A notícia de uma descida do défice mais acentuada do que a esperada voltou a evidenciar o grave problema de saúde pública que há anos afeta parte significativa da opinião publicada em Portugal: Suábia. Uma doença que começou por atingir a classe dominante alemã e que alastrou rapidamente, sobretudo a partir de 2010, contaminando a quase totalidade da direita europeia e a parcela da social democracia que se rendeu ao social-liberalismo. O quadro clínico é invariante: aversão extrema a défices públicos; aversão esta que assenta na crença errada, segundo a qual as finanças públicas são comparáveis às finanças dos agregados familiares e, assim sendo, o Estado deve agir economicamente emulando as decisões das famílias, ou seja, procurando sempre, sempre, sempre, equilibrar os seus orçamentos, o que significa défice zero ou superávite.
Ricardo Paes Mamede já veio tentar proporcionar algum alívio a estes pacientes, explicando o que devia ser claro para todos os que escrevem sobre assuntos de macroeconomia: um défice no orçamento do Estado pode, ou não, resultar em maior endividamento público. Sendo uma ideia algo contraintuitiva é, comprovadamente, um remédio eficaz no combate a esta doença.
Mas quem padece de Suábia não é facilmente persuadido a tomar a medicação. O remédio cujo princípio ativo é a elementar aritmética parece não lhes atrair a atenção; aos medicamentes mais facilmente disponíveis, baseados no Keynesianismo, são alérgicos. Dois
entraves fatais a uma recuperação rápida. A uma recuperação lenta, também, acrescente-se.
Com uma dose mínima de aritmética poderiam colocar a maleita em guarda percebendo que o défice orçamental não é único factor que afecta o rácio dívida PIB. A taxa de juro, a taxa de inflação e a taxa de crescimento real, tudo conta. Poderiam então concluir quão pernicioso é o mito de um orçamento equilibrado. E, havendo vontade, os mais avessos aos números não teriam sequer dificuldade em encontrar um manual detalhado e explicativo.
Vencida a alergia, com Keynes (um só xarope mas em dois goles), poderiam debelar o que restasse da doença: primeiro, atacavam-na com a ideia que o necessário é olhar pelo emprego e que, uma vez esta questão resolvida, o equilíbrio orçamental olharia por si próprio; depois, uma cristalina estocada final: “[U]ma economia não é como um agregado familiar. Uma família pode decidir gastar menos e tentar ganhar mais. Mas numa economia como um todo, gastar e ganhar vão a par e passo: a minha despesa é o teu rendimento; a tua despesa é o meu rendimento. Se todos tentarem ao mesmo tempo cortar na despesa, o rendimento cairá e o desemprego disparará”.
Vencida a alergia, aqueles que melhor suportam óleo de fígado de bacalhau, perdão, esse radical do Krugman, poderiam ainda prevenir novas infecções, entendendo que as finanças públicas também não são comparáveis às finanças empresariais. A este nível, este livrinho, de apenas 50 páginas e formato A5, pode, de facto, ter efeitos profiláticos. Senão vejamos apenas dois exemplos:
Se um doente de Suábia também padecer, como é habitual, da ideia que as exportações são a solução para todo o sempre, de todos os problemas, de toda a gente, tem aqui uns comprimidos inventados quando se inventou a finitude do planeta (págs. 39-40): “um empresário olha para os empregos diretamente criados pelas exportações e vê-os como a parte mais importante da história. (...) O que o economista vê, contudo, é que o emprego é um sistema fechado: trabalhadores que ganham empregos em resultado do aumento das exportações (...) têm de os obter à custa de alguém”.
De igual modo, aqueles pacientes que tendem a bradar por mais investimento estrangeiro enquanto, simultaneamente, clamam contra o endividamento externo, podem beneficiar enormemente desta mezinha (pág. 40): “(...) o empresário olha para os efeitos diretos do investimento estrangeiro na competição dentro de uma determinada indústria; os efeitos dos fluxos de capital nas taxas de câmbio, preços e por aí fora não lhe parecem particularmente fidedignos ou importantes. O economista sabe, contudo, que a balança de pagamentos é um sistema fechado: a entrada de capitais é sempre acompanhada por um défice comercial e, consequentemente, qualquer aumento naquela entrada de capitais tem de resultar num aumento do défice”.
