Dou valor aos produtos tradicionais portugueses. Não porque considere que o que é nacional é sempre bom, ou que os produtos feitos em Portugal são os melhores do mundo. Ninguém conhece o mundo suficientemente bem para dizer uma coisa dessas.
Valorizo os produtos tradicionais - tapeçaria, olaria, culinária e doçaria, vestuário e calçado, vinhos e licores, joalharia, trabalho em madeira, etc. - porque transportam em si muitos anos de conhecimento acumulado que seria um absurdo desperdiçar.
No entanto, esse valor tende a ser desperdiçado. Não porque os produtos sejam feios, pouco saborosos, pouco saudáveis ou disfuncionais - muitos são o contrário disto. O seu preço não é necessariamente muito mais alto do que os equivalentes "modernos" (quando existem).
As sociedades contemporâneas desperdiçam os produtos tradicionais por muitas outras razões. Desde logo, porque a maioria das pessoas tem pouco tempo para pensar no que compra e para procurar o que quer comprar. Ou quando tem tempo não tem o hábito de consumir com consciência. Gastamos boa parte do nosso dinheiro em espaços comerciais controlados por grandes empresas de distribuição, que preferem comprar produtos estandardizados e em grandes quantidades (o que se presta pouco à produção tradicional) e que investem milhões em publicidade para convencer as pessoas a comprá-los. Empresas que pagam miseravelmente a quem tem pouco poder negocial, como acontece com muitos produtores de bens tradicionais, contribuindo assim para o abandono dessas actividades.
Claro que não são só os produtos tradicionais feitos em Portugal que devem ser valorizados. Simplesmente estes estão mais próximos de nós, temos mais oportunidades para os conhecer e adquirir do que aos de outros países. Como em tantos outros domínios - arquitectura, vestígios de civilizações passadas, livros antigos, música regional, etc. - temos a responsabilidade individual e colectiva de preservar conhecimentos ancestrais que merecem ser preservados, mas que tendem a ser destruídos pela lógica do consumo de massas.
Valorizemos pois os produtos tradicionais portugueses. E como aqui escrevi há quase uma década (para quem o argumento é relevante), não entreguemos à direita o monopólio das tradições.
"...espaços comerciais controlados por grandes empresas de distribuição, que preferem comprar produtos estandardizados e em grandes quantidades..."
ResponderEliminar"...Empresas que pagam miseravelmente a quem tem pouco poder negocial, como acontece com muitos produtores de bens tradicionais..."
E tende a piorar, nos EUA 43% do comércio online passa pela Amazon.
É esta a liberdade que os liberais, neoliberais e anarco-capitalistas dizem que o capitalismo concede ao consumidor?
Quero ver como a Sonae e Jerónimo de Martins vão competir com a monstruosidade global (que não paga impostos e recebe subsídios do estado para instalar os armazéns robotizados) Amazon.
O retalho dos grandes centros comerciais está em queda nos EUA, algumas destas empresas estão praticamente falidas como o caso da Sears, Toys R Us e outras.
'Tradicionais'talvez, portugueses seguramente.
ResponderEliminarMas preço e quantidade andam a par, e a tradição é o pequeno negócio.
E à tradição do pequeno junta-se o tradicional desmerecimento de tudo o que se torna grande.
Desmerecimento e saque
Muito bom
ResponderEliminarSó que para se defender os produtos portugueses tem também que se defender melhores salários, muito melhores salários. Dou-vos um exemplo. Eu tenho uma amiga que veio morar para o Porto para fazer um curso de três anos em Gondomar, para aprender as artes da joalharia/ourivesaria. Segundo ela, a maioria dos alunos foi para aquele curso, não porque tenha especial vocação e esteja a pensar seguir a área, mas porque é um curso como outro qualquer, que dava a equivalência ao 12ºano. Ela pelo contrário é uma aluna de quase 20 valores a tudo, e até participou na Porto Jóia deste ano. Passou meses, nos vários períodos de estágio, sendo mão de obra escrava em diversas empresas, produzindo como qualquer outro trabalhador, muitas vezes sem os devidos equipamentos de proteção individual. Diz-me que os patrões ganham milhões e passeiam-se de Porshe, ao passo que um mestre de oficina (e são precisos muitos anos para chegar lá) não ganha mais que 700 ou 800 euros no máximo. Quem começa, raramente ganha mais do que o salário mínimo, e estamos a falar de uma profissão técnica, não é bem o mesmo que estar a atender clientes numa loja, ou a fazer trocos no supermercado. Ele teria emprego garantido nesta última empresa onde está a estagiar, mas para quê? pergunta-me ela. Para trabalhar para pagar uma casa no Porto e mal ter o que comer? E não ter dinheiro para mais nada?
