A 14 de Abril passado, as forças armadas dos Estados Unidos, do Reino e da França atacaram alvos na Síria. O ataque militar não teve mandato internacional. Não visou verdadeiros alvos militares - pretendeu apenas marcar uma posição sobre um assunto ainda não aclarado - e foi comunicado aos países opositores.
Ora, uma acção de guerra contém sempre uma necessária campanha de preparação social. Nem todos estamos de acordo com actos militares que poderão ter consequências graves, tanto directas (mortos, feridos, destruição), como indirectas. Já é consensual que o terrorismo internacional recrudesceu após a invasão do Iraque. As mais recentes guerras no Próximo Oriente provocaram vagas de refugiados.
O que quis saber foi, pois, como a questão foi tratada pela nossa televisão noticiosa - ou seja, pela RTP3, pela Sic Notícias, pela TVI24 e Correio da Manhã TV.
A primeira questão foi saber até que ponto as emissões foram alimentadas por conteúdos produzidos externamente, com vista a saber se a população portuguesa foi influenciada externamente ou se recebeu alguma intervenção nacional de descodificação do ataque militar.
As televisões trabalham sobretudo com as agências Reuters e Associated Press e, como não têm dinheiro para ter "gente no terreno", recorrem muito à produção externa. Por isso, as imagens que vemos nos canais nacionais são geralmente iguais. Mas o conteúdo da informação poderia ser diferente. Só que muitas vezes os jornalistas pouco aprofundam os textos de agência que vêm com as imagens. Em contraponto, considerou-se produção interna tudo o que fosse tentativa de ter informação própria do canal: comentadores em estúdio, editores ou jornalistas, correspondentes no estrangeiro.
Aquilo que se verificou foi que a produção externa excedeu a produção interna: 726 minutos (51%) contra 685 minutos (49%). Não é uma grande diferença e poderia ser aceitável.
Só que, quando se olha em pormenor à repartição por canais, verifica-se que os canais de maior audiência - o CMTV e a SIC Notícias - recorreram muito mais a produção externa do que à interna.
Dir-se-á: também não é uma diferença muito grande. E é verdade.
O problema é quando se começa a analisar a produção interna. E esta análise deveria ter sido mais fina, analisando em detalhe o sentido do que foi dito. Mas para já, fica uma análise em bruto.
Por exemplo, todas as televisões estranhamente optaram desde o início por procurar comentadores militares, em vez de uma abordagem mais política. Ainda que os militares tivessem poucos pormenores militares a acrescentar à informação oficial e transmitiram, de alguma forma, comentários "técnicos" justificativos da política do ataque militar.
Depois, verificou-se mesmo uma cópia entre canais. Por exemplo, coronel Lemos Pires esteve nos quatro canais ao longo do dia e mesmo a partir de casa. Defendeu que o ataque esteve "dentro do que se possa considerar de legitimidade de acção", que foi um "ataque preciso, de acordo com a proporcionalidade e marcou a diferença", que "todas as iniciativas foram vetadas [nas Nações Unidas] e, portanto, ninguém estava à espera que houvesse consentimento das Nações Unidas para esta acção porque era impossível". O mesmo se passou com a professora Lívia Franco.
A maior parte dos correspondentes - nos Estados Unidos, em França, em Israel, na Rússia - expressaram muito do que era o pensamento político oficial de cada um dos países. E nem sempre com distanciamento. O correspondente da SIC em Israel afirmou mesmo "só em casos em que se utilizam armas químicas é que houve intervenção" militar, partindo da versão oficial do atacante. E acrescentou: Agora, Assad "é possível que pense duas vezes antes de o fazer" (usar armas químicas).
Claro que houve comentadores mais críticos da intervenção militar. Mas apenas para o final do dia. No início, a cadeia dos comentários era maioritariamente pró-intervenção.
Aliás, foi de tal forma que a RTP chegou a colocar em oráculo que se tratava não de um ataque militar, mas de uma "iniciativa" e no CMTV chamou-se Acção Tripartida.
Só a designação de Aliados - para designar os EUA, Reino Unido e França - remete para a segunda grande guerra em que os "bons" (Aliados) combatiam os "maus" nazis.
Há, pois, que tomar cuidado com a forma como se organiza este tipo de cobertura.
Casos como os que temos assistido no Brasil, mesmo em Espanha e mesmo em Portugal - em que a comunicação social assumiu sem pestanejar a versão oficial da troica - deveriam fazer-nos pensar. Porque a comunicação social não é apenas um agregado de órgãos de imprensa que empregam uns jornalistas, aliás cada vez mais novos e cada vez mais baratos. A comunicação social deveria ser a salvaguarda da própria democracia. E se a comunicação social é, desta forma, facilmente tomada, teme-se o pior dos tempos que aí vêm.
