terça-feira, 19 de março de 2019
É só mais um cromo
Este artigo trata das ligações estabelecidas entre os detentores de capital e os grupos de governantes e ex-governantes, a partir de uma perspetiva crítica capaz de realçar o papel do Estado na estruturação do poder económico. É dado especial enfoque ao processo de cooptação, numa análise que engloba os dados referentes aos 776 governantes que ocuparam 1281 cargos nos 19 governos constitucionais (1976-2014).
Adriano Campos, Jorge Costa, João Teixeira Lopes, Francisco Louçã e Nuno Moniz, Representantes e dominantes: Os governantes e as relações de classe em Portugal, Revista Crítica de Ciências Sociais, 2015, nº 108.
Lembrei-me deste artigo por causa da ida de Adolfo Mesquita Nunes, até agora um dos mais destacados quadros do CDS e antigo Secretário de Estado do turismo, para administrador não executivo da Galp. Esta lógica de circulação não é defeito, mas antes feitio de toda uma economia política por superar. É só mais um cromo para uma colecção que não tem parado de crescer.
Ao contrário da tese hayekiana sobre a ordem espontânea, título das crónicas de Mesquita Nunes no Negócios, o capitalismo sem freios e contrapesos à altura, fruto de todas as privatizações e liberalizações, é uma ordem politicamente construída. Nesta ordem, a grande empresa dita privada é um actor político de primeiro plano. Paula Amorim, um dos principais rostos do porno-riquismo em Portugal, sabe bem o que faz. E Mesquita Nunes também. Política com grandes meios.
Toda a ordem económica é construída, fruto de uma superestrutura, nesse ponto, estou inteiramente de acordo consigo, João Rodrigues. O que não vejo é a grande diferença entre uma ordem política em que a esfera económica controla o aparelho de Estado, ou pelo menos o influencia através da 'porta giratória' entre a política e os negócios, e outra em que o aparelho estatal controla a esfera económica, tirando que esta última, ao instaurar o monopólio absoluto do Estado, nem sequer conserva aquilo que dá mais dinamismo ao Capitalismo, a (relativa) concorrência (que os Capitalistas detestam). A URSS era muito boa a produzir bens passíveis de produção centralizada, armas, petróleo e minérios, em particular. Mas a produzir bens de consumo, era um desastre.
ResponderEliminarVasco Pulido Valente, em entrevista recente, creio que ao Expresso, lembrava como certos quadros das grandes empresas do Estado Novo rapidamente aderiram ao discurso marxista-leninista no pós 25 de Abril. Plus ça change...
O problema de certos cromos em relação a outros cromos não será simplesmente uma questão de inveja (trata-se de uma provocação, claro)?
Já reparou que fez equivaler a "superestrutura" do porno-riquismo à de estados totalitários?
EliminarHá que reconhecer que as empresas não aderiram a fazer representar os puros geringonços nas suas administrações.
ResponderEliminarNão se lhes pode levar a mal...
