quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Direito ou barreira intransponível?

O Governo anunciou mais uma medida de política de habitação, que designou de «Direito Real de Habitação Duradoura».

Garantir habitação duradoura às famílias é certamente um objetivo louvável; até urgente, perante a preocupante precariedade habitacional. No entanto, este objetivo dificilmente será alcançado por via de uma engenharia financeira que assenta em mais crédito para o «morador» e benesses fiscais e outras para o proprietário e investidor imobiliário.

Este novo produto habitacional é apresentado como um híbrido entre a propriedade e o arrendamento, em que o «morador», a  designação atribuída a este estatuto, não chega a adquirir o imóvel (logo, não é proprietário), tendo, no entanto, o direito de o usufruir durante toda a sua vida e o dever de suportar encargos adicionais (logo, não é um inquilino tradicional).

Nos termos do governo, procura-se, simultaneamente, resolver os problemas do acesso à compra e a curta duração dos contratos de arrendamento: «Se, em muitos casos, o regime de habitação própria se tem revelado pouco adequado pela sua rigidez, pelo peso do investimento que representa e pelas dificuldades de acesso ao mesmo, por outro lado, o regime de arrendamento nem sempre é conducente à estabilidade e segurança desejáveis».

Não passa pelas cabeças governamentais corrigir a instabilidade e a insegurança do mercado de arrendamento regulando-o de forma apropriada ou levando a cabo um programa robusto de oferta pública de imóveis para arrendamento. Mas já passa a criação de uma espécie de mercado de direitos à estabilidade habitacional.

Com efeito, o acesso a este «direito» adquire-se em troca do pagamento de uma «caução», que deverá situar-se entre 10 a 20% do valor do imóvel. Se um imóvel tiver um valor de mercado de 150 mil euros, a caução rondará entre os 15 mil e os 30 mil euros, o que significa que boa parte de potenciais «moradores» terá de se endividar. O «morador» continuará a pagar uma prestação mensal, uma renda, que poderá ser atualizada anualmente. E passará  a assumir as despesas com a conservação do imóvel e os impostos de propriedade associados (ou seja, o IMI).

Sendo certo que esta «caução» poderá ser devolvida total ou parcialmente (se a permanência na habitação for interrompida e dependendo do tempo decorrido), ela na verdade constitui um pagamento pelo direito de morar numa mesma habitação o tempo que se deseje.

Parece uma ideia engenhosa. Segundo o governo, garante-se acesso à habitação com «menor necessidade de endividamento em comparação com a alternativa de compra de habitação própria» . Também esclarece quais são as vantagens para o proprietário: «um aumento do capital disponível sem que isso implique vender o seu património» e «uma rentabilidade estável e uma redução dos encargos com a gestão do seu património». Acrescenta ainda que se garante «uma redução do risco de incumprimento pelo morador das suas obrigações, por via da caução entregue».

A medida é recebida com ceticismo pelos agentes do setor imobiliário. No entanto, consideram que pode ser muito interessante para os fundos de investimento que procuram um rendimento regular e sem grandes encargos com a gestão.

É muito difícil vislumbrar as vantagens para os inquilinos, pois o «Direito Real de Habitação Duradoura» o que faz é criar mais uma barreira no acesso à habitação, transformando um direito em mais um mercado.

9 comentários:

  1. Por conta do senhorio ou do Estado é sempre a opção mais popular.

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  2. Uma dependência para a vida é isto que está em causa. É exactamente o contrário do que deve ou deveria ser o lugar onde vivemos, as pessoas não podem ser escravos das suas mais básicas necessidades.

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    1. Quando o tuga compra a casa a crédito, não fica dependente? Prefere ser escravo da banca com juros, ou do proprietário com uma caução de apenas 15% do valor patrimonial?
      Pessoalmente acho uma ideia engenhosa!

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  3. Reportagens, manifestações, posts; quantas e com que periodicidade acontecem tendo por referência os sem-abrigo?

    Se tivessem senhorio, não pagassem renda e fossem despejados não faltariam proclamações pelo direito à habitação!

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    1. O José merece a minha máxima consideração, pois toca sempre no ponto.

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  4. Ouh là,là,là! Mon Dieu que GRANDE M**DE!!!
    Que grande VIGARICE! O Pato Paga a Casa, tem que Pagar Renda toda a Vida, Paga as Reparações, os Impostos,de 1 Coisa que não é Dele?????????????
    *E... se tiver que, ou simplesmente quiser mudar de casa, vai na pratica perder tudo ou quase, (se receber 1 € jà ñ perde teoricamente tudo* !
    Para isso ou se compra a casa, que sempre pode ser vendida se se quiser mudar Cidade ou de Pais, ou se arrenda uma casa, o que permite a opção de mudar muito facilmente de: vizinhos , cidade ou paîs!

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    1. Se comprar a casa paga 100% do valor de mercado. Se contrair crédito paga isso mais juros. Neste modelo paga apenas 15% do valor patrimonial, que é sempre mais baixo que o valor de mercado. E fica lá a habitar para sempre. Por que raio quer ser o dono da casa? Para habitá-la ou para herdá-la aos seus filhos? O tuga não gosta de usufruir, gosta de possuir, e à pala disso somos dos povos mais endividados.

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  5. Estou "quase" tão contente quanto certos "Josés" com esta medida do Governo!
    Tradução da medida : " *Direito Real de Habitação Duradoura* " *MAQUINA de ESFOLAR PATOS*

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    1. No meu comentário de 22/02/2019 às 00:25 , quero fazer a seguinte correção :
      Tradução da medida do Governo :
      "Direito Real de Habitação" = *MÁQUINA de ESFOLAR PATOS VIVOS*

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