terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A economia em 2016 no espelho retrovisor

Em termos económicos (e não só) este foi um ano vivido com o coração nas mãos. Só em parte isto é explicado pela tendência dos meios de comunicação social e das redes sociais para tratar com dramatismo exacerbado qualquer sinal de que a Terra gira.

Na verdade, a economia portuguesa esteve sobre o fio da navalha ao longo de 2016, numa incerteza política e financeira permanente associada a dois factores principais.

O primeiro foi a tensão que se instalou entre o governo português e as instituições europeias em torno das regras orçamentais. Foi assim em Janeiro e Fevereiro com a elaboração do Orçamento de Estado para 2016, em Abril e Maio com a elaboração do Programa de Estabilidade 2016-2020, e entre Junho e Novembro com a ameaça de sanções a Portugal pelo incumprimento das metas orçamentais nos anos anteriores.

O segundo factor de tensão, não menos relevante que o primeiro, foi a fragilidade revelada pelo sistema financeiro português, acentuada pela entrada em vigor das novas regras da União Bancária da UE. O final de 2015 tinha sido marcado pela resolução do BANIF e pela decisão do Banco de Portugal de recapitalizar o Novo Banco através de uma transferência de obrigações do Novo Banco para o BES. Se o caso BANIF fez abertura de telejornais durante semanas, a complexidade técnica do segundo caso levou a que fosse muito menos enfatizado no debate público. No entanto, foi provavelmente o evento mais marcante para o financiamento da economia portuguesa em 2016. Com aquela decisão do Banco de Portugal alguns grandes bancos internacionais viram fortemente reduzidas as probabilidades de recuperar o dinheiro que haviam investido no antigo BES. Por causa disto alguns dos maiores bancos do mundo (Bank of America, Barclays, BNP Paribas, Deutsche Bank, Credit Suisse, Goldman Sachs, etc.) estiveram durante dois meses de olhos postos em Portugal. Mais do que as suspeitas sobre as intenções da "Geringonça", este processo e a desconfiança que gerou junto dos investidores internacionais explicam grande parte do aumento das taxas de juro da dívida pública portuguesa em 2016.

Ao longo do ano não faltaram motivos para deixar os “mercados financeiros” nervosos: a vitória do Brexit no referendo britânico, as dificuldades de implementação do terceiro resgate à Grécia, os problemas da banca italiana, as intenções assumidas pela Reserva Federal para aumentar as taxas de juro nos EUA, a vitória de Trump nas presidenciais americanas, o referendo constitucional em Itália, os ataques terroristas na Europa e não só. Portugal, como segundo elo mais fraco da zona euro (depois da Grécia) foi particularmente penalizado nos custos de financiamento: a taxa de juro sobre os títulos da dívida pública Portuguesa a 10 anos nos mercados secundários passou de cerca de 2,6% no início para 3,8% no final de 2016. Para um país que tem um dos mais elevados níveis de endividamento público e privado da zona euro, o aumento dos custos de financiamento não podem ser boas notícias. A sombra de um novo resgate – ou de uma ruptura com as amarras da UE – esteve presente ao longo de 2016 e não foi por acaso.

No meio de tanta incerteza e tensão, o ano económico em Portugal correu razoavelmente bem: o emprego aumentou em cerca de 90 mil postos de trabalho, as exportações irão crescer perto de 3,5% em termos reais (apesar da queda de 40% nas exportações para Angola e de 28% nas exportações de produtos petrolíferos refinados), o investimento empresarial cresceu cerca de 1,7% (apesar da quebra de investimento público em mais de 25%). Para tal terão contribuído três factores principais:

• Uma política orçamental menos restritiva por parte do novo governo (e.g., devolução de rendimentos, eliminação da sobretaxa de IRS), dando seguimento ao desafogo pré-eleitoral de 2015.

• A decisão das instituições europeias em minimizar os riscos políticos, num ano que tinha tudo para correr mal. Isto ficou patente na intervenção activa do Banco Central Europeu nos mercados de dívida pública e no financiamento dos bancos da zona euro (permitindo a manutenção de juros baixos), bem como na atitude menos restritiva da Comissão Europeia na interpretação das regras orçamentais europeias (aliviando a pressão sentida no início do ano).

• Um contexto económico internacional razoavelmente favorável, reflectido na continuação dos baixos preços do petróleo (reduzindo assim o valor das importações) e do nível modesto do euro face ao dólar nos mercados cambiais (favorecendo as exportações líquidas).

2016 foi também um ano de oportunidades perdidas. A visibilidade que ganharam - e a polémica que geraram - temas como os paraísos fiscais (em torno do escândalo dos Panama Papers), as alterações climáticas (na sequência da Conferência de Paris sobre o clima), os acordos internacionais de comércio e investimento (com a resistência cidadã ao TTIP e ao CETA), os apelos à adopção de políticas orçamentais menos restritivas na zona euro (feito já não apenas por economistas heterodoxos, mas também pelo FMI, pela OCDE, pelo G20, etc.), ou a guerra na Síria (com as leituras antagónicas sobre a tomada de Alepo pelas forças governamentais), acabaram por não se reflectir em nada de muito substancial.

O ano que agora termina não ficará na memória como aquele em que se deram passos decisivos em algumas das coisas que mais interessam ao mundo: a paz; a redução do desemprego, das desigualdades e das injustiças às várias escalas; a inversão na trajectória da destruição do planeta.

Venha 2017: no ano que agora acaba ficou quase tudo por fazer.

3 comentários:

  1. Caro Ricardo, no que toca ao programa de debate da RTP3 no qual participa na minha opinão não é um bom formato. Dá a sensação que está numa correria constante nem há espaço para assimilar ideias. O moderador Macedo é muito fraquinho, tem afirmações e questões que me levam a pensar que ele apenas olha para um ramo em vez de ver a floresta e está preso no mesmo pensamento economico que o seu parceiro de debate. O mesmo que em termos de ideias já foram ultrupassadas pelas realidade, está preso ao seu dogma e não dá mais que o que se vê. Mas continue a tentar passar a mensagem de que pensar diferente e de mente aberta é que está o futuro.

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  2. Subscrevo inteiramente o comentário do Anónimo acima! Força Ricardo!

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  3. Concordo com os 2 comentários anteriores.
    No novo programa há menos diversidade de opinião, menos debate de princípios. Se não fosse a intervenção de RPM, seria mais um programa de prós e prós, mais TINA, faccioso, parcial e insultuoso da nossa inteligência e do nosso pensamento crítico. Lamento ter acabado "Números do dinheiro" e que o seu moderador tivesse sido "dispensado".

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