Na nota de fevereiro do Fórum para a Competitividade (aqui), reproduzida pelo ECO (aqui), Pedro Braz Teixeira argumenta que, dada a taxa de crescimento do emprego, a economia portuguesa deveria registar uma taxa de crescimento do PIB de 4%. Na minha opinião, esta conclusão assenta em pressupostos pouco sérios. Passo a explicar a porquê.
Em primeiro lugar, é preciso ter presente qual foi o quadro de raciocínio em que Pedro Braz Teixeira se moveu. Em termos estritamente formais, a produtividade do trabalho é dada pelo rácio entre o PIB e o número de trabalhadores empregados (ou o número de horas trabalhadas) e pode ser interpretada como o valor da produção média efetuada por a cada trabalhador num dado período de tempo. Assim, se, por exemplo, a produtividade do trabalho for igual a 5, isso significará que cada trabalhador dessa economia produziu, em média, bens e/ou serviços no valor de 5 unidades monetárias.
Assim, a produtividade média do trabalho pode ser expressa como:
Produtividade média do trabalho = PIB / (População Empregada)
Como se trata de um rácio, a sua
taxa de crescimento pode ser decomposta na diferença da taxa de crescimento das
suas componentes. Assim, a taxa de crescimento da produtividade terá de ser
necessariamente igual à diferença entre a taxa de crescimento do PIB e a taxa
de crescimento do emprego. Se, por
facilidade, expressarmos as taxas de crescimento pela letra g, temos que:
Em 2018, a taxa de crescimento do
emprego foi de 2,3% e a taxa de crescimento do PIB foi de 2,1%, logo a taxa de
crescimento da produtividade foi de -0,2%.
g_Produtividade =
g_PIB– g_Emprego
g_Produtividade
(-0,2%) = g_PIB (2,1%) – g_Emprego (2,3%)
Qual é o argumento de Braz
Teixeira? O argumento é o seguinte: se Portugal tivesse registado um
crescimento de produtividade semelhante ao de países com o seu nível de
desenvolvimento, o crescimento do PIB poderia situar-se em 4%. É logo aqui que
o seu argumento começa a ficar turvo – que economias são essas? O autor não
explicita. De qualquer modo, para que as contas do autor sejam confirmadas, o
crescimento médio da produtividade do trabalho desses países terá de ser
cifrado em 1,7%. Só isso permite que a igualdade estabelecida acima seja
satisfeita:
g_Produtividade
(1,7%) = g_PIB ( 4%) – g_Emprego (2,3%)
Colocado desta forma, o argumento
de Braz Teixeira parece, num primeiro olhar, razoável. Tomando como dado o
nível do crescimento do emprego, se a produtividade tivesse crescido ao ritmo
desse grupo de países, Portugal poderia ter registado um crescimento de 4%. É o
que resulta da fórmula explicada acima. Onde se encontra, então, o vício do
raciocínio?
O erro de Braz Teixeira está em assumir que o crescimento da produtividade e do emprego são variáveis independentes. Ou seja, que a evolução de uma das variáveis não tem um impacto determinante na variação da outra.
A ausência de independência das duas variáveis torna-se evidente quando analisamos a distribuição setorial do emprego criado na economia portuguesa.
O erro de Braz Teixeira está em assumir que o crescimento da produtividade e do emprego são variáveis independentes. Ou seja, que a evolução de uma das variáveis não tem um impacto determinante na variação da outra.
A ausência de independência das duas variáveis torna-se evidente quando analisamos a distribuição setorial do emprego criado na economia portuguesa.
No contexto da recuperação
económica, a criação de emprego foi centrada, maioritariamente, em setores como
a restauração e os serviços, onde a produtividade do trabalho se encontra
abaixo da produtividade média, criando uma tendência de diminuição do seu valor
global. Nestes setores – muito trabalho-intensivos – cada trabalhador produz,
em média, um valor menor de produção do que noutros setores. E é aqui que
reside o fulcro do contra-argumento: como se criou emprego em setores com
produtividade baixa, a procura dirigida a esses setores gerou um nível de
crescimento do emprego elevado. Para um dado nível de procura, é necessário
empregar mais trabalhadores para gerar a produção necessária para corresponder
a essa procura em setores com produtividade mais baixa do que em setores com
produtividade mais elevada.
Por outras palavras: existe um
nexo de causalidade entre a produtividade média do trabalho apresentar valores
baixos (no caso do ano de 2018, até decrescentes (-0,2%)) e o crescimento do
emprego se ter situado em 2,3%. As duas variáveis não podem ser analisadas de
forma independente. Assumindo uma procurada agregada constante dirigida à
economia portuguesa, se a produtividade média do trabalho tivesse sido mais
elevada, o emprego teria de ter crescido a uma taxa mais baixa. Na verdade, é o
facto de o crescimento do emprego se ter centrado em setores de baixa
produtividade que explica o sucesso da recuperação rápida do emprego, apesar
dos níveis modestos de crescimento do PIB. Fixar uma variável e imaginar o
crescimento da outra, como faz Braz Teixeira, não faz qualquer sentido.
