quarta-feira, 20 de julho de 2016

Como é que se diz vitalpolitik em português?


Vital Moreira persiste no erro sobre o ordoliberalismo/neoliberalismo, agora em resposta a uma análise razoável de Francisco Louçã. Eu já aqui tinha escrito sobre este tema, incluindo sobre os mitos do social na economia social de mercado, tal como pensada originalmente pelos ordodoliberais, em resposta a Vital Moreira – Vitalpolitik –, ficando sem resposta. Apesar de tudo, vale a pena insistir em quatro pontos mais ou menos complementares.

Em primeiro lugar, todos os neoliberais relevantes, mas todos mesmo, dos ordoliberais alemães a Hayek e a Friedman, procuraram, sobretudo entre os anos trinta e os sessenta, distinguir entre o liberalismo clássico, supostamente baseado no laissez-faire, e um novo liberalismo económico, assente em regras, que estaria emergindo intelectualmente, podendo o texto de Milton Friedman, de 1951, – “Neo-liberalism and its prospects” – servir de bom e representativo exemplo deste esforço comum; um texto pouco conhecido, mas que o seu principal biógrafo considerou relevante o suficiente para o colocar no livro The Indispensable Milton Friedman, confirmando de resto que a expressão neoliberalismo não é uma invenção dos críticos, mas antes um termo usado ocasionalmente pelos próprios, a começar pelo ordoliberal alemão Alexander Rustow logo em 1938.

Em segundo lugar, as tais regras flexíveis, mas sempre conformes à expansão dos mercados, seriam sobretudo forjadas em, e vigiadas por, instituições protegidas da democracia, dos bancos centrais às autoridades de regulação independentes, favorecendo na prática a transferência de recursos e de poder de baixo para cima. Esta generalidade admite divergências concretas, por exemplo sobre a natureza da concorrência, dentro de um movimento plural, como plurais são todas os feixes de ideias em movimento. A ideia de que o neoliberalismo se resume à Escola de Chicago é totalmente errada. O neoliberalismo é transatlântico desde as origens.

Em terceiro lugar, sendo a economia política alemã do pós-guerra marcada pelo ordoliberalismo, esta versão do neoliberalismo nunca teve aí o monopólio da política pública, felizmente, em particular nos anos sessenta e setenta, quando o movimento operário conseguiu conquistas relevantes. Onde os ordoliberais inscreveram desde muito cedo a sua visão pós-democrática da economia foi na integração europeia, onde os freios e contrapesos sempre foram menores, dada a sua escala e os agentes que aí operam.

Em quarto lugar, qualquer social-democrata consistente só pode dar combate ao neoliberalismo alemão, o ordoliberalismo, de matriz retintamente anti-keynesiana e anti-socialista desde sempre, e aos que procuram esvaziar por dentro o que ainda há de socialista nos partidos socialistas, até que não reste nada de nada, ou seja, até que só restem os Jeroen Dijsselbloem e os 10% ou menos que o seu partido trabalhista tem nas sondagens holandesas. Com a ajuda da sua UE e do seu Euro têm sido eficazes um pouco por todo o lado, reconheça-se, embora haja aqui e ali contramovimento, mas ainda longe de estar à altura do adversário, dado, entre outros, o lastro do europeísmo.

10 comentários:

  1. Estas abordagens intelectuais da "coisa",

    procurando avocar a sapiência da DECISÃO,

    enquanto objectivo do altruísmo de tão abnegados(!) interlocutores,

    esbarra com a cada vez mais nua realidade,

    no que á "cama" do Povo Soberano, diz respeito!

    Estes democratas de gema, até se preocupam com... "excessos democráticos"!

    Tão responsáveis que eles são!

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  2. Quando o Paes Mamede fala até tremem. Por isso é que ele nunca é convidado para comentar na televisão. Ele e o Carlos Paz. A Garrido no outro dia foi somnete enxovalhada por ele. Até perdeu a fala. Força Ricardo

