Tal como Cecília Meireles do CDS tem dificuldades em criticar a estratégia orçamental do Governo, - porque ela assenta na mesma base da austeridade aplicada pelo PSD/CDS, assim a opinião à direita revela o contorcionismo necessário para a criticar sem se auto-inflingir.
Helena Garrido na sua crónica de hoje na Antena 1 tentou dissociar os efeitos da política de austeridade - fruto da contenção da despesa pública, após cumprir os acordos à esquerda - dos efeitos que essa contenção provoca no desempenho do Estado e nos serviços públicos. Se há mais greves do que em 2016, se o Serviço Nacional de Saúde está em pé de guerra, isso deve-se, não à acumulação dos efeitos da aplicação do Tratado Orçamental que Helena Garrido sempre defendeu - não se lembram da sempre recorrente fábula da formiguinha e da cigarra? - mas ao facto de o PCP e a CGTP estarem a partir para a guerra com o PS. Basta o PCP carregar no botão vermelho e o mundo explode...
No observador, acumulam-se também as opiniões a aproveitar-se do mau que se passa no país. Tese: Se a austeridade aplicada por Centeno tem maus resultados nos serviços públicos isso é a prova de que não há milagres: se há aumentos salariais, não é possível ter investimento público. Ou um ou outro. E ninguém se questiona sobre os ditos benefícios do Tratado Orçamental... que foi feito para ser aplicado independentemente de quem está no Governo.
Aliás, Centeno prepara-se para vender precisamente esta tese.
Luís Aguiar Conraria até acha que Centeno "ainda bem que foi previdente" em apertar as contas até 0,92% do PIB porque, assim, a capitalização da CGD não motivou o procedimento por défices excessivos... Mas ao mesmo tempo, diz: "E, se a tese da austeridade expansionista de há uns anos estava completamente errada, também a ideia de que é possível repor salários, baixar impostos e reduzir o défice sem cortar outras verbas importantes é igualmente disparatada."
A mesma ideia subliminar - os trabalhadores do Estado deveriam prescindir dos seus aumentos salariais em prol do investimento público - parece estar na ideia de Luís Reis: "Os hospitais estão em regime de caos controlado; a fiscalização rodoviária não tem carros; os tribunais estão ingeríveis; as estradas têm cada vez mais buracos; os caminhos-de-ferro estão podres; a ponte, ao que parece, está no momento “ai-meu-Deus”; as escolas metem água, os professores estão de greve, o SIRESP ardeu e o Verão vem aí. Mas os velhos – os velhos comunistas que apoiam os socialistas velhos – nada vêem, nada criticam, nada acusam. As preocupações com o bem-estar do povo resumem-se hoje em dia aos velhos sindicatos e aos salários que é preciso subir".
Alexandre Homem-Cristo, um dos escribas vindo do blogue O Insurgente, insurge-se contra a política deste Governo de omissão de dados porque, se o fizesse, ficaria evidente, por exemplo nas Finanças, os efeitos do "espartilho da austeridade de Mário Centeno". Mas não creio que esta defesa acirrada da libertação dos dados - justa, mas que, por acaso, nunca foi feita por exemplo quando a Segurança Social no governo PSD/CDS forneceu dados apenas ao Banco de Portugal que, por sinal, nem os divulga - seja para provar que a austeridade é, por natureza, contrária aos interesses nacionais.
Ora, tanta crítica aos efeitos da austeridade socialista - como se a austeridade PSD/CDS tivesse produzido efeitos positivos, invisíveis presentemente... - parece uma incongruência em si. Ela é fruto de uma estratégia orçamental, prevista no Tratado Orçamental e na estupidez económica que lhe está subjacente desde Maastricht em 1992, que visa o depauperamento do Estado e não a sua melhoria. Essa, sim, é uma quadratura do círculo impossível: reduzir a dívida ao ritmo programado e querer ter serviços públicos de qualidade...
Não são, pois, os salários ou a Geringonça: é o Tratado! E preparem-se para o criticar mais, porque vão morrer mais pessoas, mesmo que a sua defesa venha de Bruxelas pela boca de um ministro português...
«Não são, pois, os salários ou a Geringonça: é o Tratado! »
ResponderEliminarO Tratado limita o acréscimo do endividamento acima dos já alcançados mais de 100% acima do dito Tratado.
Que tratado horroroso!!
Que espartilho aflitivo!!!!
Que rigor excessivo!!!!!!!!
