segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O declínio de uma ideologia

A vida não deve estar fácil para muitos dos distintos ideólogos da UE, mas também não têm de a tornar ainda mais difícil, expondo o seu elitista estado de negação de forma tão crua. Estou a pensar na breve entrevista, relativamente desinformada do ponto de vista político, que Fausto Quadros, um dos decanos da área no direito, deu ao Público, tendo como pano de fundo a decisão judicial que afirma o papel do parlamento no quadro das alterações necessárias para efectivar o Brexit. Pretexto para algumas notas.

Em primeiro lugar, Theresa May não fez campanha pelo Brexit durante o referendo. Foi antes a favor da permanência, embora tenha rapidamente alinhado com o sentimento dominante da opinião pública, prometendo respeitar o resultado: ao contrário dos europeístas empedernidos, ela quer ter a maioria eleitoral e fez, de resto, um discurso, na conferência dos conservadores, à altura desse objectivo.

Em segundo lugar, a ideia de que os deputados vão contrariar o resultado do referendo diz mais sobre as perigosas fantasias europeístas do que sobre a realidade. O desprezo pelo resultado do referendo é indisfarçável. O problema é que, ao contrário do que acontece na periferia, nos países do centro, a elite do poder tem de respeitar a plebe, até porque não depende do vínculo externo, não é uma elite meramente compradora. Assim, a maioria dos conservadores e dos trabalhistas respeitará a decisão saída do referendo, a luta será pelos termos da sua concretização, reforçando a sua legitimidade, na realidade, por via parlamentar. Afinal de contas, com o Brexit, a democracia ganha um novo fôlego.

Em terceiro lugar, sendo perigosa a fantasia tem a vantagem de confirmar um ponto: o europeísmo dominante é objectivamente o melhor ajudante da extrema-direita. Está atascado num círculo vicioso, típico do liberalismo, reparem: favorece com utopias federalistas objectivamente o crescimento da extrema-direita e depois, numa fuga em frente, diz mal da democracia nos seus momentos de mais alta intensidade, que anteriormente já tinha erodido e assim sucessivamente.

Em quarto lugar, para os trabalhistas de Corbyn, que de resto também já reafirmou o respeito pelo resultado do referendo depois da decisão do tribunal, esta é uma oportunidade para se religarem a uma parte fundamental do seu eleitorado popular, voltando a cultivar a tradição eurocéptica que já foi maioritariamente a sua, contra os ditames do mercado único e da integração liberal. Para isso, têm de deixar de ler a opinião dominante no social-liberal The Guardian, que faz Teresa de Sousa parecer uma eurocéptica realista, indicando o estado de grande parte da elite dita de esquerda, depois de décadas de euro-liberalismo de que acabou por beneficiar.

Em quinto lugar, aposto que a aventada independência da Escócia mais dificilmente se colocará com o Brexit (julgam que os nacionalistas apoiaram a permanência porquê?). Dado que esta nação jamais entraria na UE (estão a ver o Estado espanhol, só para dar um de muitos exemplos, a aceitar de braços abertos um novo Estado, produto de um processo de secessão?), o nacionalismo escocês, tardiamente colado ao europeísmo, está colocado perante um impasse sem resolução à vista. Menos mal, digo eu, o trabalhismo britânico a sério tem de reconquistar eleitoralmente a Escócia.

Conclui-se pela enésima vez que o europeísmo é uma ideologia em estado de negação. O seu declínio é notório. Tem de ser acelerado. É que o drama reside no prejuízo que uma ideologia elitista e entranhada entre as elites do poder, particularmente nas periféricas, ainda pode causar à ideia de cooperação europeia funcional, de geometria muito variável, entre estados soberanos e democráticos.

13 comentários:

  1. Mais uma vez um post que põe os pontos nos is e que reduz a pó as ditas elites, incluindo F. Quadros.

    Esvoaçarão por aqui os europeístas à procura da sua honra perdida na realidade dos factos

    Ah, e a França é a França, no dizer desse produto europeísta por excelência, um tal F. Hollande

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  2. Mais um excelente post de Joao Rodrigues pleno de reflexoes e das boas.

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  3. A falha do raciocínio é achar que em Bruxelas a maioria, para não dizer a totalidade, são Bremainers ou neste momento, Bremoaners. Não. O Reino Unido é, desde há muito tempo, olhado como parte do problema e não parte de solução. Secretamente todos queriam o Brexit.

    Como disse um jornalista austríaco numa entrevista há uns anos, há uma hostilidade entre o Berlaymont e "os do outro lado da rua" (o Conselho), mas a única coisa que os une é o ódio ainda mais profundo ao Reino Unido.

    Infelizmente para Bruxelas o referendo veio dois anos tarde demais (à boca pequena ninguém perdoa as chantagens de Cameron a que o Durão cedeu na discussão do orçamento da União, o primeiro da História que não cumpre com o limite mínimo de 1% do PIB) e o artigo 50, por vontade de Bruxelas tinha sido activado no minuto seguinte à oficialização dos resultados do referendo.

    Penso que nenhuma análise pode ser feita sem distinguir o que é sentimento e o que tem de ser a voz pública.