ResponderEliminarTrabalhar em joalharia é uma arte difícil diz-me ela. É o calor do maçarico, são as pontas dos dedos a sangrar por vezes, são os químicos que se usam e a falta de EPI nas empresas (a patroa chegou ao cúmulo de lhe dizer que ela é hipocondríaca por chamar a atenção que aqueles produtos têm rótulos que avisam para o risco de saúde (cancro, etc). Qual é então o jovem que, no seu juízo perfeito, vai querer seguir uma profissão tradicional, que implica tanto sacrifício, se depois é tão mal paga pelos patrõezinhos espertos que ficam com o dinheiro todo?
«...O seu preço não é necessariamente muito mais alto do que os equivalentes "modernos" (quando existem). »
ResponderEliminarJulgo que reside aí boa parte do problema. É que mesmo com preços "mais altos" dificilmente
se pagam os custos de produção. De forma que, e salvo as excepções que sempre existem, deixaram de se constituir como um mercado para passar a ser um hobby terapéutico de reformados e desempregados que com as eventuais receitas arredondam as reformas, mas não mais que isso.
MRocha
O comentário acima do Geringonço além de correcto levanta uma questão interessante:
ResponderEliminarAs classes possidentes "nacionais" julgam-se frequentemente ao abrigo dos efeitos da concentração empresarial e dos fluxos de dinheiro para o topo. E desta forma não cuidam de que acabarão também elas espoliadas das suas empresas e fortunas. O que se tem passado no sector da banca irá, temo bem, repetir-se noutros sectores. No dos transportes por exemplo já se faz também sentir há algum tempo.
A pertença à UE, em vez de nos proteger e criar a prosperidade que nos tinha sido prometida, pelo contrário retirou-nos os instrumentos de defesa naturais de um país, expondo-nos ainda mais aos predadores globais.
Nunca nenhum país prosperou com uma moeda subreavaliada. E isso também se nota no artesanato, onde somos invadidos por mercadoria barata oriunda de países de mão de obra barata como a Tailândia, Marrocos, Indonésia, India, países andinos, etc.. Basta ir a uma feira de artesanato e abrir os olhinhos.
Reparem como a influência do Euro é perniciosa, não só expondo as indústrias nacionais à concorrência desleal dos países do centro da Europa, mas também embaratecendo importações oriundas de países exteriores à UE.
Também aqui é válida a citação de Mohamed El-Erian:
"Quando uma moeda se valoriza e se mantém forte por algum tempo é como uma batata quente: O que se quer é passá-la a alguém."
S.T.
Caro Ricardo Paes Mamede,
ResponderEliminarBem vindo ao Conservadorismo (no seu caso, de esquerda). Acho que tende a acentuar-se com a idade (é a minha experiência).Um abraço e um bom 2018.
Texto claro e pertinente de Ricardo Paes Mamede, a merecer discussão continuada e aprofundada.
ResponderEliminarO comentário de Konigvs relata bem o que se passa numa enormíssima parte das nossas pequenas e médias empresas, situação que urge corrigir.
Marx falava em “concentração e centralização” do capital.
ResponderEliminarImpressiona ( ou talvez não) é a perpétua tentativa de defesa dos grandes e do seu direito ao saque, invocando até este como argumento panfletário, esclerosado e manhoso
Mas subjacente a esta questão político-ideológica está um perfil. Um perfil replicado quiçá dos capatazes de escravos que apregoavam a grandeza do senhor e cerceavam qualquer direito aos escravos, porque tal constituía um "saque" à riqueza inquestionável do patrão.