Parece-me um bocadinho exagerado, para não dizer demagógico, chamar assassino a um Tratado. É verdade, a austeridade tem consequências, mas o problema principal, com Euro ou sem Euro, com Tratado ou sem Tratado, continua a ser um endividamento excessivo do Estado e um endividamento excessivo ao Exterior (causas típicas aliás de muitas crises passadas, quando existia moeda própria). O que o Governo atual está a tentar fazer é libertar-nos desse peso com o mínimo de dor possível (contrariamente ao anterior, que se estava mais ou menos nas tintas).
ResponderEliminarE o João Ramos de Almeida até pode dizer que o Euro é responsável em parte por isso e eu concordo, mas o mal está feito e qualquer via alternativa que passe por uma renegociação da divida não se fará sem consequências, leia-se, medidas de austeridade, porque ninguém aceita que lhe deixem de pagar o que deviam sem contrapartidas.
Só vemos contestação, legítima, é certo, mas não vemos ninguém a explanar uma alternativa que explique que para o País alcançar de novo a soberania monetária são precisos sacrifícios que provavelmente irão impedir quais políticas desenvolvimentistas durante uns bons vinte anos, pelo menos. Toda a gente se esquece de dizer que as alternativas têm vantagens e inconvenientes. E é aqui que a discussão naturalmente raia a demagogia.
De qualquer maneira, se o tratado é isso que diz, seja consequente e proponha no mínimo a demissão de Centeno ou no limite a demissão do Governo (o PCP que apresente uma moção de censura).
De outro modo, isto não passa de retórica inconsequente. Fazem-se muitas greves (que ajudam à causa da redução do défice, o que é profundamente irónico, à custa dos utentes, claro, e o Governo agradece e lava as mãos) mas no final, vota-se à mesma o Orçamento...
Gostaria só de relembrar um artigo de Mark Blyth na Foreign Affairs já de 2013 mas em que a critica da austeridade como forma de resolver a crise está muito claramente enunciada.
ResponderEliminarO artigo está sob a forma de pdf para descarga directa:
https://files.foreignaffairs.com/legacy/attachments/PC14_Austerity_Delusion.pdf
"Not every European country can be a Germany and run a surplus; others need to run deficits, just as for someone to save, someone else needs to spend. Unfortunately, Germany was able to design the key institutions of the eu and the eurozone in its own image, creating a strong competition authority and an extremely independent and inflation-obsessed central bank. So in the moment of the Greek crisis, Germany’s particular objection to Keynesianism was translated into the prevailing policy stance for an entire regional economy, with disastrous results. Germany could afford to cut its way to growth, since the sources of its growth lay outside its borders: it is the export champion of the world. But the whole of Europe cannot play that trick, especially as the Asian countries are also running surpluses. As the Financial Times columnist Martin Wolf asked, “Is everybody supposed to run current account surpluses? If so, with whom—Martians?” The ideas that informed the institutional design of the postwar German economy and the eu may work well for Germany, but they work terribly for the continent as a whole, which cannot run a surplus no matter how hard it tries. Once again, composition matters."
Ênfase adicionada nos trechos considerados mais relevantes.
Acrescente-se que para que toda a Europa crie um superávit, o resto do mundo terá inevitávelmente que aceitar ter déficits. O problema coloca-se precisamente na actualidade, com o Sr Trump a tentar colmatar os déficits crónicos da balança comercial americana.
Por isso é só uma questão de tempo. Paciência meus amigos.
Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac, Tic-Tac...
S.T.
Chamar o nome aos bois sempre. E este tratado não é só um boi. É uma manada de bois assassinos.
ResponderEliminarE não deveria já ser tempo de Jaime Santos deixar de tentar coartar( embora o negue) a opinião dos demais, nomeadamente no caso concreto de quem aqui escreve?
Porque motivo pedir, com a base invocada, a demissão de Centeno? E porque carga de água citar uma moção a apresentar pelo PCP, com base no que aqui se escreve?
Nem quem posta tem responsabilidades políticas. Nem JS pode arvorar esta figura de censor-mor, invocando argumentos tolos, saídos das suas lucubrações políticas, como meio de apresentar as suas teses. O homem que apela ao diálogo e às soluções negociadas agora quer impor a sua coerência para pegar fogo à tenda.
É como se se pedisse coerência a JS de deixar de vir a este site e publicar as suas opiniões,com base na discordância com o que os autores dos posts escrevem.
Talvez JS perceba que se discutem ideias e não imfantilidades pseudo-coerentes num processo quase de chantagem birrenta.
Mas JS não se enxerga?
"o problema ... ... continua a ser um endividamento excessivo do Estado e um endividamento excessivo ao Exterior"
ResponderEliminarEu diria antes que é um problema de ignorância e um problema de narrativas.
Ignorância porque somos vítimas de teorias económicas desacreditadas, mas que servem o propósito de domínio neocolonial da Alemanha.