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  3. Não creio que Vital Moreira queira fazer escola no domínio da Economia Política (basta-lhe o Direito). E depois não considere fraqueza que ele não lhe tenha respondido, talvez tenha sido só falta de tempo. Mas há um aspeto que ele referiu e que o João Rodrigues deixou de lado, a saber a diferença entre o ordoliberalismo e a Economia Social de Mercado de Ludwig Erhard (entre outros). Não sei o que ele pensa hoje do falecido Chanceler, mas ainda no seu tempo como líder do SPD, Lafontaine citou-o como um exemplo a seguir numa entrevista ao 'Der Spiegel' (em 1998, creio). Numa coisa concordo consigo, qualquer das variantes do Liberalismo Alemão, seja o Ordo, seja a versão mais embuida da Doutrina Social da Igreja, que corresponde à Economia Social de Mercado, rejeitam de facto soluções económicas socialistas, o que não é o mesmo que dizer que rejeitam a Social-Democracia. Mas olhando para o capitalismo renano, onde os trabalhadores tem assento nos orgãos de gestão das empresas e para o carácter dinâmico e inovador da Economia Alemã (apesar do conservadorismo patente por exemplo no peso do sector automóvel na economia da RFA) e para aquilo que acontece em países onde o socialismo democrático falhou e foi substituído por modelos capitalistas bem mais agressivos, como no RU e na França, temos que concluir que se calhar alguma razão os velhos liberais alemães tinham...

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  4. «O lastro do europeísmo.»
    Para lá desse pesadelo há amanhãs que cantam?

    Quanto às vitórias dos proletários alemães, foram obtidas no quadro do ordo-o-que-quer-que-seja que funciona até hoje e é a força da Alemanha.

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  5. Não crê que o Vital Moreira queira fazer escola no que respeita à economia política?

    Isto é o quê? Um movimento desculpabilizador do que V.Moreira disse, um manifesto para que as palavras de V.Moreira sejam lidas com benevolência ou a restrição da economia política aos economistas?

    Está talvez demasiado atarefado (desde 2010 veja-se bem))...ou talvez não tenha substrato para responder ... ou talvez o irrite particularmente o ter sido assim posto tão a nu, mais o seu europeísmo conivente com o neoliberalismo.

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  6. Já viram esta ode ao capitalismo renano? Onde os trabalhadores têm assento nos órgãos de gestão e a conversa do costume?

    Porque a questão é importante, retomemos o texto de João Rodrigues de 2010:
    "O conceito de “economia social de mercado” não está originalmente relacionado com o Estado-Providência, tal como os socialistas o entendem. Economia social de mercado é a tese de que uma economia capitalista concorrencial em expansão, bem ordenada juridicamente, produz as melhores consequências sociais (os ordo estão sempre entre a economia, o direito, a sociologia e a história das ideias, o que faz do ordoliberalismo, a par da economia neo-austríaca, a corrente neoliberal mais sofisticada, como Vital deve saber melhor do que eu).

    Isto não dispensa alguma política social dirigida, claro, ou o reconhecimento do papel dos sindicatos, desde que bem disciplinados pela concorrência e pelo poder capitalistas. Nestes pontos, os ordo não se distinguem, na prática, muito de um Hayek da Constituição da Liberdade e de um Friedman do Capitalismo e Liberdade, que aliás os têm como suas referências. O mesmo não se pode dizer do “modelo” económico alemão, sobretudo depois da introdução das “impurezas” social-democratas nos anos sessenta, hoje muito fragilizadas.
    Onde os ordo se tendem a distinguir teoricamente, entre outros, é no aprofundamento da ideia de que o capitalismo é uma construção política e regulatória, com toda a ambiguidade política deste termo, que requer um soberano forte acima dos chamados grupos de interesse, que garanta a manutenção da sempre ameaçada concorrência mercantil como princípio económico estruturante. Isso e a ideia de uma economia moral sem neutralidades, conservadora: o ideal ordo de uma comunidade pequeno-burguesa, empresarial, moral e socialmente sã. Vitalpolitik...

    Um Estado forte, protegido de incursões democráticas excessivas, um Estado sem veleidades keynesianas e sem os “excessos” socialistas, como Vital implicitamente reconhece. E a relação dos ordo com o nazi-fascismo? Crítica intelectual e exílio de alguns, sem dúvida, mas também colaboração de outros, tal como antes Mises tinha saudado Mussolini por “salvar a civilização ocidental”, e Hayek e Friedman saudarão e estarão com Pinochet, porque mais vale um “ditador liberal” do que uma democracia socialista. Estados de excepção..."

    Brilhante o desmontar desta canga

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  7. O lastro do europeísmo
    Este pesadelo não há permite amanhãs que cantam.

