Centeno vai amanhã ao Parlamento ser fustigado por causa da situação do Serviço Nacional de Saúde, mas na verdade já cá não está.
"Podemos querer procurar mais indicadores para o trabalho que tem vindo a ser feito, mas nada é mais positivo para os portugueses do que a colossal redução do pagamento de juros."Esta frase não foi dita por qualquer porta-voz da Comissão Europeia ou do FMI, mas vem inserta no mais recente artigo de Mário Centeno. O artigo gerou polémica pela alteração do quadro orçamental para 2018 acordado com o Bloco e o PCP, mas não pelo que ele representa.
Primeiro, a completa ausência de hierarquização de políticas públicas. Preferiu-se a eficácia dos mecanismos de gestão da despesa pública sem atender aos objectivos gerais da vida da sociedade que ficaram adiados. E pior: são vítimas de degradação acumulada ao longo de anos e anos de subfinanciamento, como se vê no SNS. Claro que as finanças públicas devem ser sustentáveis. Mas nunca poderão ser um objectivo por si apenas, à espera das poupanças nos juros.
Segundo, e mais politicamente, trata-se de um discurso de autonomização de Centeno face ao Governo, quase uma provocação vaidosa, uma subliminar intenção de romper acordos parlamentares e de arranjar - por sua conta e risco - uma agenda eleitoral à pressa. Mote: a consolidação orçamental é tudo (e é como eu a faço), o resto vem por arrasto e logo se vê.
É verdade que Centeno não está sozinho: o Governo tem tentado mostrar que é possível respeitar o Tratado Orçamental - e o enquadramento legal herdado da direita - e ter uma política de esquerda. Nomeadamente no emprego. Mas isso leva-o a ter discursos contraditórios. O Governo já oscila estranhamente entre valorizar a necessidade de um combate à precariedade do emprego e afirmar que o novo emprego é um emprego de qualidade, com 75% de contratos permanentes. Ao abordar en passant aquilo que o BE e o PCP vêm alertando, Centeno dá-lhes razão, embora rematando que nada disso interessa.
Aliás, Centeno sempre foi um defensor do contrato único de trabalho (fim da distinção entre contratos a prazo e sem prazo), o que, apesar de omitido, representaria uma harmonização por baixo de todos os contratos de trabalho. Algo que não está muito longe do que se vive actualmente.
Terceiro, as palavras definem um pensamento. Centeno diferencia-se de Passos Coelho porque é mais bem preparado, mais conhecedor e mais inteligente. Mas a trama de leitura arrisca-se a ser semelhante: a estabilidade das contas orçamentais - ou seja, o Estado - está no cerne dos problemas do país (e não das soluções). Os desequilíbrios orçamentais têm de ser resolvidos à nossa custa e nunca assacando responsabilidades a quem sobretudo as criou - uma deficiente gestão orçamental comunitária, fruto de um modelo monetário desequilibrado e de um ataque errado à crise que levou à intervenção da troica que ainda agravou os problemas.
Ora, todo este quadro de pensamento encerra um programa implícito: é possível ter melhor Estado com menos Estado, omitindo que menos Estado acabará, por força do colapso, por representar pior Estado. Ou aquilo que Marcelo e o CDS insistem em mostrar: "O Estado falhou" (e não "as políticas de austeridade falharam"). Ou seja, é mais uma vez, embora numa dosagem diferente, a velha ideia fenixiana de António Borges que do colapso virá a luz. Um orçamento equilibrado produzirá necessariamente uma economia sã. Porque o Estado faz mal à economia.
Por tudo isto, parece que Centeno já está a discursar para fora. Centeno está a mostrar aquilo que Varoufakis mostrou ser a lógica do actual sistema: ele quer ser um político insider - aqueles que estão no centro da definição das políticas e que têm um trato para nunca denunciar os seus colegas insiders. E ele quer ser um insider, não porque seja um outsider que quer convencer os insiders (como Varoufakis), mas porque ele já pensa como um insider. E quer dizer-lo a quem de direito, aos outros insiders. No fundo, Centeno já cá não está.
E - como era previsível desde que se tornou Ronaldo - está a avisar-nos que vai ser preciso amochar e tornar Portugal num estranho país na costa da Europa onde as pessoas vêm a banhos.
Que poder é este que empodera alguém sem necessidade de legitimação democrática? Que sistema é este que garante que ganham sempre os mesmos e que perdem sempre os mesmos? Que acomodação é esta a esta realidade que já não responde à ansiedade e aos desejos das pessoas?
ResponderEliminarO senhor Ministro das Finanças, se quer que nos relacionemos com as Finanças exclusivamente via internet, deveria pensar em providenciar acesso gratuito e geral à mesma. A reforma do Estado está a sair do meu bolso, pois tenho de pagar uns 70 paus por mês à filha do ex-ditador de Angola para pagar o imposto de Renda. Arre que isto quanto mais melhora, mais piora.
ResponderEliminarQuanto é que nós pagamos por mês para pagar aos banqueiros?
ResponderEliminarNão é preciso ir aos 70 paus deste. É preciso abrir a pestana e ver o que a tralha neoliberal faz
São ladroes profissionais