sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Contas sem fronteiras (I)

A partir dos resultados da consulta pública sobre a mudança de hora nos países membros da UE, a Comissão Europeia não hesitou em concluir que «84% dos europeus querem que a Europa pare de mexer no relógio». De facto, entre os 4,5 milhões de cidadãos que participaram no inquérito, 3,8 milhões posicionaram-se a favor do fim da mudança e apenas cerca de 700 mil defenderam que se mantivesse a atual alternância entre o horário de verão e de inverno.

A soma destes valores sugere, porém, que todos os participantes tinham já uma opinião bem formada sobre o assunto. Ou então - hipótese mais plausível e que a estrutura do questionário confirma - a Comissão não acolheu nenhuma outra possibilidade para lá do «sim» e do «não», obrigando pessoas com dúvidas (ou sem opinião formada), a desistir de preencher o inquérito ou a ter que optar por uma das duas únicas respostas ao seu dispor.

Bastante mais estranho é contudo o facto de os resultados divulgados resultarem da soma direta do número de respostas, sem qualquer ponderação pelo peso relativo de cada Estado membro. O que significa, face à existência de níveis de participação muito distintos entre os 28, que alguns países sobredeterminaram o resultado final. Pondo números nas coisas, constata-se que 70% das respostas (3,1 milhões) provém da Alemanha, país cujo peso relativo na população total da UE é de apenas 16%. E se considerarmos as cerca de 650 mil respostas obtidas em França e na Áustria, o conjunto destes três países perfaz 83% do universo da consulta, quando o seu peso relativo é de apenas 31% do total de residentes na UE (deixando portanto para os restantes 25 países, que constituem 69% da população residente na União, uma representatividade das respostas de apenas 17%).


Na medida em que a maior parte dos Estados membros (20 em 28) apresenta percentagens favoráveis ao fim da mudança horária acima de 80%, com apenas quatro países (Itália, Grécia, Malta e Chipre) a assumir valores entre 53 e 70%, o enviesamento de representatividade territorial acaba por ser reduzido. O que não diminui, no entanto, a grosseira opção metodológica de não ponderar o número de respostas obtidas pela população de cada país, que mais não fosse para acolher e refletir, nos resultados da consulta, os diferentes regimes de insolação e sazonalidade, que distinguem os países da Europa mais a este e a oeste, mais a norte e mais a sul.

Mas o «erro» é ainda mais grave e contém um inevitável significado político. Num exercício de ignorância alarve, a Comissão Europeia decidiu com as suas contas ignorar as fronteiras e, nessa medida, os próprios Estados e as suas diferenças socioculturais. Uma vez mais, o «centro» que pulsa nas instituições europeias olha para o continente à escala do seu umbigo, desprezando as periferias. E nesses termos a questão da mudança de hora não deixa de constituir, para quem ande à procura, uma boa metáfora da Europa a que se chegou.

11 comentários:

  1. Para quem já viu o eurobarómetro, isso não é surpreendente.

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  2. Um post que põe no papel algumas dívidas que esta pretensa iniciativa dita democrática levanta.

    Mais uma vez com a colaboração de uma imprensa medíocre e servil

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  3. Num país em que a cretinice governativa é quotidiana, logo a cretinice da comissão em matéria em que o movimento aparente do sol é desprezado passa a metáfora determinante.

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  4. Depois das “ mamas” e dos “esquerdalhos” jose afeiçoa-se à “ cretinice”.

    Algures, no movimento aparente da metáfora determinante, jaz podre e arrefece a massa cinzenta desprezada

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  5. Não é de admirar, pois a estratégica estatística é sempre manobrada de forma a criar uma certeza onde a probabilidade foi mandada dar uma volta, onde as sondagens se fazem sobre universos não representativos, e onde não existente qualquer estratificação social ou espacial conforme o fenómeno em análise. Veja-se o que as TVs fazem quando colhem opiniões na rua sobre determinado assunto, enviesam o resultado conforme desejam, basta apresentar só opiniões do sim, numa amostragem que não obedeceu a qualquer critério que não seja a de preencher antena. O publico em geral, porque nunca estudou estatística é manobrado para onde "eles" querem, a começar pelos senhores que fazem da politica o seu "modus viventi" porcalhão. Vá vão lá ao livro do 9º ano do vosso filho e aprendam lá um bocadinho deste conteúdo, para estes senhores "gajos" não fazerem o que querem dos países e dos povos. Muito obrigado pela oportunidade.

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  6. Sondagens há muitas! É como os chapéus...

    Bem mais importante é a sondagem que se refere nesta nota de FB de Jacques Sapir:

    https://t.co/LYteS1du5M
    https://www.facebook.com/notes/jacques-sapir/un-sondage-avant-les-%C3%A9lections-europ%C3%A9ennes-de-2019/1409557335840847/

    Boa leitura!

    S.T.

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  7. Eu votei, sou Português e resido em portugal. Quero o meu voto respeitado. Quero acabar com a mudança da hora.

    Se há uma maioria absoluta de energúmenos, ignorantes, gajos e gajas que vivem segundo o "I don't care", e pessoas até cultas e cidadãos ativos mas que acharam que não tinham 5 minutos para participar numa consulta pública, então que culpa é que eu tenho disso?

    É como nas eleições. Não interessa qual a abstenção. Apenas interessa a decisão entre os que se deram ao trabalho de se informar, escolher, e votar.

    Se por acaso a UE voltar atrás, ou o governo de Portugal não respeitar este voto claro (85%) a favor do fim da mudança da hora, então vou fazer uma revolução, em nome de uma Constituição que tenha o voto obrigatório.

    Olha que filhos de uma grande p***, podem votar, decidem não votar, e depois não querem respeitar o voto de quem votou. Fô**-se, pá!

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  8. Excelente dica esta sobre as sondagens

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  9. Deixa cá ver se percebo a lógica batatóide de Carlos Marques...

    Agora as decisões políticas são tomadas com base em sondagens? Europeias ainda por cima? Assim como se fosse um referendo informal?

    Carlos Marques só pode ser um "agent provocateur" LOL

    S.T.

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  10. Um agente provocador com nome e com múltiplos nicks:

    João pimentel ferreira, aonio eliphis, etcectetc

    E vive na Holanda.
    Pelo que cumpre os preceitos da tralha pós-democrática europeia a tentar vincular como obrigatório as decisões da mesma tralha.

    Escondidas atrás de uma sondagem, enquanto o baile anti-democrático continua

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  11. Filhos de uma quê?

    Que comentário mais inqualificável.

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