A comunicação social é um meio de manipulação em massa e faz parte do complexo militar industrial!
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=_fHfgU8oMSo
Isto não é jornalismo!!
EUA, Israel e Arábia Saudita querem começar uma nova guerra, desta vez com o Irão!
Preparem-se para ver os "média independentes" e os comentadores "especialistas" justificar a guerra...
Convém ler Emmanuel Todd:
ResponderEliminarhttps://www.les-crises.fr/emmanuel-todd-la-menace-ce-nest-pas-les-fake-news-cest-lautoritarisme-de-letat/
S.T.
Alguém quer comentar o facto de tudo ter começado na 'Primavera Árabe'?
ResponderEliminarTerá sido esse movimento de massas mais uma acção do 'complexo político-militar'?
"A comunicação social deveria ser a salvaguarda da própria democracia. E se a comunicação social é, desta forma, facilmente tomada, teme-se o pior dos tempos que aí vêm."
ResponderEliminarParecer: O registo historico indica que a comunicacao social nunca salvaguardou em lado algum democracia alguma. Por feitio e a minha forte suspeita. A comunicacao social e aquilo que sempre foi: uma arma de propaganda que nada mais faz do que propagar os valores e a ideologia de quem a controla. Nao ha informacao neutra.
Despacho: A esquerda, em vez de se lamentar com a ma imprensa que recebe dos media de direita, deveria antes se concentrar em criar a sua propria boa imprensa.
Caro José,
ResponderEliminarSobre isso, queira ver este video sobre os planos norte-americanos após o 11/9.
Com certeza que as movimentações sociais têm causas profundas. A arte está em conduzi-las para onde se pretende. Esquecer isso pode ser demsiado perigoso.
https://www.youtube.com/watch?v=9RC1Mepk_Sw
Caro João Ramos de Almeida, dou-lhe os parabéns pelo seu post!
ResponderEliminarAcho muito interessante muito interessante a metodologia que definiu.
Uma das áreas em que efetivamente o escrutínio em Portugal é muito fraco é sobre o jornalismo (na minha opinião a outra é a justiça em que o conteúdo das decisões judiciais e o prazo das mesmas são ainda muito pouco escrutinadas).
Efetivamente parece que a comunicação social no seu todo muitas vezes tomar uma determinada posição sem que se perceba muito bem porquê, mas certamente existirão motivos subjacentes. Outro exemplo reente em que fiquei espantado com a quantidade de cronicas e editoriais (alguns escritos por autores que tinha em boa conta) foi a questão da expulsão dos diplomatas da Rússia, em que de um dia para o outro se exigia convictamente que o governo desse explicações sobre o facto de não expulsar diplomatas russos. Como se não fosse a decisão de expulsar diplomatas que exigisse explicações.
Algo que gostaria de acrescentar é que os Portugueses têm direito de exigir informação pública de qualidade pois pagam-na. Mais de cem milhões de euros sobre a eltricidade financiam anualmente a RTP/RDP e penso que a LUSA também terá financiamento pelo menos parcialmente público. Tenho dificuldade em compreender como é que com um financiamento de 100 milhões ao ano a RTP não tem reporteres na Siria (e eventualmente no Iemen) a proporcionar informação de qualidade e no terreno. Por outro lado existe dinheiro para pagar salários superiores ao do Presidente da Republica a apresentadores de programas de variedades.
Caro João,
ResponderEliminarNunca presuma que as acções dos USA têm o meu apoio incondicional. Tenho todavia por certo que, onde os seus valores essenciais - que são os meus - são respeitados, a sua acção não conduz a que aí se suprimam.
Isto dito, toda a cena pós-colapso da comunada soviética reflete em abundância erros dos USA, mas os valores que refiro permanecem.
Aquilo que me indigna, não é que esses erros sejam denunciados, mas sim que seja indiciado e até proclamado que eles são a consequência inevitável desses valores e que, aos que se lhes opõem, sempre sejam reconhecidos como o lado 'bom', ainda que canalhas de todo o tipo, desde facínoras a fanáticos religiosos.
E no seu vídeo, o Putin, de cujas palavras raramente discordo, sempre vai dizendo que na Síria nada teria ocorrido de tão grave, assim tivesse havido uma evolução política por parte da clique de Assad.
Alguém quer comentar o facto de a dita "Primavera ÁRABE" não ter tido consequências no aliado déspota do ocidente ARÁBIA Saudita!?
ResponderEliminar"Primavera ÁRABE"? LOL
ResponderEliminarPara que terá servido uma aplicação informática que permite que um único operador faça a gestão de dezenas de falsos perfis nas redes sociais? E quem a terá usado?
