terça-feira, 5 de setembro de 2017

Ultra-ultra

Se já se habituara a ouvir falar do regresso das praças de jorna, em que os empregadores tipo contratadores em filmes neorealistas, vinham buscar de madrugada quem achavam que devia trabalhar, esqueça tudo.

Agora - isto é, há uns anos... - há contratos a zero horas. Perfeitamente enquadrados, desde 1996, na legislação britânica. Eles deveriam ser usados para trabalho casual, esporádico, mas o seu uso tem sido abastardado, estandendo-se ao cumprimento de funções permanentes e, dessa forma, encontra-se em expansão, com a cobertura do Partido Conservador. O Labour quer bani-los, até pela perda de receita fiscal - estimada em mais de 6 mil milhões de libras, devido a pagamentos em numerário - mas Theresa May defende-os e mantém-nos.

E, por causa deles e pela primeira vez no Reino Unido, há actualmente trabalhadores em greve no McDonalds, numa paralização coincidente com a realizada nos Estados Unidos e na Bélgica.

A notícia vem debatida no Mediapart. "Com este tipo de contrato, a empresa pode chamar os empregados para trabalhar unicamente quando precisa deles e pagar-lhes apenas segundo as horas de trabalho efectivamente feitas. Além disso, com estes contratos, a empresa não tem qualquer obrigação de dar horas aos assalariados". Mais: o patrão pode informar o assalariado da anulação das suas horas de trabalho no último momento...!

Argumento do lado do patronato. "Os patrões explicam que o assalariado é livre, já que pode recusar uma hora ou duas". Mas "os números oficiais atestam uma outra realidade: Nunca ninguém diz não. A chantagem pelo emprego funciona perfeitamente. 'Não queres trabalhar uma hora ou duas? Ok então não terás contrato'. É assim que tudo se passa no terreno. Não há alguma liberdade para o assalariado!"

E não é por acaso que há greve no McDonalds. É que 90% dos seus assalariados têm este tipo de contrato, aplicando-se já a 2,9% dos activos no Reino Unido (900 mil pessoas em Setembro de 2016, mais 20% do que no ano anterior e 1,7 milhões de contratos firmados, cerca de 6% do total). Os sectores que mais os usam são a restauração (19%), a saúde (13%) e a educação (10%). Com esse tipo de contratos, os trabalhadores ganham uma média de 6 mil libras/ano. Os mais afectados são os jovens e tem pesadas consequências na sua saúde. E não se trata de contratos desejados: 32% dos assalariados com este tipo de contratos afirma que gostaria de trabalhar mais horas, por contraste com a média de 6% no total dos assalariados. 

E, para completar o retrato tipo de quem pratica a fraude fiscal legalizada, a multinacional McDonalds transferiu a sua sede do Reino Unido para a Suíça, fazendo transitar os seus rendimentos de propriedade intelectual - aquela maravilhosa receita de fazer hambúrgueres - através da sua sucursal no Luxemburgo e conseguindo que a taxa de imposto sobre o rendimento passe de 29% para 6%!

Agora somemos este fenómeno à ideia lapidar de que a negociação laboral deve ser feita ao nível da empresa - como defende o Código do Trabalho de Macron ou de Temer ou de Centeno - e temos um caldo social entornado por muitos anos e anos.

15 comentários:

  1. O JRA podia estar a descrever o que se passa em "The Grapes of Wrath"...

    https://youtu.be/fOuAZLA_jWQ

    ...mas descreve a realidade do ano 2017...

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  2. Isto é um vídeo/ propaganda anti-sidicatos do maior retalhista do mundo Walmart que é apresentado aos trabalhadores para os convencer em não fazerem parte de sindicatos.

    https://youtu.be/z_VL4gqrCHc


    Walmart é o maior empregador privado do mundo e recebe biliões de subsídios estatais.
    O facto do Walmart praticar baixos salários obriga os seus trabalhadores a recorrer à ajuda do Estado.

    http://www.msnbc.com/msnbc/walmart-government-subsidies-study#51652


    Hillary Clinton passou pela administração desta empresa.