Duas notas finais
1. Com
a explicação acima procurei apenas demonstrar que o raciocínio de Pedro Braz
Teixeira em nome do Fórum para a Competitividade é destituído de fundamento.
Isto não significa que o crescimento da produtividade não seja um importante
objetivo de política económica e que não se possa criticar a estratégia de
crescimento do emprego em setores de baixo valor acrescentado. Mas, para isso,
temos de refletir sobre as causas da evolução da produtividade, que são
múltiplas e nem sempre fáceis de identificar.
Há domínios estruturais em que
Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer, como a profissionalização da
gestão. Sabe-se que as qualificações dos empresários portugueses são, em média,
inferiores às dos seus trabalhadores. O aumento da qualificação dos empresários
– tema tabu para alguma direita que aposta na sua sacralização – poderia trazer
importantes ganhos organizacionais com reflexo na produtividade.
Mas sabe-se que a produtividade é
também determinada por fatores que dependem da gestão de política económica. O
aumento da produtividade tem como determinante principal a incorporação de
inovações no processo produtivo, que dependem da existência de investimento. O
programa de austeridade seguido no passado fez colapsar o investimento da
economia portuguesa e conduziu a capacidade produtiva utilizada a níveis
historicamente baixos. Isso determinou que o investimento foi não só foi baixo
nos anos da crise, como permaneceu em níveis residuais nos primeiros anos da
retoma, fruto da capacidade excedentária que se havia acumulado.
Considerando fatores mais
estruturais, a integração de Portugal na moeda única – e a mobilização do
investimento para setores produtivos de menor valor acrescentado e para o
imobiliário – também terá determinado um viés negativo para a tendência da
produtividade da economia portuguesa.
Com efeito, a preocupação com a
evolução da produtividade tem de ser acompanhada pela defesa de um
enquadramento macroeconómico que favoreça elevados níveis de procura agregada e
uma distribuição da especialização produtiva que negue a tendência assimétrica
dos primeiros anos da zona euro, onde se promoveu a especialização das
economias periféricas em setores com baixo valor acrescentado. Tal posição
exige uma posição de reforma radical da zona euro, assente a solidariedade
entre estados membros e na promoção de políticas de pleno emprego.
A pergunta que surge é a
seguinte: estarão os membros do Forum para a Competitividade dispostos a pugnar
por estas reformas? A resposta é um claro não. Tudo o que o conservadorismo
económico que representam tem para nos oferecer é a defesa intransigente da
ortodoxia das regras da zona euro, a começar pela obsessão pelas metas do
défice estrutural, critério fetiche de Joaquim Miranda Sarmento.
O Fórum para a Competitividade,
que se mostra tão preocupado com a tendência da produtividade em Portugal, só
defende políticas que, na verdade, apenas irão acentuar a nossa divergência em
relação aos restantes países europeus.
2. O Fórum para a Competitividade é um espaço de confluência de
economistas conservadores, contrários à atual maioria de esquerda. Não tenho
nada a opor: o espaço onde escrevo (o blogue Ladrões de Bicicletas) é um espaço
de opinião comprometido com a esquerda e acho importante que os economistas
contribuam para o debate público sem aparências de falsa neutralidade. Mas isso
não deve conflituar com a manutenção da honestidade intelectual. Na sua
tentativa de desmerecer uma das mais inegáveis conquistas da atual maioria de
esquerda (a retoma do emprego), o Fórum da Competitividade escolheu o caminho
das contas pouco sérias. É pena.
"... Na verdade, é o facto de o crescimento do emprego se ter centrado em setores de baixa produtividade que explica o sucesso da recuperação rápida do emprego, apesar dos níveis modestos de crescimento do PIB...."
ResponderEliminarNa verdade boa parte da economia do Turismo fica, é "paga", lá fora.
O Turista paga a viagem o seu País de origem.
Por cá sobra o fazer camas e lavar lençois, servir refeições (vá lá com vinhos nacionais), servir bebidas (importadas) até às duas da manhã, transportar turistas (em viaturas importadas e movidas a combustíveis importados) de dia de noite ... não é actividade de alta produtividade, é sobreviver.
O reflexo no emprego precário e na economia do País é melhor que nada mas não para embandeirar em arco. Muito menos para demagogias pseudo-sofisticadas.
Boa malha! Bem argumentado!
ResponderEliminarParabéns.
S.T.
