A criação de uma União Bancária Europeia servia dois propósitos explícitos: 1) impedir que sejam os Estados a arcar com os custos de bancos em falência, penalizando em alternativa os credores destes últimos (entre eles, os grandes depositantes); 2) quebrar a excessiva proximidade da banca com os diferentes Estados europeus, fonte de instabilidade monetária na zona Euro (um euro num banco alemão está mais seguro e, portanto, vale mais do que um euro num banco grego).
Em Portugal, a União Bancária teve efeitos ainda antes de entrar em vigor. O BANIF foi vendido rapidamente, a preço de saldo, ao Santander por forma a evitar os custos para os depositantes e o Novo Banco aparentemente foi vendido à pressa ao "fundo abutre" Lone Star devido ao calendário imposto pela UE.
Ora, os dois bancos italianos escaparam ao "mecanismo de resolução europeu", já que este não considerou que estes colocassem algum risco sistémico à banca italiana e europeia. Em alternativa, a falência destes bancos foi gerida e financiada pelo Estado Italiano, que se apressou a garantir que depositantes e credores seniores, nomeadamente outros bancos italianos, não seriam atingidos. Ou seja, o Estado Italiano interveio por forma a evitar o risco sistémico, cuja hipotética ausência serviu de subterfúgio para a não intervenção europeia. Confuso, não?
Ao abrir excepções tão flagrantes ao seu funcionamento, a União Bancária parece ter falhado estrondosamente nos seus propósitos. Tudo permanece como dantes? Não. A solução encontrada para estes bancos italianos vai de encontro ao projecto do BCE para a banca europeia: integração da banca regional e nacional em grandes conglomerados europeus. Em Portugal e Espanha (com o Banco Popular) foi o Santander, em Itália é o Intesa Sanpaolo, um grande banco italiano, que irá ficar com os activos de qualidade destes bancos e não terá de arcar com os custos dos seus empréstimos a estes dois bancos.
Finalmente, importa notar que, se o objectivo da União Bancária é criar grandes conglomerados europeus, esta política tem com consequência (ou causa?) um tratamento político diferenciado dos países da zona euro, favorecendo as grandes economias, com bancos de tamanho suficiente para terem um alcance europeu, como agora se testemunhou com o tratamento de excepção dado a Itália.
Adenda: Sobre União Bancária fica aqui a minha intervenção num recente seminário sobre "Integração Financeira na Europa" organizado pelo IDEFF da FDUL.
Uma vergonha
ResponderEliminarEsta é a situação em que nos encontramos. Continuamos a aceitar o domínio dos banqueiros e dos interesses privados de meia dúzia de donos disto tudo?
Interessante intervenção no seminário. Mas o próprio gráfico exibido não parece confirmar a afirmação de que os fluxos interbancários das bancas europeias discriminadas (alemã, francesa, britânica) para a banca portuguesa se mantiveram em 2008 e só tiveram uma grande quebra em 2010.
ResponderEliminarSe bem consigo ver, ampliando o vídeo para todo o écran, no caso dos ativos da banca francesa, a que possuía mais ativos junto da banca nacional, o máximo é claramente em 2008, dando-se seguidamente um nítido declínio. No caso dos bancos alemães há um máximo local, ultrapassado mais de um ano depois; no caso dos britânicos, basicamente um máximo sem declínio posterior. Mas 2008 é, em geral, claramente um ano de viragem, senão de máximos, pelo menos de pontos de inflexão.
Mas o gráfico merece mais alguns comentários.
Primeiro trata-se de uma contabilização não consolidada dos ativos. Julgo que, apesar de tudo, seria mais relevante um balanço consolidado (numa ótica de risco de última instância), que talvez realçasse mais 2008 como o ano de viragem (é apenas uma hipótese, teria que confirmar nos dados).
Segundo, seria mais relevante, e acho que possível, com os dados do BIS, incluir os ativos em Portugal da banca estrangeira de todos, ou quase todos, os países da zona euro e da União Europeia. Julgo que estes dados mais abrangentes realçariam, mesmo para Portugal, 2008 como o ano de viragem.
Terceiro, visto que a discussão é europeia e não estritamente nacional, valeria a pena fazer o mesmo exercício, balanço dos ativos (consolidados, numa base de risco de última instância) da banca estrangeira em relação às bancas nacionais, para o conjunto da zona euro e da UE. Mais uma vez, julgo que se salientaria o ano de 2008.
Quarto, e mais importante, trata-se de stocks de ativos e não de fluxos. Se os stocks atingem o ponto máximo, ou estacionam, ou progridem mais lentamente, os fluxos deverão ter diminuído.
Penso que um quadro mais abrangente anteciparia a datação do momento de reversão dos fluxos financeiros e desmentiria a afirmação, a meu ver excessiva, e provavelmente errada, de que em plena crise financeira os fluxos de crédito se mantêm (igualmente evidente noutro tipo de fluxos financeiros, como os de derivados financeiros).
Seja como for, o momento exato, sendo importante, não é crucial, visto que a “crise das dívidas soberanas” de 2010 mais não é do que o prolongamento, uma sequela, da grande crise, financeira e económica, que irrompeu em 2007/08, que atingiu duramente Portugal e a Europa em 2008 e de que, a bem dizer, ainda não saímos.