Contudo, calhando, uma população que parece a alguns de nós atingida por uma doença, padece, afinal e apenas, de ignorância. “Mas a ignorância obstinada”, como se aprende com Kalecki, “é habitualmente uma manifestação de ocultas motivações políticas”.
Se assim for, como parece ser o caso, os remédios têm de ser outros.
Estamos perante uma direita económica e política que, com pouquíssimas exceções, detém um espaço hegemónico na opinião publicada para, surfando a crise, defender um programa político de um extremismo sem precedentes: o programa de uma sociedade incrustada na economia e de uma economia absolutamente mercantil onde o controle democrático efetivo e a provisão pública não assistencial estão, por design, ausentes.
Se esta direita talibanizada tenta entreter-nos com discussões sem qualquer sentido macro-económico enquanto atira para debaixo do tapete a discussão que realmente interessa, o que nos compete é fazer o contrário. Disputar a hegemonia da narrativa dominante usando meios de comunicação alternativos para construir alternativas progressistas. Pensar e agir coletivamente com o objetivo de superar os espartilhos políticos e institucionais que nos impedem de fazer a política necessária em tempo de crise económica, ou seja, uma
política orçamental contra cíclica, apoiada por uma política monetária e cambial autónoma, que permita aumentar a despesa pública para combater a estagnação e o desemprego, e que procure, simultaneamente, que a compatibilização dos necessários equilíbrios interno e externo não seja suportada exclusivamente por trabalhadores e pensionistas. É uma tarefa hercúlea, como se sabe. Que se
agiganta com o correr do tempo.
1- Orçamento de 2016 com 130% do PIB em dívida pública = mais de 8 mil Milhões de € só para pagar juros.
ResponderEliminar2- Orçamento de 2016 com 0% do PIB em dívida pública = mais de 8 mil Milhões de € gastos em investimento, saúde, educação, etc, e ainda sobrava o dinheiro equivalente ao superávit primário.
Chega-se à 1ª situação insistindo no erro de ter défices acima do que o crescimento permite, entrando numa espiral de endividamento estrutural da qual é dificílimo sair.
Chega-se à 2ª situação mantendo durante vários anos um défice zero (ou próximo disso) de forma a reduzir o endividamento e como tal reduzindo de ano para ano o que se DESPERDIÇA no pagamento de juros.
Estando o país na 1ª situação, em caso de choque externo, ou entra em default e deixa de pagar os compromissos, ou tem de pedir ajuda, mendigar, e rezar para que o que se exige em troca não doa demasiado.
Estando o país na 2ª situação, em caso de choque externo, pode sempre aumentar temporariamente o défice para fazer face à crise, e rapidamente volta a entrar nos eixos, pagando essa dívida com o crescimento dos anos seguintes, até voltar ao défice e à dívida ZERO.
Tanto a esquerda (amante do défice, ignorando a parte do Keynesianismo que diz que em tempos de vacas gordas são quando devemos ajustar o défice e pagar a dívida que se criou anteriormente) como a direita (amante da austeridade, custe o que custar, como forma de aplicar o neoliberalismo), deviam parar para pensar e perceber que estão ambos errados, mas que lá pelo meio é onde está a solução desta discussão.
Tanta clareza para promover a virtuosa aritmética do défice e tão pouco esforço para dizer aos talibãs e mais grunhos que povoam o país, intoxicados que estão por «uma direita económica e política que, com pouquíssimas exceções, detém um espaço hegemónico na opinião publicada» o que importa evitar para levar com outra bancarrota em cima.
ResponderEliminarHá 40 anos com défices 'virtuosos' o resultado está à vista para todos os não confortados pelas mamas do Estado.
