Na sua crítica ao utilitarismo, essa filosofia espontânea da economia convencional, Amartya Sen, Prémio «em memória de Alfred Nobel» de Economia, chamou a atenção para o fenómeno das preferências adaptativas, ignorado por uma abordagem de avaliação social, centrada no somatório das preferências individuais: «As pessoas carenciadas tendem a acomodar-se às suas privações por causa da mera necessidade de sobrevivência e podem, como resultado, não ter a coragem de exigir qualquer mudança radical e ajustar mesmo os seus desejos e expectativas ao que, sem ambições, vêem como alcançável».
As preferências adaptativas, indissociáveis das relações de poder, estão presentes nas áreas e escalas que constituem a economia política. Por exemplo, no campo da economia política internacional, a acomodação desta periferia às privações geradas pelas estruturas da integração europeia, o ajustamento das expectativas e dos desejos políticos há muito tempo em curso no nosso país, seriam uma expressão colectiva do fenómeno das preferências adaptativas.
A solução governativa apoiada pelas esquerdas pode acelerar, travar ou mesmo reverter este processo. O que é que esta solução política já fez por nós? Convocando Walter Benjamim, ela fez o que tem de ser feito em tempos trágicos: usou o travão de emergência, parando temporariamente o comboio da história nacional que se dirigia ao abismo. Não é pouco, mas o comboio nunca pára muito tempo: ou construímos outra linha, sem destino traçado, e para isso os instrumentos de política escasseiam e têm de ser forjados contra a integração europeia que nos condena, ou a marcha anterior prosseguirá com destino certo.
Excertos de um artigo do ano passado. Treslendo agora os documentos governamentais para Bruxelas ver, o da estabilidade e o das reformas, e assumindo que são para ser levados a sério, é caso para dizer que a marcha anterior prossegue, apenas mais lentamente, para o mesmo destino certo.
Entretanto, o risco de adaptação regressiva das preferências política aumenta, com demasiados intelectuais públicos ditos de esquerda tentados a achar que é de esquerda a política orçamental destinada a servir os credores, a aceitação do essencial das reformas da troika e do seu governo, por exemplo na crucial área do trabalho, ou a enésima aposta na economia da oferta associada à zumbi Agenda de Lisboa (e já nem se fala do que está em curso na banca). Sim, estou pessimista.
Só não estou mais pessimista por três razões. Em primeiro lugar, as direcções políticas à esquerda têm estado, cada uma à sua maneira, à altura das difíceis circunstâncias, com nervos de aço e consciência dos riscos e das ameaças que vêm da UE. Em segundo lugar, existem, aqui e ali, sinais de mobilização social contestatária, bem necessários para contrariar a tal adaptação, começando a pressionar por baixo um governo demasiado pressionado pelas estruturas euro-liberais lá de cima e pelos neoliberais lá de dentro. Em terceiro lugar, as consequências eleitorais a prazo da fidelidade social-democrata a um Euro feito para a destruir estão à vista lá fora.
Recusar a adaptação
ResponderEliminarAo escurecer, estávamos a preparar o “esquema” para fazer parar o trafego ferroviário entre P.Novo/Barreiro/P.Novo – Cortámos as comunicações telefónicas entre estações – objetivo: fazer parar secções inteiras das fábricas CUF e oficinas da C P do Barreiro, já la´ vão 60 anos (tinha então 18 anos). Quando, sem se fazer esperar passa um Comboio de mercadorias. O meu camarada António, “alentejano de cepa pura“, abre-se com esta: Olha se o comboio vem atravessado an?
Já nesse tempo, que não tinha tempo - Recusar a adaptação era uma das Bandeiras da Esquerda. Só quero afirmar que o corte de comunicações ferroviárias foi um êxito, nessa noite e madrugada seguinte a GNR, PIDE, Eng.s e Chefes de turno não sabiam como gerir a coisa… de Adelino Silva
Servir os credores... E como tenciona a Esquerda deixar de os servir? Já sei, renegociando a dívida e saindo do Euro, o que acaba por ser mais uma forma de fazer o abate dessa dívida. E a seguir? Vai o País viver dentro das possibilidades de um acesso reduzido ou mesmo inexistente aos mercados? É que olhando para as estratégias económicas que são propostas por essa mesma Esquerda, não parece. Não se pode, João Rodrigues, querer sol na eira e chuva no nabal. Por isso, eu também estou pessimista. Até simpatizo com a ideia de que onde há uma vontade há um caminho, mas não suporto a demagogia daqueles que prometem a Lua quando deveriam prometer suor e lágrimas com um objetivo, mas não revelam sequer a coragem para tal. Nesse aspeto, são políticos como os outros. Bem vistas as coisas, as preferências adaptativas são racionais. As mudanças 'radicais' normalmente dão asneira, como um sem número de exemplos históricos mostra, a começar em 1789 e passando por 1917, nesses casos com muito sangue à mistura. Mas olhe só para o que está a acontecer na Venezuela. É isso que nos quer oferecer? Prefiro a adaptação...
