Ainda há dias estive em contacto com uma antiga colega libanesa. Conversei com ela por causa das duas bombas que foram detonadas em Beirute. Foram mais de 40 mortos. Mas mais do que o atentado - queixava-se ela - é muito penoso o contínuo sofrimento causado pelo permanente estado de insegurança do país. Um sentimento profundo de depressão. E o Líbano nem sequer está em estado declarado de guerra.
E são tantos os exemplos dos crimes contra a Humanidade que não têm dias inteiros nas nossas, televisões, que passam uns minutos enquanto jantamos. Veja-se apenas este caso do Iraque para ver as manifestações que nunca fizemos: Body-count, de 2003 a 2015. Por arma, por incidente, por número de mortos, por origem de quem matou.
E depois assusta esta reacção instantânea de resposta pelo lado nacionalista. Aquela imagem das pessoas a sair do estádio a cantar a Marselhesa - acompanhada pela CNN a discutir se não se devem acelerar os esforços para colocar "botas no terreno" ou as tarjas nas imagens televisivas a dizer "Terror em Paris" (tal como aconteceu em 2001 - "guerra contra o terror") - lembra-me como milhões de franceses foram lançados para as trincheiras da 1ª Guerra Mundial, mal vestidos e mal preparados, animados pelo espírito nacionalista de defesa da pátria, para uma guerra que não era realmente sua.
Em cada época, cada guerra é devidamente preparada para enlevar a população. Agora é Hollande, um político socialista, que acaba de afirmar que a guerra foi declarada a França, quase se parecendo com George Bush em 2001, prometendo um castigo exemplar ("A França foi atacada cobardemente"). Espera-se mais uns milhões de contratos de armamento, uma expectável maior ousadia militar. Mais mortes a prazo. Sobre a triste figura feita pela França na Síria, leia-se o último número de Le Monde Diplomatique. Aqui pode ver-se como a diplomacia francesa arquiva a sua relação com a Síria.
E tudo isto acontece precisamente no mesmo momento em que terminavam as conversações internacionais em Viena, nomeadamente com a administração norte-americana e o governo russo, prevendo, num acordo de 3 páginas, esforços para um cessar-fogo na Síria, um governo de transição em 6 meses e eleições em 18 meses. Seguir-se-ão, como afirmou John Kerry, conversações para definir quem é terrorista ou não, mas que o grupo Estado Islâmico está "definitivamente nessa categoria". Como acabar com ele, ficou indefinido. Isto depois de 250 mil mortos e 11 milhões de refugiados!
As guerras podem ser paradas por quem as combate. E nós somos soldados sem o saber. Morremos como soldados, como peões adormecidos na nossa vida pequena.
A guerra é um assunto demasiado sério para ser apenas deixado aos nossos políticos, aos nossos políticos europeus. Não há mortes de primeira ou de segunda, na proporção da distância do local em que se verificaram. Toda a morte é condenável. E enquanto a nossa política externa não for discutida por todos, todos poderemos ser vítimas. Inocentes ou impotentes. Onde está essa discussão sobre a política externa de Portugal, pelo menos no Parlamento? Por que nunca se discute a NOSSA política externa, mas apenas o folclore de pertencer ou não à NATO?
Que tristeza, que triste país, que mundo triste.
É cada vez mais óbvio que questões de extraordinária relevância não podem ser deixadas nas mãos de governos ou grupos restritos de pessoas, tem de haver uma transformação que permita a todo e a qualquer cidadão ser interveniente na sua própria realidade. Penso que lamentar a desgraça é muito pouco para uma sociedade que se quer civilizada.
ResponderEliminarAcautelados os dogmas que sao de uso, sabe-se nada do que o autor recomenda para a acção.
ResponderEliminarCaro José,
ResponderEliminarPoderíamos remontar - passe o galicismo muito adequado - às causas deste arrazoado em que o Ocidente se envolveu no Médio Oriente. Mas para já basta uma regra: nunca defender políticas que possa redundar em mais mortes. E isso já diz muito, não diz?. Assente o princípio, podemos debruçar-nos sobre todos os dossiers. Não queria, por certo, que eu apresentasse um projecto de definição de política externa portuguesa, pois não?
Apoiado. Noto que a França declarou guerra aos terrorismo, e bem. Fico é com a dúvida se a França não estava já em guerra a varios anos; é que o armamento pesado do daesh é muito novo, ultimo modelo e francẽs...será que não nos avisaram dessa guerra que já dura a varios anos?
ResponderEliminarSendo assim o atentado de Paris é apenas uma mudança de local....
Caro João Ramos de Almeida:
ResponderEliminarGrande paciência que tem em responder a um troll.
Ele é outro fanático como os do ISIS, mas sem bombas - apenas um fanático ideológico.
Por isso está aqui plantado todos os dias a comentar sem dizer nada, repetindo slogans e chavões.
E acusando os outros precisamente do que ele faz.
Um doente mental, pois só os doentes mentais são capazes desta persistência.
Por mais explicações e argumentos que lhe dê, jamais concordará com alguém e se sentirá satisfeito.
Está a fazer a sua Guerra Santa contra o Ladrões de Bicicletas em nome do seu fanatismo ideológico.
Esta é uma situação complicada. Não sei muito bem quais seriam os melhores métodos para evitar este tipo de acções. O que sei é que os acontecimentos de ontem parecem ter uma relação directa com as notícias de regozijo geral, feito na Comunicação Social há poucos dias -2/3- pelo eventual abate de um dos principais responsáveis pela execução pública de reféns Jihadistas...Isto é -aparentemente- uma reacção à propaganda exuberante, feita por responsáveis políticos Ocidentais de grande relevo, pelo eventual abate de um dos terroristas mais procurados. Acho que é uma acção terrorista que poderia já estar programada, mas que teve um pretexto excepcional. É um ciclo que não se fecha com facilidade.