E também um problema de narrativas porque as historietas que a comunicação social vende por toda a Europa são superficiais no mínimo e no limite falsas.
E são estas narrativas falsas que constituem o maior bloqueio a uma evolução para soluções que resolvam de vez o imbróglio do Euro.
Porque uma opinião pública alemã esclarecida acerca dos mecanismos perversos do Euro não aceitaria o miserável papel mercantilista e neocolonialista que o seu governo desempenha.
Até porque isso também tem altos custos para a população mais desfavorecida da Alemanha, a começar pelos landers anexados com a queda do Muro de Berlim.
Sabemos que a existência de uma cultura e identidade comuns são uma das condições sine qua non para se constituir uma zona monetária optima, ou pelo menos funcional.
Neste blogpost, Bill Mitchell demonstra-se como a construção de narrativas falsas pelos media contribui para exacerbar diferenças culturais evidentes e na prática impedir qualquer solução razoável.
"There is no European citizen – cultures and narratives diverge in the Eurozone"
http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=38432
Um excerto:
"Their overall conclusions were that there were “varying narratives” across the four newspapers:
Süddeutsche Zeitung blames everyone else but Germany, the chief suspects being Greece and the ECB; it stresses the need to get back to a perceived status quo of stability and fairness.
Le Monde blames everyone including the French political class, but largely refrains from criticism of European institutions such as the European Commission and the ECB.
La Stampa sees Italy as the victim of unfortunate circumstances, including the EU austeri- ty measures promoted by Germany, and Italy’s own politicians.
El País primarily blames Spain for misconduct during the boom years preceding the crisis.
They suggest that these differences were the result of the “quite different effects” that the crisis had in the respective Member States.
Of note, was that “systemic euro-area issues” were “largely unmentioned” as the “National problems and solutions took centre-stage in national discourses”.
They found that:
A transnational consensus view on the causes and consequences of the euro-area crisis – in other words, a common economic narrative on the risks faced by the euro area – is missing. This impedes the emergence of a common body of public opinion as the basis for a debate around the reform agenda for the euro area as a whole.
One might suggest that this is strong evidence that there is no European culture or awareness beyond the national focus."
Boa leitura
S.T.
Traduzindo:
ResponderEliminar" As suas conclusões globais foram que haviam "narrativas variadas" que percorriam os quatro jornais.
O Süddeutsche Zeitung culpa todos os outros excepto a Alemanha, sendo os principais suspeitos a Grécia e o ECB. Enfatiza a necessidade de se voltar a um status quo percebido como de estabilidade e justiça.
O Le Monde atribui culpas a todos, incluindo à classe politica francesa, mas geralmente abstêm-se de criticar as instituições europeias como a Comissão Europeia e o ECB.
O La Stampa vê Itália como vítima de circunstâncias infelizes, incluindo as medidas de austeridade da EU promovidas pela Alemanha e os próprios politicos italianos.
O El País culpa principalmente Espanha pelo mau comportamento durante os anos de boom que precederam a crise.
(Os autores do estudo N. de T.) sugerem que estas diferenças são o resultado dos "efeitos bastante diferentes que a crise teve nos respectivos Estados Membros.
De notar que "questões sistémicas da Euro Zona" estavam "largamente ausentes" enquanto que "os problemas e soluções nacionais ganhavam destaque nos discursos nacinais".
(Os autores do estudo N. de T.) Descobriram que:
Faltava uma visão de consenso transnacional das causas e consequências da crise da Zona Euro, ou noutras palavras, uma narativa económica comum dos riscos que enfrenta a Zona Euro. Isto impede o emergir de um corpo de opinião comum como base para um debate acerca da agenda de reformas para a Zona Euro como um todo
Pode-se sugerir que isto é uma forte evidência que não existe uma cultura Europeia ou uma consciência para lá do foco nacional. "
Eu acrescentaria que há uma miserável e derrotista "narrativa" em Portugal que visa culpabilizar o país e os seus habitantes por problemas que residem de facto nas falhas de concepção da arquitectura institucional da Zona Euro.
S.T.
Outro excerto do mesmo blogpost que vale a pena destacar:
ResponderEliminarTraduzindo:
"A questão é que para uma moeda comum numa federação de estados separados funcionar efectivamente tem de haver uma forte competência fiscal federal, que seja capaz de transferir gastos liquidos por todo o espaço geográfico abrangido.
Sem uma identificação cultural comum tais transferências gerarariam negatividade.
Mesmo sem essa competência, observámos uma considerável inquietação pública quando se debateu que seriam disponibilizados fundos à Grécia para a salvar da insolvência."
S.T.