quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

"Tenho horror a pobre!"

Na audição a Carlos Santos Ferreira da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da CGD e à gestão do banco, às páginas tantas diz o ex-presidente da CGD:

- Hoje em dia as pessoas têm Multicare, ou Médis ou de outras... - numa alusão a um seguro de saúde.
- Quem tem - comentou algum deputado, talvez João Galamba.
E Carlos Santos Ferreira aquiesceu:
- Quem tem...

Na verdade, nem todos têm. Segundo os dados mais recentes da Associação Portuguesa de Seguradores (companhias de seguros) de Setembro de 2016, apenas 856 mil pessoas estavam cobertas individualmente com seguros de saúde. A somar a esses, havia ainda menos de 50 mil apólices de grupo com um total de 1,4 milhões de pessoas cobertas. Ao todo, havia cerca de 2,2 milhões de pessoas cobertas. Menos de 25% da população que pagaria às seguradoras algo como 470 milhões de euros. E se considerarmos que parte desses seguros de grupo serão pagos por entidades patronais, então a parte dos portugueses que subscreve individualmente é bem menor - menos de 10%. O prémio médio por pessoa segura é de 276 euros anuais, o que dá uma ideia de quem os poderá pagar.

Carlos Santos Ferreira está longe de ser a encarnação do personagem de "Sai de baixo" que Miguel Falabella interpretou: o rico brasileiro Carlos Augusto "Caco" Antibes que, a torto e a direito, manifestava o seu ódio social - "Tenho horror a pobre!"

Mas a forma liberta com que se referiu aos seguros de saúde, e a uma subscrição generalizada que agora "as pessoas" farão, indicia a bolha em que vive certo tipo de "pessoas". E como essa bolha pode prejudicar a sua visão geral da realidade social ou de um projecto para a saída do país, o que eu poderia propor era uma iniciativa pedagógica em que essa elite social-político-financeira pudesse cair de repente, de pára-quedas, no mundo "das pessoas", da maioria das "pessoas", tal como aconteceu a a Michael Douglas no filme "O Jogo" de David Fincher. E que essa aula pedagógica pudesse durar o tempo suficiente, sem ter algum relógio de ouro que a safasse rapidamente do suave inferno em que "as pessoas" vivem hoje (1h48).

9 comentários:

  1. Convém a quem vende seguros de saúde acreditar que toda a gene está interessada...desde que tenha dinheiro.

    Agora que um presidente de um banco deva andar armado em franciscano, olhos postos nos pobrezinhos, é tão só uma pieguice sem propósito nem utilidade.

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  2. Esse "tenho horror a pobre" é uma excelente frase do "Sai de Baixo" tão excelentemente interpretado por um punhado de grandes actores.

    O ódio social escancarado.

    Aqui há dias um tipo por aqui pregava um ódio equivalente e investia contra as "baias da igualdade",enquanto fazia a apologia da teoria da superioridade dos ungidos do Mercado.

    Um texto muito oportuno de JRA

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  3. os seguros de saúde tem quem tem, enquanto tiver saúde. quando adoecer a sério acabou-se ao fim do primeiro ano. acabam-se também quando se chega à idade em que se adoece.

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  4. Para que caiam de para quedas na realidade das PESSOAS, era só dar-lhes de vencimento o salário minimo nacional e, claro está, retirar-lhes os relógios de ouro...!!!

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  5. Perfeitamente de acordo cara Maria.
    E veríamos se os da condição continuavam a defender o porte altaneiro e pesporrento de banqueiro mais igual do que os iguais e com direito divino aos meios colectivos de produçao e ao produto do saque

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  6. "pieguice sem propósito nem utilidade".

    Eis um bom slogan da figura do banqueiro e do chorudo Capitalista. Eis o que ele rumina e regurgita quando inquirido sobre a necessidade de um mundo mais justo, sem corruptos nem exploradores.

    "pieguices,sem propósito nem utilidade, para o meu desejo insaciável de lucro, de juros e de saque" concluirá arrotando.


    Mas este tipo de pensamento conhece-o melhor do que ninguém quem anda por aqui a idolatrar "presidentes de bancos"

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  7. Há gente que provavelmente nunca leu Dickens mas para quem o mundo mantém o formato dessa época.
    Seguramente que isso lhe satisfaz a mediocridade, sabendo-se acima e imaginando-se a fazer descer quem mais tenha,sem descartar poder tomar-lhes o lugar(a dacha de dispensa cheia é um paradigma marxista inquestionável).

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  8. A pieguice insuportável em torno dos presidentes dos bancos agora travestiu-se de Dickens.

    Pobre Dickens que tem que arrostar com esta mediocridade balofa e pesporrenta de alguém que já confessou o ódio ao saber e ao conhecimento, logo à literatura...

    Aqui há tempos bufava ( é o termo) contra Eça que não lhe alimentava a propaganda beata nem as mordomias duma pretensa nobreza idiota e impotente.

    Agora Dickens e a dacha e a dispensa cheia. Mais o senhor presidente do banco e a pieguice sem propósito nem utilidade

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  9. Parece que o Senhor Presidente de um Banco não pode descer à "pieguice sem propósito nem utilidade".

    Ou seja. Uma versão encomendada do respectivo Senhor Presidente a "Tenho horror a pobre!". Se não directamente pelo próprio, de alguém corporativa e de classe ligado ao próprio.

    Quando se desmonta o propósito da corporação dos senhores presidentes de bancos o que fazer?
    Esconder-se atrás de Dickens, invocar dachas de dispensa cheia, ou papaguear paradigmas marxistas inquestionáveis são tretas a usar. Faltou todavia a coragem de se assumir o que se procurou a todo o tempo esconder.

    Esta gente tem mesmo "horror a pobre"

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