ResponderEliminar-Vigilância, reserva nos comentários, apoio aos refugiados de uma forma bem organizada, e capacidade de actuação local rápida e preferencialmente antecipada.
Caro João:
ResponderEliminar«nunca defender políticas que possa redundar em mais mortes»
Fico indeciso entre tornar-me pacifista ou converter-me ao Islão.
Manelzinho, estamos num dia muito depressivo!
ResponderEliminarPois é, nunca vimos um telejornal português, ou outro qualquer telejornal na Europa ou nos EUA, começar com "O Mundo está em choque com o atentado do... Líbano".
ResponderEliminarA Europa não se choca com a morte de 500.000 crianças iraquianas devido ao embargo que tanto apoiou e fez respeitar, a Europa não verte uma única lágrima pelo massacre do povo líbio a que deu o bombardeamento de partida, a Europa não chora os milhares e milhares de sírios assassinados por aqueles a quem o Senhor Hollande chamou de "democratas" e que, agora, tão democraticamente, lhe encheram a capital com 127 cadáveres dos seus compatriotas. A Europa, qual um decrépito anão empertigado, ainda se acha o centro do Mundo. Sempre que um europeu tropeça, cai e abre a cabeça, o Mundo fica em cuidados e chora. Quando 400 crianças palestinianas são massacradas em Gaza, o Mundo, não sendo europeias as criancinhas, nem disso dá fé. E se 8.000 homens muçulmanos mais ou menos brancos cruelmente assassinados em Srbrenica são um "genocídio", um milhão de iraquianos (homens, mulheres, crianças) mortos num crime de guerra "made in EU and USA" nunca existiram."Genocídio" é palavra que se não aplica aos 3 milhões de mortos da RDC na atroz limpeza étnica que varre o país há anos, limpeza essa onde um dos principais actores é o genocida ruandês Paul Kagame, um bom amigo de Monsieur Hollande.
De maneira que, agora, somos todos "parisienses". É bonito, é humano, é politicamente correcto e poupa o juízo a pensamentos tanto mais aborrecidos quanto menos pacificadores e redentores esses pensamentos se adivinharem. O que nunca nos ouvirão dizer é que somos cidadãos de Bagdade, de Cabul, de Kinshasa, de Trípoli ou de outra qualquer capital frequentada por gente mais ou menos escura e sumamente afastada do paradisíaco umbigo do Mundo onde temos a sorte de habitar.
Enquanto a nossa insana fantasia neocolonial prossegue, o Mundo observa e anota: mais cedo do que tarde, esse Mundo confrontar-nos-á com a nossa monstruosa hipocrisia.
A Europa não chora quanto baste por ter criado o europeu choramingas e cobarde, que renega o passado, desacredita o presente e que aguarda inerme o castigo pelos seus 'pecados'.
ResponderEliminarCaro José,
ResponderEliminarNão vejo mal ao mundo em ser pacifista, ao contrário de ser belicista.
Sobretudo - acrescente-se - quando geralmente ser belicista vai de par - e em defesa - de uns interesses dúbios, pouco óbvios e sobretudo muito prosaicos, como a defesa "our way our living", que geralmente quer dizer, manter o controlo sobre as fontes de matérias-prinas internacionais, custe o que custar, mesmo que seja para lucro de quem detém esses interesses.
Não vejo mal ao mundo em defender políticas externas que promovam o entendimento e a paz, através de soluções políticas e em proveito da vida de todos. Esquecer que há sempre um outro lado da equação é promover a violência como forma de subir a um novo patamar de equilíbrio. E nessa violência haverá sempre mortes civis que nós - agora, hoje - gostamos de chorar, se forem os nossos. Mas rapidamente esquecemos na proporção directa da brancura da pele.
O europeu que eu gostaria de ver era aquele que promovesse o que é justo e não contratos de armamento, como instrumento da sua política externa. Como a França.
Mas acho que o José sabe do que falo e até é capaz de concordar comigo. Apenas tem esta atitude de provocar, para desequilibrar. Ou para conhecer melhor. Era mais útil perdermos tempo a construir coisas e não apenas a insultar-nos.
Caro João
ResponderEliminarA nota das 11:29 não lhe era dirigida mas sim ao das 01:20 com seu chorrilho de responsos às exortações que sempre visam denegrir a Europa e o seu papel na evolução da humanidade.
Quanto ao que diz fica-me a dificuldade - para o tema em apreço - em distinguir as mortes civis de quaisquer outras mortes que resultem da violência extrema entre humanos.
Mas se algo distingue o homem, é a sua racionalidade e abertura à compreensão do homem e do mundo; também não é menos certo que seja sua a capacidade de impôr-lhe o freio do dogma e da vontade de domínio.
E se essa racionalidade não raro justifica a violência, sê-lo-á pelas boas razões de se insurgir contra dogmas e domínios exacerbados, a que só a compreensão do mundo pode levar a que se modere ou sublime em acções não violentas.
Imagino que sejam estas as acções que privilegie; mas a sua eficácia não prescinde, antes pressupõem, que não seja excluída a possibilidade da violência.
Compreender o mundo é aceitar o prosaico - como a defesa do "our way our living" - que sempre incorpora relações de domínio de alguma espécie, em que a Justiça intervém com medidas de grau e legitimidade, o que tanto basta à racionalidade.
Ignora-las é tão só irracional e segura cedência ao dogma e à vontade de domínio.