    Dirigentes desta empresa chamam parasitas aos sindicatos.

    https://youtu.be/If44qfiEU5E


    A família Walton (os maiores accionistas do Walmart) detém uma fortuna de 150$ biliões.

    https://en.wikipedia.org/wiki/Walton_family

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  3. A noção de contrato pressupõe que pelo menos duas entidades acordam alguma coisa.
    As questões que se colocam são:
    - Tem o trabalhador alguma obrigação de estar disponível 'à chamada'?
    - Tem o trabalhador alguma obrigação de subscrever um só contrato?
    - Tem o empregador alguma obrigação de 'mínimo de horas'?

    Se as respostas são negativas, o contrato hora zero equivale a uma empresa dar um trabalhador como qualificado para uma dada tarefa e este declarar-se disponível para a executar, sem definirem quando e quanto tal ocorrerá, acordando provavelmente um valor para esse eventual trabalho.
    A partir daí, não sei qual a legislação nacional aplicável, mas tarefeiro deve ser a designação aplicável.

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  4. A comparação com As vinhas da Ira, já citado aí em cima por Geringonço é imediata.

    Curiosamente (ou não) Jose apressa-se a não dizer nada, a fazer um inventário de merda, qual manga de alpaca patronal a repetir as ordens do futuro paraíso laboral.

    E tem o despudor de até tentar encontrar um suporte legal para a trampa

    Ultra, ultra é o título deste post. Jose pensou que o estavam a convocar?

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  5. Este é o mundo que nos querem oferecer, um mundo feito à exacta medida de quem se arroga o direito de explorar os demais e de lhes sacar o tutano. Por tuta e meia.
    Este é o mundo do Capital que outrora nos tentaram vender como paraíso

    John Maynard Keynes, escrevendo em 1933,precisamente 6 anos antes da saída das "Vinhas da Ira" escrevia isto: "O capitalismo – internacional porém individualista – decadente, em cujas mãos nos encontramos após a guerra, não é um sucesso. Ele não é inteligente, ele não é bonito, ele não é justo, não é virtuoso – e nem mesmo entrega o que promete. Sucintamente, não gostamos dele, e estamos começando a desprezá-lo. Mas quando nos questionamos sobre o que colocar em seu lugar, estamos extremamente perplexos." Até Keynes, havia começado a "desprezar" o capitalismo da época.

    A solução é só uma. Romper com este rumo para a barbárie e construir um outro modelo de sociedade.

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  6. A mitificação do capitalismo começa por uma visão idílica, mitificada, dos "anos de ouro do capitalismo" apregoando o seu "extraordinário sucesso"

    O sistema capitalista é apresentado como tendo permitido a ascensão de classes sociais, produzido mais riqueza, melhoria do nível de vida e direitos. O que esquecem é que tudo isto foi obtido – onde foi – não pelo capitalismo, mas contra o capitalismo, pelo proletariado organizado sindical e politicamente. Porém, o que de positivo e progressista se obteve está, em termos capitalistas, sempre a ser posto em causa, como evidenciam a austeridade, o neoliberalismo, o imperialismo, já não falando dos diversos modelos de fascismo: a ditadura terrorista do grande capital, com ou sem braços esticados.

    Mas onde ficaram então os tais "anos de ouro", aliás para muito poucos.

    Os "anos de ouro", deveram-se às cedências da oligarquia em consequência das lutas dos trabalhadores e do medo pelo contágio face à URSS e à sua aquisição de amplos direitos económicos e sociais.

    Há contudo que reconhecer que o capitalismo soube incutir no comum das pessoas a sedução pelo consumismo. Os EUA tornaram-se assim, para muitos, objeto de admiração acrítica, não entendendo que o que os atrai nos EUA é também um dos maiores defeitos do seu sistema: com 5% da população mundial consome 25% dos recursos mundiais…

    O mito do consumismo tornou-se fonte de realização individualista, uma das bases do carácter alienatório do capitalismo, que Marx descreveu e Eric Fromm desenvolveu neste aspeto em "Ser e Ter".

    A propaganda e o enaltecimento da riqueza e do modo de vida dos ricos, determina modos de pensar acríticos, deixando na sombra mediática as causas da corrupção, do luxo escandaloso, das desigualdades obscenas. Simultaneamente, o sindicalismo de classe é caluniado como reduto de privilegiados e elemento obsoleto e egoísta à custa dos outros trabalhadores – que o sistema deixa sem direitos ou no desemprego"

    (Daniel Vaz de Carvalho)

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  7. E ainda há imbecis da extrema esquerda que me insultam quando eu digo que o neoliberalismo está a ganhar em toda a linha...