Um texto importante que tenta lutar contra os talibans da horda neoliberal.
ResponderEliminarUma tarefa hercúlea, como se compreende já que os media estão nas mãos da dita horda e os seus sequazes fazem o seu mister.
Mas não impossível.
Ao contrário do que Jorge diz, a virtude não está no meio. A virtude está pelo contrário no enfrentar dos problemas com coragem. De frente e de caras. Assumindo que o problema está, não no défice mas sim na dívida que não é pagável. Ferreira Leite já o admitiu. Ontem foi conhecido que o próprio FMI já diz o mesmo.
E é a partir desta situação que se devem começar a levantar as barricadas. Porque os talibans são-no em toda a sua extensão. E actuam como bárbaros trogloditas e caceteiros à espera do assalto ao mundo do trabalho
O texto confuso de Jorge é o que é.
ResponderEliminarMas essa de insinuar que estamos em "tempo de vacas gordas"...só mesmo de alguém que vive numa bolha completamente desfasada da realidade
Quase ambiciono a saída do euro para ver as contas a fazerem-se dia-a-dia e não nos períodos alargados entre vénias a Bruxelas!
ResponderEliminarHerr jose assume-se como grunho, termo que não se encontra no post.
ResponderEliminarHerr jose assume-se como taliban.
Quem somos nós para contrariar o verdadeiro pulsar desta alma inquieta e que leva a inquietação até um comportamento que se assemelha ao de Paulo Portas. Até no uso das "mamas" e da forma como o faz
Mas herr jose, patrão e perito, pago pelos patrões cuja mediocridade é amplamente reconhecida, avança com uma atoarda forte:
Bancarrota em cima.
Bancarrota mesmo?
ResponderEliminarÉ um "perito"assim do Capital que assim fala?
” Basta recordar que o mesmo país que estava a semanas da bancarrota ( o alarido que os crápulas fizeram com esta ameaça) foi capaz de esperar meses pela primeira transferência vinda da “troika” internacional, e que sobreviveu sem ruptura das contas públicas, pagando não apenas salários e pensões como as rendas pornográficas das PPP ou os juros agiotas a que já se encontrava submetido. A esfarrapada desculpa da bancarrota é uma mentira tão mentirosa como a promessa de Passos Coelho de não mexer nos subsídios.”.
Há mais . Fica para mais tarde.
Mas retenha-se o tom avinagrado de herr jose pelos anos pós Abril. Anos pós-Abril que ainda por cima foram governados em grande parte pela direita de que o texto fala.
Ou seja, herr jose tem saudades.Do tempo da outra senhora. Não perdoará ter sido apanhado com as calças na mão
Pois parece que o jose tem uma ambição...quase mesmo uma pieguice.
ResponderEliminarO que não se percebe bem é essa das vénias a Bruxelas
Vénias? Jose vossemecê não faz vénias. Vossemecê assume-se como de Bruxelas. Vossemecê lambe as botas a Bruxelas (e aos credores e agiotas). Vossemecê é o próprio movimento de alguém que, de patrioteiro e colonialista em tempos idos ,se converteu na própria graxa do alemão.
"Vénias" Jose?
Mais ainda? A sua coluna vertebral aguenta uma posição tão rasteira?
Os confortados pelas mamas do estado são precisamente aqueles que verdadeiramente entraram em bancarrota. Os banqueiros e os seus bancos que depois tivemos que ser nós a pagar
ResponderEliminarEstranha-se que esta informação não seja do conhecimento geral
Mas há mais confortados pelas mamas do estado. Desde Dias loureiro até aos sujeitos dos offshores que ficaram esquecidos no fundo da gaveta do Núncio.
E o Zeinal Bava, condecorado por Cavaco Silva.
E a Maria Luís Albuquerque mais os seus swap
E o Ferreira do Amaral mais as suas PPP
E toda a tralha político-empresarial de serviço. Neoliberal
Papa sugere que é melhor ser ateu do que um católico hipócrita ~
ResponderEliminarConhecerá Jonet?
