Quem veja televisão e leia jornais parece que, desde que o Partido Socialista chegou ao Governo, Portugal está em risco de voltar a 2011, mas antes da entrada da troika. Hoje, Passos Coelho repete aquela velha máxima desse tempo: "pusemo-nos a jeito", frase que é uma antecâmara do prato forte - um programa endurecido - bem regado com molho "não há alternativa" porque "temos de fazer o que os mercados querem". Um prato que, como se sabe, não saiu muito bem e ainda hoje está por digerir.
Este "revivalismo" não é um acaso. E isso ficou bem patente no debate organizado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas", dedicado ao tema "A narrativa da crise e crise das narrativas", que se realizou ontem em Lisboa, no ISCTE.
Na minha participação, expus - muito sucintamente - a evolução entre 2010 e 2014 do pensamento de seis jornalistas económicos da nossa praça - Pedro Santos Guerreiro (PSG), Helena Garrido (HG), Camilo Lourenço (CL), António Costa (AC), Nicolau Santos (NS) e João Vieira Pereira (JVP). Em linhas gerais, o que se verificou nesse período foi um progressivo e crescente criticismo à eficácia da aplicação do programa de ajustamento. NS contra a própria filosofia subjacente; PSG, HG, AC e JVP dando conta dos fracos resultados do programa, mas criticando o Governo de falta de iniciativa; e CL defendendo veementemente a filosofia original do programa. A exposição - na presença de HG, NS e JVP - tornava evidente a alteração de posições dos jornalistas: desde uma recusa à vinda da troika, passando pelo seu entusiástico acolhimento, pela defesa da aplicação do programa e de um Governo PSD/CDS, pela crítica posterior aos técnicos da troika, antes erguidos - por eles - como "popstars" e que afinal demonstraram o seu falhanço; pela crítica ao vazio do poder da direita no poder. E tudo terminava com citações recentes de jornalistas, já em 2016, defendendo a necessidade de um programa de austeridade que nos tire o bafo dos mercados no nosso pescoço. Tal como acontecera em 2011.
Mas - culpa minha - não concluí de forma mais clara.
Quando os jornalistas presentes mais visados foram ouvidos, frisaram 1) que mudaram de opinião e isso não tem mal (HG); 2) que, na verdade, não mudaram porque se o programa falhou foi porque foi mal aplicado: dever-se-ia ter cortado na despesa pública e isso não foi feito, e que nenhuma reforma estrutural fora levada a cabo, o Estado continua capturado por interesses (HG e JVP).
Ora, essa é que é a questão: a volatilidade dos jornalistas não mostra que tenham mudado o seu sistema de crenças. Na sua opinião, os magros resultados do programa não podem descredibilizar a "narrativa" de que mais cortes promoverão o crescimento económico. Pelo contrário. Tal como aconteceu em 2010/11 com o Governo Sócrates, defende-se que a austeridade então aplicada relutantemente não teve resultados por causa disso mesmo: eram insuficientes. E cada insucesso é um sucesso. Recusa-se o seu carácter intrinsecamente recessivo. Nega-se que a austeridade nunca pode ser expansionista, como ficou provado pela realidade.
A questão que se põe é: e se tivesse sido? A resposta oficial é: nunca saberemos. Mas na verdade, nem Governo, nem troika insistiram muito na aplicação integral do programa. E por alguma razão foi.
Em conclusão: todo o edifício cego de defesa da austeridade ainda está de pé e pronto a ser usado de novo. A ideia de base foi reforjada, reformatada, reconstruída das cinzas do fracasso. E vai ser reafirmada por completo, como se nada se tivesse passado e com um total despudor. Até por Passos Coelho. Como já se assiste...
O que transparece dos debates televisivos e não só, sobre o actual estado da nação, e´ que padecemos de uma malformação cultural congénita/sistémica…”Os ´robots´ por vezes rebelam-se…”
ResponderEliminar“Com receio do devir – do novo…o ser humano vê-se forçado a retardar a morte do velho”
E quando o ser individual atinge o alvo – a verdade - e se liberta, la´ vem a “Ordem do Colectivo, da Maioria”, dos desígnios de classe impor silencio, censura e por vezes prisão, tortura e morte. porque a “sociedade capitalista em todas as suas formações” teima em se perpectuar…por todo o sempre…de Adelino Silva
Este é um país de jogos de palavras.
ResponderEliminarA austeridade não é um termo que releve na análise económica.
A austeridade é a consequência na esfera económica de consumidores e organizações da insuficiência de meios decorrente da falta de competitividade (capital, produtividade, flexibilidade, inovação, marketing, ... e por aí fora em doses variáveis), falta de crédito, falta de receita fiscal... falta de factores económicamente relevantes.
