sexta-feira, 7 de julho de 2017

Conjunturas e estruturas

Se esquecermos a adenda, com intuitos de mera provocação política– “a esquerda antieuropeísta deveria tornar-se convicta apoiante da UE” –, concordo com um ponto de Vital Moreira: a multa da Comissão Europeia à Google confirma o que é a integração supranacional no seu melhor: uma veladora ordoliberal da concorrência de mercado possível, de resto alargada a um número crescente de áreas, um princípio que não tem nada de esquerda, claro. Daí a dizer-se que uma multa de 2,4 mil milhões de euros a uma empresa com uma facturação anual de cerca 89 mil milhões de dólares, em 2016, muda alguma coisa nas dinâmicas de concentração e centralização de capital em curso vai uma grande distância.

Seja como for, a versão alemã do neoliberalismo convocada por Vital Moreira sempre se distinguiu teoricamente da Escola de Chicago, mais relaxada em relação à grande empresa, sempre potencialmente contestada e por isso supostamente obrigada a operar como se estivesse em mercado concorrencial, precisamente pela ideia de que a concorrência tem de ser uma realidade e só pode sê-lo através de uma aturada construção regulatória, o que passa por vigiar alguns comportamentos empresariais. Em ambas as visões neoliberais, os mercados são tudo, diferindo apenas na forma como o comportamento de mercado emerge.

Daí a dizer-se que a Comissão Europeia é um freio e contrapeso relevante, e ainda para mais o único, à acção das grandes empresas multinacionais vai outro um grande passo. Na realidade, a UE tem feito muito para promover as multinacionais, como se vê na banca, tentanto criar um mercado com escala europeia e a partir daí com escala global. É preciso nunca esquecer que a integração europeia é a expressão e o agente político da globalização neoliberal no continente, favorável às tendências de engrandecimento do capital, como se vê na sua apetência para promover acordos de liberalização económica.

Para a esquerda o mais importante sobre a UE é portanto aquilo que ela proíbe ou obstaculiza: acção desenvolvimentista dos Estados, capaz de controlar mercados, de os partir e condicionar através de instrumentos de política industrial, transformando as regras de propriedade em sectores considerados estratégicos e por aí fora. A UE só permite escolhas dentro do paradigma neoliberal.

Este problema afecta reformistas e revolucionários consequentes, para convocar uma caricatura de história política, por quem tem obrigação de se lembrar de mais e de melhor. Na verdade, a articulação política parlamentar e não só das esquerdas, numa conjuntura bem concreta, é fiel à melhor história da experiência das frentes populares. Em Portugal, antes e depois do 25 de Abril, do MUD à ideia da maioria de esquerda, passando pela revolução democrática e nacional, quem melhor pensou sobre estas questões foi revolucionariamente fiel a uma ousada política de alianças. Nada de novo, a não ser o mais importante: a relação de forças concreta e as possibilidades que ofereceu depois das eleições, aproveitada com toda a flexibilidade táctica pelos que sabem bem quais os interesses e os valores de que nunca se desiste, pelos que souberam estar à altura dos seus deveres, parando temporariamente o comboio que rumava em direcção ao abismo.


8 comentários:

  1. O João Rodrigues faz um esforço para decifrar o "pensamento" do Vital Moreira. Pronto, não lhe retiro mérito à tarefa, apesar de a ver antecipadamente condenada ao fracasso. Quando olho para o Vital Moreira (e determinadas pessoa vagueiam pelo espaço, de modo que encalhamos obrigatoriamente nelas) e se isso acontece por acaso em dia que estou mais propenso para a micro-filosofia, dou comigo a pensar no fio da vida daquele personagem e concluo que, face ao estonteante ziguezaguear, poderá bem vir a um caso de estudo, mesmo para além do termo da sua própria vida terrena. Hipotiso-lhe por conseguinte o rosto já sem expressão num frasco de clorofórmio, num qualquer laboratório de anatomia. Ao lado do feto de uma ovelha com três pernas ou de um lagarto que nasceu com duas cabeças. Quer dizer, na estante das bizarrias.

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  2. «acção desenvolvimentista dos Estados, capaz de controlar mercados, de os partir e condicionar através de instrumentos de política industrial, transformando as regras de propriedade em sectores considerados estratégicos e por aí fora.»

    Há muito que não ouvia descrever tão claramente o esforçado trabalho dos camaradas dirigentes. E por aí fora...

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  3. Ainda bem que Jose reconhece o esforço de quem se opõe à acção desenvolvimentista dos Estados.

    E que controle mercados, partindo-os e condicionando-os através de instrumentos de política industrial, transformando as regras de propriedade em sectores considerados estratégicos e por aí fora.

    Na mouche.

    Pelo que um pouco em desespero Jose acabe por ter que assumir que gosta que os Estados não tenham qualquer acção em prol do desenbvolvimento. E que estes sejam controlados pelos mercados e que os mercados atinjam as proporções monopolistas ou oligo-monopolistas que ambiciona ( não é por nada que gostava tanto do capitalismo monopolista de estado do regime fascista)

    Também não gosta que se controle os sectores estratégicos. Gosta que se vendam a quem der mais e sobretudo que se hipoteque a soberania nacional.Costela de vulgar vende-pátrias.

    Descai-se o coitado e assume-se um poucochinho. Mas está irritado. E a tradução da sua irritação está deliciosamente traduzida na invocação dos "camaradas dirigentes". Não lhe cabe na cabeça que os mercados não tenham a concordância de quase todos e tenta esconjurar a contestação bramindo desta forma contra quem ousa perturbar o saque em curso?

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  4. Ahahah
    ( esta é a propósito do comentário das 18 e 39)

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  5. Entretanto, https://causa-nossa.blogspot.pt/2017/07/nao-nao-e-mesma-coisa.html

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  6. Claro que não é a mesma coisa, "sotôr, meu deus". A verdade é que o ordoliberalismo e o neoliberalismo são tão diferentes como são diferentes os cagalhões e a diarreia, pois enquanto no primeiro caso estamos perante merda bem ordenada, no segundo caso estamos perante merda sem qualquer solidez e ordenação. Quem diz o contrário apenas pretende enganar aqueles que pensam que o cheiro a merda nunca se confunde com o cheiro das rosas. Mas ainda bem que o "sotôr, meu deus" existe, pois, através da sua sólida verborreia, mostra-nos como as rosas também podem cheirar a merda, assemelhando-se dessa forma aos cagalhões, mas nunca à diarreia.
    E depois, como o sotôr afirma muito bem, as diferenças essenciais entre o ordoliberalismo e o neoliberalismo consistem, em primeiro lugar, em terem sido cagados por diferentes intestinos grossos e em ânus distintos; em segundo lugar, em resultarem numa caganeira mais ou menos controlada e regulada ou então descontrolada e natural; e em terceiro lugar, no facto já referido de num caso estarmos perante merda amiga do Estado sólido e "ordenada" (com aspas, como o sotor faz bem em indicar), enquanto no outro caso estamos a lidar com merda inimiga e opositora do Estado sólido e desordenada. Enfim, como se pode verificar ordoliberalismo e neoliberalismo não são a mesma coisa: são merdas inconfundiveis, segundo os especialistas na matéria nauseabunda.

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  7. Uma pena que este último comentário não possa ser ofertado em toda a sua dinâmica colorida e força olfactiva ao Vital Moreira

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