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  8. "Imbecis"?
    "De extrema-esquerda"
    Que insultam o Pedro? Assim como se o chamassem de "imbecil"?

    Mas ó Pedro o que se lê aqui é que o mandaram estudar. Isso é um insulto? Isso parece ser uma necessidade básica pelo que se lê no post

    http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2017/08/ideologia-defice-euro-saude-esta-tudo.html

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  9. Recordemos que as férias, as férias pagas, a jornada de 8 horas diárias, o direito à protecção social, o direito à protecção no trabalho, etc, etc etc, resultaram da acção da luta dos trabalhadores. Nada foi concedido de forma gratuita pelo patronato

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  10. Está tudo muito assustado.

    Sempre houve gente nesse registo de trabalho irregular e incerto.
    Mas a probabilidade de aumentar o seu número no futuro põe o pessoal que sempre quis acreditar mas promessas abrilescas muito nervoso.
    Voltar ao registo da responsabilidade e esforço individual será seguramente penoso.

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  11. Tudo muito assustado?

    Mas era o que faltava que o registo dum trafulha moinante tirasse essas conclusões.

    Já percebemos que tentou enquadrar a denúncia do João naquele esquema mental de verdadeiro consultor financeiro a mostrar da necessidade de "produzir" por cá o mesmo esquema.

    E quer mais. E pede por mais. Os"anos de ouro" deram lugar a esta chinfrineira patética e quase senil a pedir por responsabilidade e esforço individual. Penosos, como convém a um ex-seminarista

    A pergunta coloca-se incontinente

    Quando Jose de forma histérica proclamava o seu direito a fugir aos seus deveres fiscais e a defender os seus bordéis tributários estava também num registo penoso de "responsabilidade e esforço individual?

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  12. Promessas abrilescas?

    Esta gostava mais das certezas fascistas.

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  13. Esta tem dedicatória:

    “Somos um país que demora três meses a fazer chegar 15 milhões a Pedrógão Grande mas onde, num instantinho, se põem vários milhares de milhões nas Ilhas Caimão”
    JOÃO QUADROS, JORNAL DE NEGÓCIOS
    8 DE SETEMBRO DE 2017

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  14. Qual a razão de ir buscar o exemplo de Inglaterra, quando temos em Portugal pessoas a recibos verdes? Porque é que o Governo (qualquer um) não tem a coragem de acabar com os recibos verdes?

    Na restauração, onde trabalhei muitos anos nas férias, mesmo já estando empregado após ter acabado o meu curso, apenas uma vez trabalhei com um contrato de um dia com os descontos feitos e tudo certinho. Se trabalhasse com recibos verdes seria obviamente penalizado no final do ano aquando do IRS.

    Andamos todos preocupados a discutir ideologias da Esquerda e da Direita, do Socialismo e do Neoliberalismo, mas o que é certo é que não há políticos capazes de fazer acordos duradouros para o país, onde ponham de lado estas teorias e façam o que é melhor para Portugal.

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  15. A questão apresentada pelo El Trigon é justa. Mas sendo justa não tem em consideração duas coisas fundamentais:

    -Os governos ( qualquer um) são, regra geral, resultantes das escolhas dos eleitores. Infelizmente a maior parte dos nossos governos optaram por políticas que prejudicam o mundo do trabalho. Oscilaram entre a direita pura e dura e um bloco central de interesses manhoso e predador. E sempre a olhar e a beneficiar o lado dos "grandes empresários".

    - Os políticos são representantes de partidos e/ou expressões de variadas ideologias. Pode El Triton não gostar das ideologias, da esquerda ou da direita, do socialismo ou do neoliberalismo. Mas tudo isto é o produto duma realidade que é inquestionável. É que os interesses dos que trabalham são necessariamente diferentes dos que usurpam o produto do trabalho.
    E o que é melhor para Portugal depende da perspectiva em que observarmos. O que é melhor para os donos da EDP não é o que é melhor para os que trabalham na EDP.

    Por exemplo Mexia ganha milhões de euros e quer continuar a ganhá-los. Os que sustentam os proventos de Mexia ganham muitíssimo menos. E trabalhando honestamente vêem-se quantas vezes em palpos de aranha para assegurarem uma vida minimamente digna

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