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  4. De facto, Fausto Quadros não sabe do que fala. E o João Rodrigues claramente anda a ler o Guardian de esguelha, porque este tem feito uma cobertura bastante completa da recente decisão judicial e essencialmente a opinião da maioria dos seus comentadores é que de facto o Parlamento vai confirmar o Brexit. Veja por exemplo o seguinte artigo: https://www.theguardian.com/politics/2016/nov/03/ardent-remainers-dont-let-high-court-decision-get-hopes-up. A questão é tão somente de que, como a invocação do artigo 50 tem implicações na ordem legal interna, ao privar os cidadãos britânicos de certos direitos, o Governo Britânico não pode recorrer à prerrogativa real e é obrigado antes a recorrer à aprovação parlamentar. Curiosamente, aqueles que mais defendiam a saída acabaram a chamar aos juízes 'Inimigos do Povo' (Daily Mail), por estes devolverem a palavra a quem realmente detém a soberania no RU. Estranhos democratas, esses! Agora, que a discussão da invocação do dito artigo irá obrigar May a sujeitar a sua estratégia a discussão pública, isso deveria deixar qualquer verdadeiro democrata feliz. Estratégia que, note-se, não parece por agora ser muito consistente. A infame proposta de Amber Rudd, por exemplo, foi rapidamente deixada cair: https://www.theguardian.com/business/2016/oct/05/government-faces-backlash-from-business-leaders-over-foreign-workers. E isto parece ser uma característica de todos os anti-europeístas. Nunca se percebe bem o que defendem, mas às vezes foge-lhes o pé para o chinelo e acabam a defender pérolas deste calibre. Mas quanto a si, pelo menos já percebi que como não haverá meio dos Portugueses quererem abandonar a UE, a única coisa que pode esperar é que sejam os eleitorados dos países do Centro a acabar com ela, sabe-se lá com que consequências para o Povo Português. Mas que interessa isso se lhe permite atingir os seus objetivos, não é?

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  5. Quem realmente detem a soberania é o povo.

    Mas parece que há quem não considere tsl e ache que a soberania reside sabe-se lá onde

    Estranhos democratas estes que podiam começar a dissertar sobre tao candente tema

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  6. Uma característica de todos os europeístas é algum desespero traduzido ou na incapacidade de mostrarem algo que se veja na construção duma Europa comum ou na linguagem pouco adequada a uma conversa civilizada.

    Mas há aqui também outro fenômeno. É a tentativa pós democrática de não respeitar a vontade popular. E para tal sao usados todos os ptetextos desde o Guardian como garante da vontade divina até às manobras para ocultar o que May defendeu no referendo.

    Depois ate a chamam de extremista de direita logo ela que andou pelo Remain revelando o que o Remain albergou

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  7. Tudo muito mal alinhavado para traduzir uma inquietação: os deputados ao Parlamento inglês não representam direcções partidárias mas círculos eleitorais bem definidos e é a esses que devem representar.

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  8. O saber se o Brexit beneficia ou prejudica Portugal é a última das preocupações dos entusiastas brexistas.

    Após o Brexit, veremos os brexistas a clamar que estamos a ser prejudicados pela Europa nas nossas relações com o RU - um filme brevemente em exibição nas salas da treta.

    Se a UE sair consolidada do Brexit a cena atingirá o dramatismo da Restauração.

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  9. O que é que está muito mal alinhavado e que traduz uma inquietação para o fulano das 20 e 03?

    Que espécie de linguarejar este utilizado para tentar esconder uma coisa tão simples?

    Que o voto popular tem que ser respeitado. Por mais que custe quer ao tal sujeito das 20 e 03 quer às tais direcções partidárias, quer aos "círculos eleitorais" .

    Afinal o inquieto mal alinhavado é o próprio que.

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  10. Mas as inquietações do sujeito (agora inquietamente pelas 20 e 18) continuam.
    A tentativa de voltar ao local do crime para ver se o serviço ficou bem cumprido resulta nestas tretas :

    -"a última das preocupações dos entusiastas brexistas. " ...mas quem disse que isto era uma preocupação dos brexistas? O que é que "isto" interessa?

    -" veremos os brexistas a clamar que estamos a ser prejudicados pela Europa nas nossas relações com o RU". Mas que filme mal alinhavado é este? Estamos a ser prejudicados sim , por exemplo pelos amores de jose , como Schauble ou Barroso. Por isso basta de tretas tentando construir um filme futurista, quando o que temos pela frente é esta mixórdia que vivemos. A "fuga" está mesmo no sangue deste fulano.

    "Se a UE sair consolidada do Brexit a cena atingirá o dramatismo da Restauração." Então não sairá reforçada? Só mesmo na cabeça dos fundamentalistas neoliberais para ver se apagam o fogo que lavra por esta europa fora. Consolidar, marchar ,marchar diria um fanado graduado da Legião por entre os apupos da turba

    (Quanto à restauração...percebe-se o incómodo. A restauração da independência de Portugal em 1640 foi uma má notícia para todos os miguéis de vasconcelos)


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  11. Gostarei de ver estas fortes convicções 'democráticas' a propósito da eleição de Trump.

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  12. Mais uma vez inquieto o sujeito agora das 16 e 05.

    E mais uma vez a pensar que todos somos como ele, a fazer serviço não olhando nem a coerências nem à dignidade nem à honradez.

    O que tem teump a ver com o aqui dito?

    E é ler o escrito pelo Ricardo ou pelo João Rodrigues para ver se ao menos não diz estes disparates pateticos

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