segunda-feira, 2 de abril de 2018

Euro visões


Muita coisa mudou desde que a crise da zona euro eclodiu de forma aguda há quase uma década. Os mecanismos de coordenação da política orçamental dos Estados-membros (leia-se, da sua subordinação às autoridades europeias), do Tratado Orçamental ao Semestre Europeu, foram substancialmente reforçados. A disponibilidade do Banco Central Europeu (BCE) para «fazer o que for preciso» para salvar a zona euro, incluindo monetizar a dívida pública dos Estados-membros de forma mais ou menos encapotada, foi demonstrada de forma decisiva. Foram dados alguns passos, porventura incipientes, no sentido de começar a desmantelar as ligações de dependência mútua entre os Estados e os bancos nacionais. Nos últimos anos, até os países intervencionados da periferia conseguiram retomar o crescimento e a criação de emprego e, no caso português, fazê-lo a par da redução do endividamento externo. O Eurogrupo é hoje presidido por um ministro das Finanças de um país da periferia. Para os euroentusiastas mais optimistas, tudo isto quer dizer que o pior já passou e que as notícias da morte anunciada do euro foram claramente exageradas. 

Em contrapartida, tem-se tornado cada vez mais evidente a tendência para a divergência entre os países do centro e da periferia. O colapso da economia grega excedeu, na sua dimensão e consequências sociais, a Grande Depressão. Os níveis do produto interno bruto (PIB) per capita de Itália e Espanha são idênticos aos de há dez anos. Portugal teve a sua própria década e meia perdida, só interrompida (e por quanto tempo?) nos anos mais recentes. O desemprego, especialmente o desemprego jovem, continua em níveis muito elevados por toda a periferia. O lastro do endividamento público e privado é hoje muito maior do que há dez anos, aumentando consequentemente a vulnerabilidade à próxima crise. A par de tudo isto, a ilusão de uma comunidade de interesses europeia caiu por terra e o autoritarismo pós-democrático do eixo Bruxelas-Frankfurt-Berlim foi demonstrado à evidência, especialmente aquando da subjugação do governo grego no Verão de 2015. A revolta dos eleitorados tem-se traduzido na ascensão de novos actores políticos, na quase aniquilação da social-democracia europeia tradicional e numa extrema-direita com aspirações reforçadas, sendo vários os países que têm estado ou estão à beira de eleger governos eurocépticos. 

Que podemos esperar de tudo isto? Até que ponto é que as vulnerabilidades estruturais da arquitectura do euro foram colmatadas? Está o euro irremediavelmente condenado? Se sim, devemos celebrá-lo, independentemente de um eventual desmantelamento caótico e da eventual liderança do processo por forças políticas reaccionárias? Qual será o primado relativo da economia, do direito e da política nos desenvolvimentos que podemos esperar para os próximos tempos? E que consequências devemos retirar de tudo isto para a nossa prática política?

Texto de enquadramento do Jantar-Tertúlia do Le Monde diplomatique – edição portuguesa, cuja inscrição pode ser feita aqui. A vossa participação é também um apoio a este projecto editorial cooperativo.

Pela minha parte, procurei retomar a pergunta que fiz no número de Abril de 2015 - de que é que têm medo e de que é que temos medo? - à luz dos novos desenvolvimentos desde essa data e da necessária crítica às renovadas ilusões europeístas.

5 comentários:

  1. Visto que é um jantar, BOM APETITE!

    Enquanto tertúlia, o tema promete, e estou certo que os convivas saberão usar as "little gray cells" para elaborar uma conjura que envolva um crypto-sistema de pagamentos privado-cooperativo diabólicamente eficiente, barato e viral que substitua o Euro e depois seja nacionalizado por forma a constituir um Crypto-Banco de Portugal.
    :)
    :)
    :)
    S.T.

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  2. Há um elemento de esperança no seu texto, um só, o ponto de interrogação que coloca no final da frase 'Se sim, devemos celebrá-lo, independentemente de um eventual desmantelamento caótico e da eventual liderança do processo por forças políticas reaccionárias?' Como diria Camus, por vezes não se trata de mudar o mundo mas de evitar que ele se desintegre. Não se trata de construir (pelo menos para já) um mundo melhor, mas evitar mundos piores. O que implica atuar com inteligência e estar preparado para engolir muitos sapos.

    Depois, o João Rodrigues interroga-se no seu outro texto sobre a fraqueza das alternativas socialistas que, segundo a sua visão, manteriam o capitalismo domado, como se esse fosse o seu objetivo, que era, esse sim, da social-democracia e desde cedo.

    Sucede que essa fraqueza não ocorre por obra e graça do Espírito Santo e sim por causa da falência completa do modelo do Socialismo Real.

    Falência moral, claro, sendo que se afogou uma ideia inicialmente generosa no sangue de muitas vítimas, mas sobretudo falência económica, como algumas variantes terceiro-mundistas (caso mais recente da Venezuela) não se esquecem de nos lembrar vezes sem conta. E só os intelectuais, como dizia Orwell, é que se podem surpreender com tal coisa. As pessoas comuns, essas, já o perceberam há décadas... Daí a perda progressiva de votos do PC Francẽs ou a conversão do PCI a uma coisa francamente indizível... Quando aquilo por que se lutou se revelou um embuste resta mudar (mas isso não quer dizer que se mude para melhor) ou fenecer...