Mas vai mais longe:
"O escândalo é dizer uma coisa e fazer outra; é ter vida dupla. Vida dupla em tudo: ‘sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta e aquela associação; mas a minha vida não é cristã. Não pago o que é justo aos meus funcionários, exploro as pessoas, faço jogo sujo nos negócios …’
Conhecerá o meio empresarial português, os patrões do burgo e os dos offshores?
Sucede que no final do seu texto disse aquela palavra mágica que fez ruir todo o seu otimismo de cima: 'contra-cíclica'. Keynes também queria austeridade, só que em períodos de expansão económica (para evitar que a economia aquecesse demasiado, desde logo). Peço desculpa, mas se a receita neoliberal não faz sentido, as propostas vindas da Esquerda da Esquerda pecam pelo otimismo em demasia. Um País com uma dívida elevada (em percentagem do PIB) cresce mais devagar (o estudo de Reinhart e Rogoff não estava completamente errado, lembre-se) e sobretudo, está profundamente indefeso perante choques externos que levem a um aumento súbito da taxa de juro, como alguém lembrou acima. E continuo a não perceber como é que Portugal se vai continuar a financiar no estrangeiro se os credores considerarem que o risco de incumprimento é elevado. Finalmente, conviria lembrar que mau grado o pão-durismo (ou talvez por causa dele), a Suábia é um dos motores económicos da Alemanha...
ResponderEliminarJaime Santos e o elogio à Suábia...e à Alemanha.
ResponderEliminarRecorde-se:
"Suábia: Uma doença que começou por atingir a classe dominante alemã e que alastrou rapidamente, sobretudo a partir de 2010, contaminando a quase totalidade da direita europeia e a parcela da social democracia que se rendeu ao social-liberalismo.
Confere.
Pois é. Uma tristeza.
Jessica, então!?!
ResponderEliminarNão empestes o espaço público com tanta mediocridade!
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarHerr jose foge mais uma vez ao que se debate.
ResponderEliminarE resolve fazer o que sabe melhor.
Atirar poeira para o ar, fugir e assumir a sua figura de...
Agora sob o nome de Jéssica?
Pobre herr jose (ou frau Jéssica?)
Será que se reconheceu nas palavras do Papa?
Será que assumiu a mediocridade do seu vocabulário peculiar e rotineiro sobre as "mamas"?
Será que engoliu em seco a atoarda sobre a bancarrota e não teve outro remédio que fazer esta figura de parvo??
Será que está a traduzir para alemão o seu discurso em defesa de herr Schauble?
Será que ficou em choque com a identificação dos "confortados pelas mamas do estado"?
Que se terá passado mesmo para que herr jose se tenha calado, tenha metido o rabinho entre as pernas e se tenha atirado assim ao seu alter ego, essa "Jéssica"?
Mas há outro pormenor que confirma a inquietação que corrói herr jose
ResponderEliminarO "espaço público"
Por mais incrível que pareça, herr jose elogiou os censores de antes de Abril. Até elogiou um director da PIDE que perorara em tribunal sobre a liberdade de "pensamento" no tempo do fascismo.
O "espaço público".
Que saudades dos tempos em que o "espaço público" era vigiado e que a ele só tivessem acesso os herres joses deste mundo, não é mesmo herr jose?
Cuco, estás a voltar a aldrabar as citações.
ResponderEliminarA Jéssica nunca faria isso!
Citações de Jessica/ Herr Jose?
ResponderEliminarO que faz um pobre tipo,agitado e com dúvidas existenciais, perante o que se debate?
Recorre a estes tristes expedientes. Restam muitas perguntas
(por exemplo, Jonet também ficou, tal como jose, atingida no seu âmago, com as palavras do papa? Reviu-se nelas? Reviram-se nelas?
E depois foram rezar para ver se limpavam o encardido? Mas assumindo o posto de talibans-mor?
Chantageando em torno do "investimento estrangeiro", sonhando com a venda do país aos pedaços, promovendo em nome do défice zero a ruína do estado social?)