ResponderEliminarE, já agora, importa lembrar que ser-se crítico do Euro ou mesmo considerar que foi um erro um País juntar-se a ele não é o mesmo que defender uma saída, sobretudo nas condições presentes: http://www.lemonde.fr/idees/article/2017/04/18/25-nobel-d-economie-denoncent-les-programmes-anti-europeens_5112711_3232.html. De novo, faltam à Esquerda da Esquerda, duas coisas. Temperança, que nunca teve e tecnocracia que se recusa a aprender, porque os princípios e a Ideologia chegam...
ResponderEliminarAs razões de menor pessimismo do autor são exactamente aquelas que traduzem as condições objectivas de manutenção das preferências adaptaativas.
ResponderEliminarO fim de uma esquerda radical, tornada serventuária do poder.
Uma reivindicação temperada por tal acomodação de uma esquerda, cuja 'moderação' significa limitar-se a manter clientelas.
Uma saída do Euro garantirá a adaptação sem cuidar de qualquer preferência!
Sabendo nós, que as Direcções das estruturas representativas, persistem em tornar como inevitável, a sua prerrogativa na Decisão, facilmente se constata o papel crucial que,
ResponderEliminaros "representantes" desempenham na prossecução da fatalidade, do" fenómeno das preferências adaptativas ".
O "travão de emergência", funciona para o lado... da "coisa"!
É de lamentar mas, na podre democracia representativa, só através de "exemplares únicos" - Trumps e similares! - poderá surgir uma OUTRA LINHA DE COMBOIO.
“As mudanças 'radicais' normalmente dão asneira, como um sem número de exemplos históricos mostra, a começar em 1789 e passando por 1917, nesses casos com muito sangue à mistura. Mas olhe só para o que está a acontecer na Venezuela. É isso que nos quer oferecer? Prefiro a adaptação”.
ResponderEliminarRevolução Francesa de 1789 foi derrotada e afogada em sangue pela soldadesca prussiana a pedido dos senhores dos aneis. Já a Revolução Russa de 1917 também sangrenta, sofreu a invasão de 14 potências ocidentais, saiu vencedora. Quanto a´ Venezuela com a lVª esquadra estadunidense de prevenção e uma guerra económica que já ninguém desmente, a Revolução Bolivariana ainda mexe.
A Revolução tem de por em causa o Status Quo, a Modorra em que a nação vai caindo, quando assim não for, não e´ revolução.
Lembro aqui a “democrática revolução chilena” de Salvador Allende, também ela banhada em sangue pelos algozes de sempre. Há muito tempo que esta´ em aberto a dicotomia revolução - democrática e ou violenta. Há que pensar nisso!
de Adelino Sílva
Olharapo José:
ResponderEliminarVai-te tratar.
Não tens a noção do ridículo permanente em que labutas, pois não?
Um grande post que põe alguns à beira dum ataque de nervos.
ResponderEliminarDesde a "temperança" (para os outros,claro), adaptação e clientelas. Tudo serve. Mas algum destrambelhamento passa por aí
Um tal jose debita coisas.
ResponderEliminarDebita porque infelizmente a clareza passa-lhe ao lado. Provavelmente fá-lo de propósito porque lhe interessa não assumir o que é. Longe vão os tempos em que do alto da pesporrência da governança de Passos Coelho prometia cacete e bordoada. Não vale a pena repetir agora as suas expressões ipsis verbis.
Esta frase: "traduzem as condições objectivas de manutenção das preferências adaptaativas".
Por outras palavras o que quererá este fulano dizer é:
As preferências adaptativas são função dos intereses de classe dos gordos e néscios senhores do poder económico?
Jaime Santos range os dentes contra a Revolução Francesa.