    Por outro lado, o PC chinês está vivo e recomenda-se, enquanto implementa o capitalismo mais selvagem e elege um novo presidente para a vida...

    Por isso, o PCP tem muita, mas mesmo muito pouca moral para nos vir pregar soberania quando apoia regimes como o chinês ou o cubano, ou o venezuelano. Pergunte aos respetivos povos quão soberanos eles se sentem. Se é para isso, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...

    Mas pergunto-me se a sua insistência no carácter utilitário do socialismo não revelará de facto a lucidez de quem admite lá no íntimo que tudo o que eu disse acima é verdade?

    Finalmente, pare de uma vez por todas de estar à espera que a Esquerda Europeísta veja a luz. Pare de nos brindar com o mesmo diagnóstico onde faltam sempre os detalhes sobre como é que vamos sair do buraco em que nos encontrámos.

    A URSS não venceu Hitler porque era superior no plano dos princípios (embora Estaline e Hitler se equivalessem um ao outro em muita coisa, tanto que até foram aliados, lembra-se?). Venceu-o porque disponha de uma estratégia para tal e de alianças convenientes (o lend-lease program em particular).

    Ou será que o João Rodrigues precisa que o Mário Centeno se converta à sua versão de nacionalismo progressista reciclado (e convinha lembrar no que deu o nacionalismo progressista original) para ele lhe vir fazer as contas?

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  3. "Nacionalismo progressista reciclado"
    Isto é o quê?

    Há algum desespero em quem argumenta sistematicamente desta forma como Jaime Santos. Porque repetitiva e semi-insultuosa. Porque recorrente por exemplo à sempre eterna cassete venezuelana.

    Talvez a agressividade ( e o paleio ) de jS seja directamente proporcional ao desmascarar do afundamento duma social-democracia que traiu os seus ideais. Traição pura e dura.

    Talvez a distracção de JS também passe pelo seu "esquecimento" de outro post de João Rodrigues em que se fala no PCI. Também aqui a traição se paga carro. E é ver uma a uma os "sociais-democratas" a tombarem, algumas vezes vergonhosamente sob as palmas de JS , como aconteceu em França.

    Pois é, caro Jaime Santos é uma pena. As pessoas comuns de que fala, essas que já o perceberam há décadas são concretamente quem? Os europeístas entusiastas que vêm o seu espaço diminuir diariamente?

    Pois é, JS é uma pena. O fim da história foi uma daquelas coisas que entusiasmou muito social-democrata. Mas jaz morto e arrefece num local mal frequentado e já nem serve de álibi para a traição dos que se bandearam para o neo-liberalismo mais desbragado

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  4. Bem, eu só gostaria de informar o Sr jaime Santos que a Esquerda Europeísta não "verá a luz", o que o deve (supõe-se) enche-lo de satisfação.

    Mas isto é como aquelas anedotas da boa e da má noticia...

    A boa notícia (para o Sr Jaime Santos) é que a esquerda europeísta está a ser cilindrada, como o provam as últimas eleições em França, Alemanha e Itália.

    Portanto a "luz" só pode ser aquela das experiências de quase-morte. :)

    A má notícia (para o Sr Jaime Santos, claro) é que os danados dos "populistas" eurocépticos de esquerda e direita estão a dar uma coça aos partidos clśsicos. AfD na Alemanha, FN e Mélanchon em França e Lega e M5S em Itália.

    Em Itália a Lega até superou o seu "compadre" Berlusconi, e a maré ainda só agora começou a encher. Nas próximas eleições a Lega engulirá mais uma fatia da Forza Itália e o M5S fará outro tanto ao europeísta PD. Como dizia o outro: "É a vida!"

    Eu vou ser ainda mais radical do que o João Rodrigues e dizer que faz falta um partido de direita eurocéptica em Portugal. Precisamente porque não são os da Esquerda Europeísta que precisam de "ver a luz". São as alminhas que pugnam por um capitalismo de dignidade e justiça social, da velha democracia cristã, daquela que lê mesmo a doutrina social da igreja. E os sociais-democratas, daqueles que liam mesmo os discursos de Sá Carneiro, também esses precisam de "ver a luz" e criar ou refundar um partido decente, livre dos tumores neoliberais que infectam a direita portuguesa.
    A direita precisa de ser desinfectada.
    S.T.

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  5. Depois devia haver algum rigor intelectual da parte de JS. Algum rigor e alguma coerência.

    De forma definitiva, própria dos vendedores de mantras inquestionáveis, arremete contra a falência moral. Mais abaixo e duma forma vergonhosa cita que a URSS não venceu Hitler porque era superior no plano dos princípios. Esqueceu-se rapidamente da pregação moral acima enunciada. Agora refugia-se atrás de tretas sobre a estratégia e até recorre ao lend-lease program. A falência moral foi esquecida e as pessoas comuns serviram apenas para enfeitar o quadro.

    Pois é, as pessoas comuns lutaram contra Hitler. Contra a falência moral dos colaboracionistas e dos traidores

    Pois é, a derrota de Hitler às mãos da URSS ( e de todos os demais) ainda deve custar suores frios ao caro JS. Deve ser duro os factos não caberem nos postulados ideológicos de JS

    Mas quanto desespero este para ter que recuar tanto para defender o paraíso da Europa, tido como inqestionável há uma dúzia de anos.

    Ou quanta impotência para ficar reduzido a "isto"

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