terça-feira, 25 de abril de 2017

França: os extremos tocam-se?


Os resultados das eleições em França deram o mote para mais uma maré de comentário muito esclarecido sobre os "populismos" e as habituais conversas sobre como os "extremos se tocam". De acordo com a teoria, Marine LePen iria buscar votos para a segunda volta sobretudo ao terreno de Mélenchon. Assim, ficaria provado que a principal fronteira da política do nosso tempo não é a esquerda e a direita, não é o conteúdo concreto das políticas económicas e sociais, mas sim a adesão ou resistência à União Europeia.

Essa teoria tem sido defendida por comentadores que vão da direita ultra-liberal, passando pela direita do PS, com Francisco Assis, ao Euro-entusiasmo de Rui Tavares. E tem tido, claro, tempo de antena ilimitado na comunicação social, ao ponto de se tornar um facto. A nova fronteira de combate passaria, portanto, a ser entre os apoiantes de uma União Europeia ultra-liberal e irreformável e uma amálgama de “populistas” indistintos, para a qual concorreriam a extrema-direita e a esquerda euro-céptica.

Só há um problema: a realidade. De acordo com a sondagem realizada no dia das eleições (aqui), apenas 9% dos eleitores do Mélenchon tencionam votar em Marine Le Pen. Só os eleitores de Hamon apresentam uma percentagem inferior (4%). Pelo contrário, a esmagadora maioria dos votos que Le Pen irá obter na segunda volta (quase 3 em cada 4), de acordo com a sondagem, provirá do eleitorado do candidato ultra-liberal Fillon. Ou seja, na segunda volta, os eleitores que vão fugir para a extrema-direita virão da… direita. Lá se foi a teoria.

Convém ainda ter em conta três aspectos:

1. A sondagem foi realizada no dia 23, a partir das 20h15m. Ao contrário de Fillon e Hâmon, Mélenchon não apelou a um sentido de voto na segunda volta no dia das eleições, remetendo essa decisão para uma consulta aos seus apoiantes. Melenchon parece achar que esse método beneficiará a mobilização do seu eleitorado. Pode-se concordar ou não com essa estratégia mas uma coisa é certa: quando Mélenchon apelar ao voto em Macron, a proporção de votos em Le Pen só poderá piorar.

2. Mesmo em relação aos 9% de eleitores de Mélenchon que afirmam querer votar em Le Pen, é altamente discutível que a razão principal seja a União Europeia. Convém não esquecer  que a ascensão de Le Pen coincidiu com a introdução de um discurso sobre direitos sociais e até do trabalho. Na própria noite eleitoral, Marine Le Pen apresentou-se à segunda volta como a “candidata do povo”. A sondagem não nos dá conta das motivações por detrás das transferências de voto mas parece muito mais plausível que algum eleitorado popular de Mélenchon se sinta atraído pelo discurso social de Le Pen do que propriamente pela atitude em relação à União Europeia.

3. Não deixam de ser curiosos todos os apelos que surgiram à esquerda para uma aliança entre Hamon e Melenchon. Assim como não deixa de ser curiosa a garantia de Hamon de que apoiaria Melenchon numa segunda volta. É que um é euro-entusiasta e o outro euro-céptico. Mas, pelos vistos, ambos concordam que a divisão fundamental reside na política económica e social.

Com o fascismo não se brinca. Melenchon apoiará Macron na segunda volta. Mas manifestará as maiores reservas em relação ao que vem aí, exatamente como fez Hamon. Espero que quem hoje não consegue conter o seu entusiasmo com o europeísmo de Macron, preste muita atenção e esteja disponível para responder pelo que ele irá fazer pela vida concreta e pelos direitos das pessoas.

Afinal, aquilo que está, ou devia estar em causa quando falamos de política. Uma dica: não vai ser bonito.

Estudo completo aqui.

2 comentários:

  1. O Daniel Oliveira já tinha notado tal coisa no último fim de semana no Expresso. O facto de os votantes de Le Pen e de Mélenchon serem provenientes dos mesmos estratos sócio-económicos não implica de todo que os votos de um sejam transferíveis para o outro. Agora, perdoe-me a franqueza, mas tudo o que se disser para justificar a má vontade de Mélenchon em apoiar Macron sem condições são racionalizações e taticismos tolos. O único candidato republicano na liça é Macron. Do outra lado está uma filo-fascista, xenófoba, revisionista do Holocausto e dos crimes coloniais da França. É mesmo preciso ir consultar a militância para saber em quem votar? Olhe que os comunistas franceses, a julgar pela capa do L'Humanité, sabem bem quem é o inimigo (Le Pen) e quem é o adversário (Macron)...

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  2. Alegrar-se por este resultado em França só mesmo de malta que nos quer enganar.
    Os jornais do regime embandeiram em arco con o resultado das eleições.
    Vêem a continuação do garrote e do chicote. Do direito do mais forte à liberdade.

    Todos nós já sabemos o resultado. Mais força à extrema-direita. Coisa que os neoliberais não se importam para o caso de falharem os seus planos

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