Esta posição tem raízes fundas numa concepção do mundo baseada na defesa dos seus privilégios de classe. Não desmerece assim do perfil nem dos seus objectivos. Mas há algo que sobra e que se adivinha como espécie de coluna mestra de quem assim age. É que é desta massa que também são feitos os vendilhões dos povos e das nações. Os vende-pátrias, os mercadejadores sem escrúpulos da cidadania e da dignidade
O produto Português, ao nível do têxtil e calçado é de boa qualidade. A mim também me aborrece as lojas que vendem tudo igual. Mas é sempre difícil perceber aonde estão as lojas que vendem os nossos produtos, às vezes encontro uma ou outra, mas com preços por demais exagerados.
ResponderEliminarOs produtos tradicionais ou artesanais portugueses padecem de vários males que convém ter em conta e se possível corrigir:
ResponderEliminarVisibilidade O artesanato português quase desapareceu do comércio de rua, sendo relegado a quase exclusivamente para feiras regionais. Porquê? Porque as lojas especializadas, sendo de pequena dimensão tinham que colocar margens de comercialização elevadas porque também elas tinham despesas de funcionamento (sobretudo rendas) elevadas.
A visibilidade online tem outro óbice óbvio: O hegemónico Google não tem o menor interesse em promover produtos de pequena produção em detrimento de produtos de grande consumo porque são estes últimos que "pagam".
Estrutura empresarial O artesanato é produzido geralmente em pequenas empresas muitas delas individuais. As obrigações fiscais e exigências burocráticas estão no entanto ao nível de qualquer outra empresa, penalizando proporcionalmente mais o pequeno produtor do que outros empresários. O princípio é simples: Se uma taxa tem o mesmo valor para um produtor individual e para uma empresa de cinco empregados o produtor individual gasta cinco vezes mais tempo e paga proporcionalmente cinco vezes mais.
Fraco Poder de Compra do Mercado Qualquer artesão lhe dirá que as peças que mais vende são as de reduzido valor, tornando as peças mais complexas e de maior valor menos vendáveis e excluindo-as pouco a pouco das vitrines dos artesãos.
Concorrência de Artesanato Importado As feiras de artesanato estão (muitas delas) cheias de artigo importados relativamente mais baratos (em razão de causas já acima expostas) e até mais "exóticos" e "giros".
Desvalorização do Trabalho Manual Um dos efeitos perversos da globalização foi que ao pôr em concorrência produtores em diferentes situações sócio-economicas fez um nivelamento dos preços da mão de obra por baixo. Isto relega os artesãos para os níveis de rentabilidade mais baixos. "Não paga".
Outras razões haverá e não se pretende que isto seja uma enumeração exaustiva, mas tão sómente pôr os leitores a pensar...
S.T.
Só posso estar de acordo, com esta posição. Os produtos tradicionais deveram ter a sua maior valia, e "sabendo" que o 45% do PIB ( não sei se conrresponde à verdade), é turismo, então mao podemos abaixar os abraços! Visto, que não podemos acreditar neste governo do PS do Costa, e mas sua muletas! Claro que o ex-governo do Coelho( Portase Critas, foi um governo de traição nacional! E fico por aqui, porque , posso ser multado ou preeso! Porqué? Porque dizer a verdade (e o que pessamos), não somos aceites por esta sociedade burguesia (com posições muitas das vezes corrupto)!
ResponderEliminarBom Ano Novo!
ResponderEliminare poderemos, quiça, por começar a exigir e, se necessário fôr legislar (obrigar!), aos hiper/supermercados a terem os produtos nacionais nas prateleiras mais baixas e os outros, donde quer que venham, nas prateleiras mais acima...
à tempos soube por um programa da catarina portas que a pasta dentifrica Couto não está nos hipermercados porque estes "cavalheiros" SÓ queriam ficar com a grande percentagem do lucro!!! o empresário recusou a "oferta" e tem à sua "responsabilidade" uma cantina para jovens necessitados e serve uma média de 700 refeições por dia em Gaia!!!!
Ganhou mais uma cliente.....
O principal aliado do consumo massificado de artigos made in China é a indústria burocrática, regulatória e fiscal de Bruxelas e do Terreiro do Paço. Esta é feita para que só a força da grande quantidade a possa vencer. A economia informal, dentro de certos limites, até poderia dar um maior contributo à economia nacional, em valor, emprego e diversidade.
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