No ciclo de transição dos regimes despóticos para as chamadas democracias liberais (a partir do séc. XVIII, sobretudo), um dos problemas com que a burguesia emergente se viu confrontada foi precisamente com a necessidade de garantir o seu domínio enquanto classe social no sei de um Estado que deixaria de ser estamental, impedindo assim qualquer alteração da ordem que então se estabelecia e que era, a partir de agora com uma robustez absolutamente nova, a ordem do sistema capitalista. É neste ponto que entram as considerações sobre a natureza do Estado, o qual, como Estado de classe, foi imediatamente suportado por uma arquitectura jurídico-normativa e (nos dias que correm isso é de uma evidência quase chocante) institucional, que garantisse em absoluto esse desiderato. O Estado capitalista é por conseguinte um Estado que tem sobre todos os domínios da vida (social, política, cultural ou económica) uma intervenção sistemática e consistente com determinados objectivos, que são - uma vez mais - enquanto objectivos de classe, os objectivos da classe dominante. Dentro deste núcleo central desenvolvem-se depois tensões (e mesmo algumas contradições intrínsecas) que respeitam aos interesses por vezes antagónicos de facções específicas dos detentores do capital. A presença de determinados actores, enquanto "testas de ferro" dos interesses do capital no seio do Estado-instituição, é nem mais nem menos do que uma manifestação concreta da sua natureza de Estado de classe. Assim surgem os Frasquilhos, ou os Pinhos, as Maria de Belém ou os Constâncios, como antes deles e como percursor absoluto da transicção do processo revolucionário de 1974 para a sua sujeição ao domínio do capital, o monarca republicano, Mário Soares. Por outro lado, a financeirização capitalista a que se assiste tem clarificado também essa natureza de classe do Estado capitalista, nomeadamente e como afirmou Stiglitz, ao promover a transposição da fronteira do impensável, em que, após o colapso do sistema financeiro de 2007-2008 dívida privada foi transformada em problema público e o capitalismo de casino passou a, despudoradamente, se assumir como capitalismo sem risco. Apesar de tudo isto, uma parte da sociedade - manietada pela ausência das mais elementares ferramentas de auto-consciência, permanece ainda num estado abúlico, presa aos seus preconceitos, aos seus dogmas e clichés, que uma ignorância consistente vai alimentando.É também esse estado de consciência larvar, que contribui para explicar precisamente a subsistência das relações de domínio em que ainda nos movemos.
ResponderEliminarSem menosprezar o problema levantado por João Rodrigues, recordo que em matéria de promiscuidade a EU bate tudo o que se possa imaginar.
ResponderEliminarJá ouviram falar do Selmayrgate?
Provávelmente não, porque a comunicação social PT é, como diria o MEC, uma cambada de lambecuzistas, incapazes de publicar o que quer que seja que ponha em causa a sacrossanta CE.
O Libé publica um extenso artigo onde descreve as tropelias e ilegalidades de um senhor que é uma das grandes correias de transmissão do poderio encapotado alemão no seio das instituições comunitárias.
Sem mais delongas, eis o link:
https://www.liberation.fr/planete/2019/03/14/selmayrgate-conflit-d-interets-mensonges-et-suicide_1715168
S.T.
Bem, tenho que dar a mão à palmatória. Embora sem os detalhes do texto de Quatremer, Rita Siza do Público tratou o tema:
ResponderEliminarhttps://www.publico.pt/2018/03/12/mundo/noticia/garantias-da-comissao-nao-calam-duvidas-sobre-a-promocao-de-martin-selmayr-1806243
S.T.
Huuum, acho que o José ainda não compreendeu que a camada de tinta "democrática", mais ou menos espessa recobre os mesmos mecanismos de poder económico na maior parte dos estados modernos. As portas giratórias e a pantouflage são agnósticas em matéria de democracia. Não sabia? O porno-riquismo é apenas um misto de relações públicas e publicidade das oligarquias dominantes.
ResponderEliminarAliás, da leitura do texto não concluo que João Rodrigues confunda a super-estrutura com os adereços. Apenas diz que uma das mais poderosas oligarcas portuguesas é quem mais publicidade faz. Isso é muito óbvio na chamada imprensa económica, onde as publireportagens encapotadas sobre um empresário ou empresa antecedem iniciativas e negócios em perspectiva.
A espessura da tinta democrática é tristemente cada vez mais fina, à medida que a manutenção do status quo exige medidas cada vez mais repressivas e limitadoras da liberdade, privacidade e direitos cívicos nas chamadas democracias.
Basta lembrar as respostas de estados europeus e democráticos às grandes manifestações que os contestam. Espanha há uns anos e a França actualmente são os exemplos mais próximos.
Outra componente é a resposta ao terrorismo que passa sempre por medidas atentatórias da liberdade e privacidade do cidadão comum mas que pouco efeito têm no terrorismo. Na realidade o terrorismo é apenas um pretexto.
S.T.