    A prova está aí diante dos nossos olhos

    Tal como a indigência intelectual de quem avança assim com o indigente "ordo-o-que-quer-que-seja" como se fosse um slogan publicitário para chegar rapidamente ao Deutschland uber alles

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  8. Num país em que um aeroporto, pago por todos nós, recebe o nome de "Cristiano Ronaldo" - e falamos de um aeroporto que assistiu ao único grave acidente aéreo da TAP - e em que toda a noção de proporção se perdeu, toda a noção de dever se perdeu, toda a noção de luta se perdeu, todos estes esforços de esclarecimento dirigem-se a um grupo cada vez mais restrito de pessoas: afinal, quem quer saber?

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  9. Os alemães.

    "Se há europeus que estão a ser especialmente enganados são os alemães e se alguém engana os demais europeus são os dirigentes políticos e económicos alemães.

    Engana-se aos alemães ao fazer-lhes crer que é a Alemanha a que financia o resto da Europa, quando se verifica que suas grandes empresas e bancos foram desde há anos os grandes beneficiários de uma construção europeia e do Euro mal concebidos por ter sido feito à sua medida. A Alemanha não é generosa, aproveita-se sim do seu imenso poder para tratar de submeter os demais, outra vez, num espaço económico que seus grandes grupos económicos consideram seu em toda a Europa.

    São enganados quando se lhes faz acreditar que o desperdício e a irresponsabilidade dos cidadãos de outros países foram o que produziu a crise e os males que se sofrem, quando a verdade é que foram os bancos alemães aqueles que financiaram espontaneamente e sem medida as bolhas e os excessos que destroçaram as economias para engordar, durante anos, suas contas de resultados.

    São enganados quando se lhes faz acreditar que são outros países que se aproveitam do esforço e dos rendimentos dos trabalhadores alemães quando na realidade são seus próprios grupos de poder económico e financeiro os que impuseram em seu favor políticas que criam desigualdade crescente e mais pobreza e o que colocaram fora da Alemanha o colossal excedente que obtiveram seus trabalhadores nos últimos anos.

    Engana-se os alemães quando se lhes diz que seu modelo social é insustentável por culpa da Europa e do custo da solidariedade com outras nações, quando na realidade se há problemas de financiamento é pela cada vez menor contribuição dos proprietários de capitais alemães ao financiamento dos interesses colectivos e pela colocação dos excedentes que obtêm fora da Alemanha.

    São enganados quando se lhes diz que hão de trabalhar mais que os trabalhadores de qualquer outro país, quando as estatísticas mostram que apesar de serem mais produtivos nos sectores de vanguarda, pelo maior avanço das suas economias, trabalham menos, felizmente para ele, ainda que certamente com condições de trabalho e de rendimento cada vez piores".

    (Cont)

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  10. "Engana-se os alemães e os dirigentes alemães estão a enganar os cidadãos europeus quando se lhes diz que as políticas de austeridade são a melhor forma de avançar e que além disso são necessárias pela dívida de outros países, quando a Alemanha a teve sempre mais elevada que muitos deles e quando é uma evidência clamorosa que estas políticas empobrecem toda a Europa e, por fim, os próprios trabalhadores alemães e quando só estão a servir para justificar a privatização e o desaparecimento de serviços públicos e direitos sociais.

    Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam toda a Europa quando se lhes diz que a dívida que há que reduzir deriva do excessivo gasto público destinado ao bem estar social, quando na realidade decorre dos juros gigantescos que se pagam aos bancos privados ao impor um banco central na Europa que não o é e que só serve para apoiar e salvar os bancos privados.

    Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus normais e comuns quando se lhes diz que países como Grécia, Portugal ou Espanha exigem ajudas ou resgates multimilionários para levá-los em frente, quando na realidade esses resgates só servem para salvar os bancos alemães ou as grandes empresas que vivem de fazer investimentos imperiais no resto da Europa, em muitos casos promovendo e financiando todo tipo de práticas corruptas.

    Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus quando se lhes diz que há que rebaixar salários para criar emprego e dessa forma só se consegue que aumente o lucro empresarial e a pobreza; ou que há que flexibilizar os mercados laborais, quando isso só se traduz em maior poder de negociação dos grandes empresários mas não em mais e sim em pior emprego; ou que há que reduzir a despesa pública quando são cada vez maiores suas aventuras e despesas militares ou as despesas financeiras que graciosamente se pagam aos bancos privados.

    Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam todos os cidadãos quando se apresentam como justos e eficientes reclamando estritas condições de pagamento aos agora devedores. Ocultando que países como a Grécia foram generosos com a Alemanha quando era esta quem tinha que pagar sua dívida".

    Juan Torres López

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