Há quem ainda leia Sun-Tzu...
S.T.
@Vítor
ResponderEliminarA profissão de reporter de guerra, ou até a de verdadeiro reporter tout court está-se a tornar mesmo muito perigosa.
Basta lembrar que alguns dos que "perderam a cabeça" de forma horrível às mãos do daesh eram jornalistas. Outros exemplos foram aqueles jornalistas que recentemente morreram numa explosão em Kabul.
E ainda mais perto, dentro das fronteiras da EU, foi assassinada Daphne Caruana Galizia por ousar investigar os Panama Papers.
https://www.theguardian.com/world/2017/oct/16/malta-car-bomb-kills-panama-papers-journalist
Mas a Síria é de tal maneira complicada com grupos que parecem uma coisa e são outra que é impossível negociar acesso minimamente seguro a vastas áreas.
E nós sabemos como a guerra de informação constitui hoje a parte mais importante em qualquer manobra ou estratégia política.
Daí a histeria programada das fake news.
https://www.les-crises.fr/emmanuel-todd-la-menace-ce-nest-pas-les-fake-news-cest-lautoritarisme-de-letat/
S.T.
Blá,Blá, as fake news, mas para tão fortes opiniões não há uma verdade que lhes sirva de base e que possa ser divulgada?
ResponderEliminarCaro José,
ResponderEliminarNunca presumi nada do que toca ao seu pensamento. Mas permita-me discordar da ideia de que os stados Unidos se regem por valores politico/éticos/filosóficos. O que têm demonstrado - e creio que concordará comigo - é uma supremacia da ideia de protecção dos seus interesses directos (políticos/económicos), o que deixa muito a desejar quanto ao altruismo da sua actuação.
Aliás, a ideia de Clark revela muito bem essa tomada de posições político-económicas no Mediterrâneo, num momento en que a Rússia estaria na mó de baixo. A Rússia sempre teve, militarmente, uma lógica defensiva do seu espaço e isso tem determinado no essencial as suas posições, já distantes da exportação da revolução mundial e capazes de se apoiar nos mais estranhos poderes.
Dito isto, convinha pois olhar para o que se passa no mundo com um olhar que permita a paz e permita que os ideiais de paz possam valer sobre aqueles que visam - sobretudo - o dinheiro de alguns.
Caro Vítor,
Concordo inteiramente consigo. Aliás, mesmo as televisões privadas deviam estar sujeitas a um escrutínio público, já que o seu espaço não foi privatizado: trata-se de uma concessão de espaço público. E como tal tem de se avaliado pelas entidades públicas.
Caro João
ResponderEliminar«onde os seus valores essenciais - que são os meus - são respeitados, a sua acção não conduz a que aí se suprimam»
O 'onde' e o 'aí' são de lugar, e o tema era intervenção adentro de fronteiras.
Nas geo-estratégias encontrar 'valores' é matéria em que não me meto, como por exemplo saber do valor das bases militares russas na Síria.
Os valores essenciais do jose são mesmo universais
ResponderEliminarComo por exemplo estes em que não se mete, mas em que exprime mesmo a sua admiração pelo legado das botas a marchar
O que o sujeito diz sobre os USA e porque estes podem "fazer":
"Só o podem fazer porque têm uma moeda que serve para forrar os colchões por todo o mundo
Se isso acontece é porque são identificados como uma força de segurança.
Segurança económica, porque trabalham sem se dedicarem à treteirice dos direitos e garantias.
Segurança militar, porque vão a matar e a morrer onde necessário.
É outra galáxia"
( Heil, united states of america?)
Não faz pena como desta afirmação de marialva de botas cardadas em tons made in america travestido, passa para este piar manso e fino, quase que gemibundo mas assumidamente piegas?
Movimento de massas e a primavera árabe
ResponderEliminarPara onde foge o tal jose?
Não gosta jose que sejam denunciadas as fake news?
ResponderEliminarE fala no bla-bla-bla.
Prefere o seu próprio bla-bla-bla. Mais a intervenção americana e os seus valores. A que se junta a borregada sobre a comunada e outras pérolas. Como as bases da Rússia na Síria e outras tretas em que (credo) não se mete
Quando ele gritava em altos berros pelo bombardeamento deste país , conclamando pelos valores ocidentais, onde estavam estes arrufos de virgem prendada a fingir que o é?
Os tempos eram outros, não era mesmo ?
Registe-se todavia o esforço ( em parte conseguido) em desviar o tema do post para as primaveras e para os princípios geo-estratégicos hipócritas e quase lacrimejantes de jose
ResponderEliminarUm mimo. Falta apenas o Nihil obstat da sua Ordem