Desonestidade intelectual é apesar de tudo um eufemismo. Esta gente não fica apenas nos pretensos estudos da treta. Esta gente é perigosa, mente descaradamente. E sabe-o. Prepara o regresso dos abutres e lambe a beiça, mentindo com toda a dentadura pepsodent
ResponderEliminarQuanto mais tento inteirar-me sobre quantos os modos ou doutrinas que têm a pretensão de explicar o mundo, mais dificuldades encontro para me desviar de uma convicção que, às vezes com alguma resistência, já ganhou raízes no meu espírito pouco preparado para certas novidades. E tal convicção é que mundos há quantas os interesses; realidades tantas como visões acomodadas ou agitadas segundo os interesses em causa; visões, segundo as escolhas, que melhor garantem uma atmosfera ideologicamente determinada, enfim, que verdadeiramente, há apenas dois mundos: o dos interesses, defendido por quem quer que na pior das hipótese tudo fique como está; e o da audaciosa e valente humanidade que luta pelo novo, e que na pior das hipóteses deseja que as transformações a inculcar no mundo que vê, sente e sobre o qual reflecte, sejam o mais contínuas e consistentes possível. Depois de ter interiorizado que só estes dois mundos existem, dou comigo a cogitar que entre eles, são tantas as propostas que nenhuma é verdadeiramente alternativa. Assim, se entre dois pontos há, aparentemente, um espaço vazio, então é porque se rotula (quando se rotula) com condescendência o lado da barricada em que se acantonam os defensores de cada um dos mundos. O caso em presença do Brás Teixeira é paradigmático.
ResponderEliminar"Bem torturadas as estatísticas confessarão tudo aquilo que se quiser que elas digam."
ResponderEliminar:)
S.T.
A evidência é muito clara: crescer emprego sem produtividade bastante = a baixos salários.
ResponderEliminarDeviam os salário aumentar? Deviam, se outro fosse o crescimento!
A evidência é muito clara.
ResponderEliminarAs contas pouco sérias do fórum para a competitividade tem seguidores ideologicamente motivados ou patronalmente irmanados.
Num estudo revelado por um jornal económico ainda há um dia:
"Dois terços das empresas aumentaram salários abaixo da produtividade"
"Estudo conclui que as reformas laborais do tempo da troika aumentaram contratos precários e que a subida do salário mínimo tem efeitos positivos na produtividade. A evolução salarial entre 2010 e 2016 em Portugal não andou ao mesmo ritmo da produtividade, conclui um trabalho do gabinete de estudos do Ministério das Finanças. Ao contrário do que receava o Fundo Monetário Internacional, não houve nesses anos aumentos salariais acima da produtividade na maior parte do setor privado. Os investigadores analisaram o período que atravessa a crise económica e financeira (com a intervenção da troika) e a recuperação iniciada em 2014, utilizando os dados da Informação Empresarial Simplificada. A análise confirma uma correlação positiva entre a produtividade e os salários, mas, ao contrário do que se poderia prever, não é o aumento da produtividade que conduz a melhores salários. “Uma aceleração de um ponto percentual na produtividade está associada a um aumento médio salarial de 1,05 euros no mesmo ano”, escrevem os investigadores, acrescentando que, “uma aceleração semelhante da produtividade (1 p.p.) no ano anterior não tem qualquer efeito significativo no nível médio dos salários atuais”. Os investigadores selecionaram alguns setores de atividade representativos da economia: com mais trabalhadores; os que apresentam uma maior taxa de crescimento do emprego e os setores relacionados com os recursos naturais. Os resultados sugerem que “67% das empresas não aumentaram, em cada ano, os salários médios em linha com a produtividade do trabalho”, lê-se no documento, em coautoria com diretor-geral do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI), do Ministério das Finanças. O estudo do GPEARI conclui que os aumentos salariais ficaram 65% abaixo do valor se o objetivo era igualar a produtividade.O estudo aborda ainda a questão dos contratos e de alguns efeitos das reformas laborais levadas a cabo durante a “estadia” da troika em Portugal, concluindo que houve um aumento de contratos atípicos, sobretudo na camada mais jovem. Segundo o estudo, a flexibilização do mercado de trabalho incentivou as empresas a fazerem mais contratos precários. Os investigadores sublinham que a “proporção de contratos temporários entre os jovens trabalhadores aumentou quase dez pontos percentuais em apenas seis anos”, lembrando que enquanto “a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico se manteve nos 25%, em 2016 mais de dois terços dos trabalhadores em Portugal com idade entre os 15 e os 24 anos tinham uma relação temporária de trabalho.” Os resultados mostram que “a flexibilização diminui significativamente os salários e não teve um efeito aparente na produtividade.” O estudo do GPEARI conclui ainda que o aumento do salário mínimo é bom para a produtividade. “Os avanços anuais do salário mínimo mostram um efeito positivo significativo tanto na produtividade como nos salários”, sobretudo nas empresas de mais “baixo desempenho.”
ResponderEliminarEra no tempo da troika. Mas o paleio desta gente fica irremediavelmente posto em causa.
Desonestos, hipócritas ou cínicos. Ou pior. É só escolher
Que eu saiba a produtividade não nasce nos repolhos de couve. Exige investimento.
ResponderEliminarOu será que ainda acreditam nas metodologias patronais de "Modern Times"?
https://www.youtube.com/watch?v=ANXGJe6i3G8
S.T.
Jose, qual é a tua produtividade?
ResponderEliminar