Mas o grande sucesso da treta é ignorar cada um dos factores-causa que importam ao caso e concluir olímpica e estupidamente que a austeridade não traz crescimento!
Uma lapalissada tanto mais deturpadora da realidade quando na cabeça da maior parte dos bem-pensantes a imagem redutora que surge como remédio, é uma rotativa a imprimir notas para as mãos de políticos armados em Grandes Guias da economia.
País de jogos de palavras?
ResponderEliminarNão deve estar bom da cabeça. Quem vê o estado de pobreza da nossa população, os desempregados e os forçados a emigrar para ganhar o seu ganha pão sabe bem a treta do tal jogo de palavras.
O que releva é que em vez de palavras se devia passar mais à acção.Por cidadania e em defesa dos valores humanitários. E arrumar de vez com esta sociedade venal cuja classe dominante vive do lucro e para o lucro.
"É o capitalismo, estúpido"
A austeridade não é um termo que releve na análise económica. Diz alguém.
ResponderEliminarUma afirmação infantil como facilmente se percebe.Mas o que é mais cómico é que é o próprio autor que a desmente a seguir, mercê das tretas que debita a trote ,logo em sequência
Uma pobreza franciscana. No conteúdo e na forma.
Mas o pior nem sequer é isso. É a ideia peregrina de defesa da austeridade desta forma desconexa, assente na "falta de competitividade" and so on.
Onde já ouvimos isto? Em todos os foros em que Cavaco botava faladura´. Foi ao som deste disco que Passos e Portas governaram.Com os resultados que se viram e vêem.
De facto o João tem razão. As tretas austeritárias estão de volta e não largam a ornamentação do discurso neoliberal pesporrento. Sem qualquer pudor
A flexibilidade sabemos nós o que quer dizer. A flexibilidade apregoada pelos vendedores de banha da cobra é a Tecnoforma para o Passos , a Efisa para o Relvas, o o trabalho temporário e mal pago para os que trabalham, a emigração forçada para umas centenas de milhar e o desemprego para ainda bastantes mais.
ResponderEliminarA receita fiscal também. Para os que ganahm milhões , os off-shores são a receita defendida como medida de auto-defesa propalada por quem vem defender a austeridade desta forma.
Vê-se neste paleio alguma referência ao "funcionamento" dos bancos a que todos os dias somos chamados para cobrir as pilhagens?Alguma referência às PPP? Aos Swaps? Ao roubo e à exploração dos que trabalham?
«programa de ajustamento»
ResponderEliminarMas ajustamento a quê? Ao pagamento das obras faraónicas e inúteis de Sócrates e quejandos? Ou ao pagamento dos inverosímeis desmandos dos «nossos bancos»? Tudo a juros criminosamente agiotas?
A lapalissada treteira pretende esconder a realidade a todo o custo. Já ouvirma falar no Deutsche Bank?
ResponderEliminarO exemplo perfeito de "falta de competitividade (capital, produtividade, flexibilidade, inovação, marketing, ... e por aí fora em doses variáveis), falta de crédito, falta de receita fiscal... falta de factores económicamente relevantes."
A realidade é lixada para esta malta ."O gigante financeiro alemão Deutsche Bank corre o risco de colapsar. É um choque de frente para toda a direita neoliberal e para todas os seus sonhos e expectativas, um mundo que se arruína e naufraga, deixando um cortejo de suplicantes gemendo e chorando a sua perda. Um banco, para mais privado, para mais alemão, para mais empreendedor, para mais proactivo, e dinâmico, e acostumado a bater punho, esfarelar-se assim, sem mais nem menos. Teria maus gestores? Mas se todos sabemos que só o Estado, porque não tem a noção de estar a gerir o que é seu, é mau gestor! Teria havido incompetência dos supervisores? Mas se sabemos que só os supervisores portugueses são incompetentes! Há-de ter sido culpa dos trabalhadores alemães, esses calaceiros que vivem acima das possibilidades e depois não pagam os empréstimos que pediram. Mas acaso não nos disseram que os calaceiros éramos nós, os trabalhadores portugueses? E que por nossa culpa o Estado devia dinheiro que pediu emprestado para construir escolas, e os bancos deviam ao estrangeiro para comprarmos férias em Cancun?
"E vai ser reafirmada por completo, como se nada se tivesse passado e com um total despudor. Até por Passos Coelho. Como já se assiste..."
ResponderEliminarEu acrescentaria: até por António Costa. Espere uns meses ...