Os defensores da reestruturação da dívida têm estado em silêncio. Para isso contribuiu a boa conjuntura externa e a estratégia de Mário Centeno – reposição de rendimentos, mas contenção drástica de outras despesas correntes e do investimento público. Ou seja, mão-de-ferro sobre o orçamento para ter saldos primários positivos. A que se juntou um crescimento do PIB puxado pelo turismo e a bolha do imobiliário (influxo de capitais especulativos), mais a retoma do consumo à medida que se instalou a confiança no voltar da página da austeridade. A benevolência de Bruxelas para com a nova estratégia foi decisiva porque limpou do horizonte as nuvens negras que criavam incerteza quanto ao futuro. Aceite como “caso de sucesso”, Portugal viu o juro médio para o conjunto da dívida baixar substancialmente, ficando abaixo da taxa de crescimento nominal do produto. Tudo favorável à redução do peso da dívida pública.
Porém, se a conjuntura mudar, tudo o que agora corre bem fica posto em causa. O crescente peso das exportações no total da procura tornou a economia portuguesa mais sensível à conjuntura internacional. Nesse caso, o governo em funções verá os estabilizadores automáticos (despesa social, receita fiscal) produzirem novamente um défice primário. A CE, os mercados financeiros e as agências de notação recomeçarão a sua ladainha de que o país não fez as reformas estruturais de que precisava e que, por isso, tem de cortar na despesa pública para dar confiança aos mercados. E cortará porque Portugal não é a Itália nem a França. E subirão as taxas de juro que, novamente, serão superiores à taxa de variação do produto. O peso da dívida voltará a subir, como subirá o clamor dos jornalistas de economia dizendo que a geringonça foi afinal um fracasso.
Ou seja, o problema da sustentabilidade da dívida não desapareceu; ficou em hibernação até à próxima crise. Em boa verdade, enquanto durar a zona euro – e não haverá em Portugal governo que questione a zona euro, evidentemente – o país está condenado a uma trajectória de períodos de crescimento medíocre nos intervalos das crises financeiras recorrentes. Passado este parêntesis de descompressão, voltaremos à trajectória de longo prazo: continuada degradação dos serviços públicos, crescente polarização social, e a raiva surda de boa parte dos de baixo a lavrar no subterrâneo social, pronta a lançar-se nos braços de um demagogo que seja competente para lhe dar voz e ganhar eleições.
Eu não partilho da ideia de que uma nova geringonça nos tornará imunes à ascensão da extrema-direita. Para mim, a sobrevivência da zona euro, e a nossa fidelidade canina ao ‘projecto europeu’, são a maior garantia de que lá chegaremos, com atraso como é costume.
E quem já tenha visto os números da dívida privada e da queda da produção industrial a nível europeu sabe que não falta muito.
ResponderEliminarAntónio Costa recentemente enalteceu o facto da União Europeia estar no ADN do Partido Socialista.
ResponderEliminarO europeísmo é hoje, para alguns, um caso patológico.
O Partido Socialista é inimigo daquilo que o Jorge Bateira defende...
O Partido Socialista nunca vai pôr em causa o dogma Euro, logo, não vai pôr em causa Neoliberalismo...
Os defensores da reestruturação da dívida têm estado em silêncio? Só se forem aqueles a quem o autor do post dá ouvidos (A não ser que considere reestruturação diferente de renegociação)
ResponderEliminarEntrevista recente com Costas Lapavitsas
ResponderEliminarParte 1 - https://youtu.be/haps9anpCgQ
Parte 2 - https://youtu.be/Uya4pV8Tkb4
Costas Lapavitsas fala sobre a tragédia Grega imposta pelas "elites" externas mas sobretudo pelas nacionais, a cooptação europeísta do governo "radical" suportado pelo Syriza, da natureza anti-democrática da União Europeia e das suas várias organizações como o Eurogrupo, de como a estratégia de Varoufakis para reformar a União Europeia já foi tentada e de como ela falhou, etc.