sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Cortar na despesa pública não melhora o défice, pelo contrário


A austeridade, enquanto política orçamental de cortes na despesa pública e aumento de impostos, praticada numa conjuntura de recessão com o objectivo de reduzir o défice e a dívida pública, e assim ganhar a confiança dos mercados financeiros, não tem suporte credível na teoria económica (ver aqui e aqui, por exemplo).

Ainda assim, os media foram incansáveis na promoção dessa política recessiva, legitimando os sacrifícios impostos ao povo e, ao mesmo tempo, encobrindo a responsabilidade do sector financeiro na origem da crise, assim como a falta de um banco central garante do financiamento do Estado. A ideia de que a intervenção da troika foi causada pelo excesso de dívida pública acumulada, foi tranquilamente (nalguns casos, calorosamente) aceite e difundida pelos media. Os economistas que argumentavam que a austeridade agrava a recessão não tinham (e ainda não têm) tempo de antena, nem lhes era permitido debater com os defensores da austeridade.

Mesmo depois de alguns sectores do FMI terem reconhecido que a estratégia estava errada (ver aqui), a nossa comunicação social ignorou o debate. Isto não aconteceu apenas em Portugal. No Reino Unido, os media também desempenharam o mesmo papel: “quando porventura ouviam algum economista, recorriam aos da City para falarem sobre notícias e acontecimentos do dia-a-dia, em vez de procurarem obter uma compreensão mais aprofundada da política económica.”

O que me intriga é não ouvir a esquerda dizer ao Ministro das Finanças que a despesa adicional com a contagem integral do tempo de serviço nas carreiras da Administração Pública não agravará significativamente o défice; e se, em 2019, as economias para onde exportamos reduzirem o seu crescimento, até ajudará a manter o défice controlado através do aumento da procura interna. Num país com subutilização da força de trabalho na ordem dos 13%, o multiplicador keynesiano funciona, como funcionou no início desta legislatura. É que o orçamento do Estado é bem diferente do orçamento de uma família, como explico ao cidadão comum neste vídeo.

Também me intriga não ver a esquerda discutir a hegemonia ideológica do neoliberalismo na comunicação social. Não há propostas (visíveis) para uma reforma de fundo que conduza a um jornalismo equilibrado, respeitador do pluralismo.

5 comentários:

  1. E o Partido Socialista foi instrumental para a disseminação e aplicação da política de desinvestimento, repressão dos rendimentos médios e baixos e promoção da precariedade antes até do execrável Passos Coelho ter chegado o poder...

    Não nos vamos esquecer disto, O.K.?

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  2. Sem querer fazer das caixas de comentários do LdB uma espécie de "discos pedidos", atrevo-me a sugerir um próximo snack que incida mais sobre a falácia da dona de casa da Suábia, uma vez que foi Merkel, na sua falta de cultura económica que a referiu logo no início da crise do euro. Aquela treta do "viver acima dos nossos meios" e a falácia da composição.

    O snack anterior ainda me pareceu que tinha umas transições bruscas mas este pareceu-me melhor.

    Bom trabalho!

    S.T.

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  3. Eu não percebo nada de economia de um país, conheço a economia de minha casa. Agora continuar a gastar dinheiro que não temos parece claramente um erro. Se dissesse que devíamos perceber qual deveria ser a as áreas e em que deveríamos continuar a fazer despesa mas cortar nas que não são necessárias.
    Vo um dia escrito algures, economista é arte de tentar prever comportamentos económicos e quando estes falham analisar o que falhou.

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  4. Embora apenas acessível a quem compreenda inglês e destinado a um público já com algumas bases, há dois videos que neste contexto considero interessantes.

    O primeiro é uma conferência de Ann Pettifor em Berlim:

    https://www.youtube.com/watch?v=7SaV-sk9Arc

    O segundo é um video a que Ann Pettifor faz referência no decorrer da referida conferência:

    https://www.youtube.com/watch?v=odPfHY4ekHA

    Com toda a imoralidade da impunidade dos culpados da crise, que como se sabe nos USA não responderam perante a justiça, mas pelo menos a recuperação nos USA foi muito mais rápida e vigorosa do que a da zona euro.

    S.T.

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  5. Adoro aquela resposta de Ben Bernanke à pergunta "É dinheiro dos contribuintes?"
    (O dinheiro dos bailouts)
    É aos 7 min e 55 segundos.

    No meio da gravidade do momento dizer que lá no FED tinham um computador e que básicamente creditavam a conta dos bancos para mim é hilariante.

    E no entanto é impecávelmente correcto económica e financeiramente.

    Genial!

    S.T.

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