quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A DECO e as deduções de despesas de educação


A DECO tem feito um trabalho meritório de defesa dos contribuintes, tendo, em vários casos, informado muitos deles acerca dos seus direitos na sua relação com o Estado. Esse trabalho teve, no entanto, uma inovação recente. A DECO resolveu fazer uma incursão na definição da legislação fiscal através de um manifesto/petição pela dedução de todas as despesas de educação em sede de IRS, cujo texto pode ser lido aqui.

O argumento é simples e interessante: as despesas com material escolar são indispensáveis à frequência de qualquer grau de ensino e, portanto, deve incidir sobre as mesmas a dedução em sede de IRS que é reservada a outras despesas de educação.

Vou saltar por cima dos problemas técnicos de delimitação associados a esta proposta (uma caneta pode ser material escolar ou não) porque uma associação pode fazer propostas legislativas sem ter necessariamente que apresentar um articulado concreto da lei que as concretizaria. Direi apenas que essa delimitação levanta problemas complicados, eventualmente insolúveis.

Mas mais graves são os problemas de justiça fiscal que decorrem desta abordagem. E para os perceber, é preciso perceber como funcionam as deduções em sede de IRS. As deduções surgem depois de apurada a colecta de IRS e são essencialmente um abatimento (de 30%, no caso das despesas de educação) a essa colecta.

Daqui decorre um dado fundamental: para beneficiar das deduções à colecta é preciso ter colecta.

Este facto singelo significa que cerca de metade das famílias portuguesas, que não têm rendimentos suficientes para serem colectados em sede de IRS, não beneficiam absolutamente nada com estas deduções. Quer dizer ainda que as que têm colecta beneficiam tanto mais quanto maiores forem os seus rendimentos e, portanto, a sua colecta (até um limite de 800€, no caso da educação).

Assim, as deduções à colecta são um instrumento de profunda injustiça fiscal. Dirá o leitor que este argumento se aplica igualmente às deduções atualmente existentes. E é verdade. A despesa fiscal associada às deduções em sede de IRS está concentradas esmagadoramente nas famílias com rendimentos mais elevados. E, não por acaso, uma boa parte dessa despesa fiscal vai financiar colégios privados, clínicas privadas, etc.

Coloca-se então um problema: como conseguir que os apoios à educação cheguem às famílias que mais deles necessitam, e que têm, na sua maioria, rendimentos abaixo do limiar de colecta em IRS? A resposta é simples: não é através da política fiscal. Na realidade, o impacto na igualdade do acesso à educação de medidas como a gratuitidade dos manuais escolares ou a expansão da rede pública no pré-escolar é incomensuravelmente maior do que o das deduções.

Não existe, infelizmente, em Portugal uma maioria com condições políticas para eliminar as deduções à colecta e usar a despesa fiscal associada a essas deduções para financiar políticas públicas de educação e saúde. Mas essa seria uma escolha que garantiria de forma muito mais eficaz e eficiente, quer a igualdade de direitos no acesso à saúde e educação, quer o carácter justo e redistributivo do nosso sistema fiscal.

É pena que a DECO, que conta com dezenas de profissionais qualificados na área da fiscalidade, não tenha em conta as implicações da sua proposta. Mas isso decorre, provavelmente, do próprio perfil sócio-económico dos seus associados. Uma boa razão para que grelha de análise para as políticas sociais e fiscais seja outra.

6 comentários:

  1. "Coloca-se então um problema: como conseguir que os apoios à educação cheguem às famílias que mais deles necessitam, e que têm, na sua maioria, rendimentos abaixo do limiar de colecta em IRS? A resposta é simples: não é através da política fiscal."

    Ou então alterar o Código do IRS para passar a ser possível coleta negativa.

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  2. A ideia das deduções fiscais não é por si necessariamente má ou injusta, desde que não se abuse dela. Ela corresponde a uma forma de 'premiar' quem tem despesas de educação (e logo assume o custo de ter pessoas dependentes a estudar). O fim dessas deduções implicaria necessariamente uma coisa, um aumento real de impostos sobre quem realmente tem esses custos (que são tipicamente pessoas que pelo seu nível de rendimentos também não beneficiam de apoios sociais). E uma alteração dos escalões do IRS, por exemplo, que desagravasse a carga fiscal da classe média, agravando a dos mais ricos, não seria por si só necessariamente mais justa, porque iria premiar quem não tem dependentes a cargo e prejudicar quem os tem. Quando o José Gusmão diz que não existe em Portugal uma maioria com condições para eliminar deduções à coleta, coloca exatamente o dedo na ferida. A manutenção da atual maioria depende crucialmente dos votos da classe média, que já sofreu que chegasse com Passos e Portas. E essa classe média não vai certamente alinhar em soluções que a prejudiquem fiscalmente, por muito que reconheçamos a necessidade contínua do melhoramento das políticas de ação social. Numa coligação, não é possível agradar a toda a gente a todo tempo, mas o resultado é bem melhor do que o regresso da Direita...

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  3. Brilhante raciocínio!
    A justiça fiscal obtém-se taxando mais os que pagam impostos!

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  4. Acho discutível a ideia das deduções de IRS serem injustas, mas essa é uma outra discussão.
    O que me parece que passa despercebido a muita gente é o facto da DECO ser uma empresa privada -- multinacional até. E isso certamente que tem as suas implicações.

    É curioso que o Instituto de Defesa do Consumidor, que pela minha experiência até não trabalha mal, seja muito menos conhecido.

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  5. Quem paga impostos não é de todo o caso de Jose

    Se bem se lembram admitiu a fuga ao fisco como modelo a seguir por parte dos capitalistas.

    E a colocação do produto saqueado nos paraísos fiscais.

    Está documentado, para infelicidade dele e dos seus comparsas.

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