconhecer algo que está bem estabelecido na literatura sobre o Estado social: as políticas para pobres são pobres políticas, ou seja, as políticas universais são mais robustas e redistributivas. É o chamado “paradoxo da redistribuição”. As políticas que obrigariam a estabelecer com rigor na lei a categoria de “minoria racial” para efeitos de discriminação positiva, eventualmente também na área da política social, sofreriam dos mesmos problemas e de mais alguns: seriam paupérrimas políticas.
Por coincidência, aqui há uns anos escrevi no Público um artigo de resposta a Maria de Fátima Bonifácio. Pode ser útil trazer para este contexto um excerto:
A historiadora Maria de Fátima Bonifácio (MFB) decidiu partilhar com os leitores do Público a sua estupefacção com o ideal, nunca integralmente instituído no nosso país, da universalidade, esteio de um Estado social robusto (Público 5/6/2011). Trata-se de um ideal imparcial e distinto: todos os membros de uma comunidade politica, independentemente da sua condição social, devem poder aceder gratuitamente a bens e serviços públicos financiados por impostos tendencialmente progressivos. MFB decidiu também partilhar o seu preconceito, declarando nunca ter visto um argumento robusto para uma situação que considerou um exemplo de injustiça social, remetendo os leitores para as figuras da sua empregada doméstica e de Amorim, lado a lado num hospital, sem discriminações pecuniárias. Onde é que já se viu?
Dispomos de argumentos de economia moral, referentes à justeza de tal arranjo, e de economia politica, referentes às condições para a sua sustentabilidade, que permitem contrariar o seu cepticismo.
Em primeiro lugar, o ideal da universalidade está na base dos Estados sociais com maior capacidade redistributiva e com maior qualidade dos serviços, onde é maior a confiança social porque são menores as desigualdades económicas e, logo, mais elevada a legitimidade dos arranjos sociais. É fácil perceber porquê: a universalidade é o meio mais eficaz para podermos dizer com algum realismo que estamos todos no mesmo barco, que temos, enquanto comunidade, bens partilhados. Desta forma, aumenta a “moralidade fiscal”, a disponibilidade para pagar impostos progressivos mais elevados e para taxar os rendimentos do capital, sobretudo o que não tem aplicações produtivas, cuja importância tem aumentado. A probabilidade de fuga dos serviços públicos por parte dos grupos mais instruídos diminui e, logo, a pressão para o aumento da sua qualidade mantém-se.
O acesso universal diminui os custos administrativos, pois economiza em controlos burocráticos desnecessários para criar barreiras contraproducentes. Diminui também a probabilidade de guetização dos mais pobres, condenados, em alternativa, a programas medíocres e subfinanciados, e dos que têm algumas posses, condenados a ficar na dependência de grupos financeiros cujo poder aumenta na proporção da vulnerabilidade das pessoas, resultando em transacções de mercado sistematicamente desiguais.
Que o barco seja um só.
ResponderEliminarQue o regulamento seja um só.
O que vale isso se a exigência for nenhuma, se cada um tiver larga margem de abusar, desrespeitar o regulamento do barco?
Não é cada um, é aos molhos?
Em que é que isso facilita a navegação?
A propósito de barcos, não resisto a contar uma pequena história.
ResponderEliminarUma vez, aí por volta do século XVIII um marinheiro inglês entrou num navio mercante português.
A sua maior surpresa foi na cozinha, onde encontrou um lareira enorme repleta de pequenos púcaros de barro onde os tripulantes e passageiros cozinhavam as refeições. Isto é, cada grupo de passageiros ou de tripulantes cozinhava em púcaros separados, dezenas e dezenas deles.
Para este marinheiro inglês isto era tão surpreendente como ridículo, habituado como estava a uma cozinha de bordo em que se cozinhava para todos na mesma panela, ou porventura apenas em dois ranchos, um para os oficiais e passageiros e outro para a equipagem. Não era uma questão de igualdade, até porque nos barcos ingleses até se discriminava o estatuto e a hierarquia, era acima de tudo uma questão de eficiência.
Mas claro, o sistema inglês deveria ser extrêmamente chocante para o José. Em que é que o criado do José se ocuparia se não tivesse que guardar a sopinha do amo?
LOL
E pergunta o José em que é que isso facilita a navegação? LOL
S.T.
Ahahahaha
ResponderEliminarAlguém aí ficou com um enjoo do caraças perante a sua navegação abortada
Falando sério: um post excelente de João Rodrigues que dá uma excelente resposta às pseudo-políticas sociais.
A iliteracia é argumento de contraditório para os raivosos.
ResponderEliminarQue ao João Rodrigues não falte ânimo para reflectir, escrever e fazer reflectir. A sua reflexão e a sua escrita iluminam, com dignidade e racionalidade humanista, estes tempos sombrios e frenéticos, em que se julga acerca da bondade de uma opinião em função da força para a impor ou não.
ResponderEliminarJá agora, a manifestação dos policias.
ResponderEliminarVer aqui: https://medium.com/s/story/does-the-ok-sign-actually-signify-white-power-or-what-6cf3309df985
E aqui 00:41 :https://www.msn.com/pt-pt/video/rtp/pol%C3%ADcias-do-movimento-zero-viram-costas-a-diretor-da-psp-e-ministro/vp-AAEgERI
No minimo estranho.
E a manifestação dos racistas em que pedro militantemente porfiou não é no mínimo estranho?
ResponderEliminarTambém terá levantado o dedinho?