ResponderEliminarHá dias este mesmo Jaime Santos beatificava as leis da burguesia...precisamente a classe que saiu triunfante da grande revolução francesa.
Jaime Santos duma assentada mostra que estava do lado da aristocracia? Ao lado da fome e da miséria na França dos Luíses? Quereria pedir ao absolutismo autorização para o fim desse mundo criminoso, autoritário, predador e de classe, em que uns se arrogavam a ter tudo pela herança de sangue azul?
Mas JS mostra infelizmente que é afinal também um hipócrita. A Revolução Francesa abriu as portas a um mundo novo. Só quererá aproveitar os proventos desta, de acordo com os seus interesses de momento?
Também Jaime santos citava Miguel de Unamuno.
ResponderEliminarInfelizmente a postura ética deste filosofo está nos antípodas de quem o cita como quem faz um anúncio a um detergente.
Escreverá Unamuno:
"Quem não sente a ânsia de ser mais, não chegará a ser nada".
A "ânsia de ser mais" é convertida por JS numa subserviente e reles apologia da adaptação ao poder e à manutenção das estruturas deste. Tendo em vista a aceitação da exploração de quem trabalha e a concentração da riqueza em quem já a tem
Não é suportável a demagogia daqueles que prometem suor e lágrimas com um objetivo, mas não revelam sequer a coragem para tal. Nesse aspeto, são políticos como os outros. Bem vistas as coisas, as preferências adaptativas são racionais. Para quem tem acaba por defender este status quo
Mas continuemos com Unamuno e vejamos como sem o querer, Jaime santos se vê retratado tão bem pelo grande espanhol:
ResponderEliminar"Todos têm o seu método tal como todos têm a sua loucura; mas só consideramos sensato aquele cuja loucura coincide com a da maioria"
Eis a imnagem de Jaime Santos. Traduzida em cada palavra, em cada escrito que produz quotidianamente por aqui
Herr jose faz o enterro duma esquerda dita radical
ResponderEliminarDuas notas:
-A classificação de "radical" tem destas coisas. Para os extremistas conotados à extrema-direita e para os bem pensantes da direita tout-court isto vai dos comunistas e dos anarquistas até à social-democracia do Syriza. Radical é tudo o que não lhes sirva os seus interesses de classe. E herr jose, como serventuário da sua classe, cumpre religiosamente tal mandamento
- O fim da dita esquerda pode fornecer a herr jose material para os seus sonhos húmidos ou lenha para a sua propaganda destemperada.
Infelizmente para ele, o rato tem uma cauda que o denuncia a léguas. As suas "preferências adaptativas" foram-no já confirmadas pelo próprio, assumindo-se como defensor dos bordéis tributários e das adaptações laborais de um patronato ignorante, medíocre, inculto, caceteiro e trauliteiro.
O mais do resto é o incómodo patente pelas razões de menor pessimismo invocadas pelo João Rodrigues. E por isso se denuncia mais o seu esparvoado receio de que a esquerda esteja viva e bem combativa.
Que diabo, porque motivo passa os dias aqui ( e por aí) a vegetar?
A filosofia espontânea da economia: utilitarismo? Infelizmente a sequência não foi esta. O utilitarismo surgiu na filosofia moral e foi aproveitado pela Economia! Não foi "geração espontânea" dentro da Economia!Realmente a Felicidade, o motor do utilitarismo, é o desiderato axial do Homem, inscrita inclusivé em numerosas constituições nacionais! Apesar de toda a consideração por Amartya Sen, essa sua tese, das preferências adaptativas, pelo menos como apresentada pelo autor deste post não colhe. O neoliberalismo está a ser aplicado, pelo menos desde a década de 1980, ao Mundo Ocidental, e ao contrário da putativa tese de Amartya Sen, a felicidade nestes países está em queda!Veja-se por exemplo Richard Layard nas, Lionel Robbins Memorial Lectures 2002/3, HAPPINESS: HAS SOCIAL SCIENCE A CLUE?, da LSE, disponível em: http://cep.lse.ac.uk/events/lectures/layard/RL030303.pdf
ResponderEliminarÉ que a tese do autor esconde muita coisa... Não nos podemos esquecer do tardio Jeremy Bentham, pai do autêntico Utilitarismo, defendendo activamente a Democracia, como a melhor forma de apurar o que faz a felicidade das pessoas. De outra forma seria impossível de saber, por qualquer mente iluminada e benevolente (e imbuída de poder.