sexta-feira, 13 de novembro de 2015
O teste da "austeridade progressista"
O governo da direita caiu. Evidentemente, não passava pela cabeça dos líderes da coligação PàF que, tendo ganho as eleições, não pudessem governar o país. Muito mais reveladora foi a reacção dos media, com destaque para os jornalistas das televisões, que mandaram às malvas o seu código deontológico sem qualquer pudor ou disfarce. A falta de pluralismo na televisão é um problema que se arrasta há muitos anos. Porém, a viragem à esquerda do PS suscitou uma histeria que ultrapassou tudo o que já tínhamos visto. Recuperar o pluralismo nos media exige uma reforma estrutural que o novo governo – esperando que o bom senso prevaleça em Belém – deve iniciar no imediato, a bem da higiene no espaço público e da saúde da nossa democracia.
A conclusão de um acordo de incidência parlamentar que permita ao PS governar com o apoio da esquerda iluminou o rosto de muitos portugueses. Na expectativa do desanuviamento que se avizinha, é manifesta a alegria que invadiu inúmeras famílias de baixos rendimentos, para não falar dos militantes de base dos partidos da nova maioria e dos cidadãos que sempre sonharam com a “unidade das esquerdas”. Em largos sectores da população, a sensação de beco sem saída que os anos de chumbo da austeridade produziram na sociedade portuguesa, uma verdadeira anomia, está a ser substituída por um sentimento de esperança em melhores dias. Há até sinais de alguma euforia que só não é mais evidente porque ainda não conhecemos a decisão que vai tomar o Presidente da República.
Admitindo que a Constituição da República Portuguesa será respeitada, teremos em breve um governo a braços com uma tarefa muitíssimo pesada: a de virar a página da austeridade através de uma política orçamental que respeite os limites impostos pelas regras da zona euro. Como disse Mário Centeno, o muito provável novo ministro das Finanças, trata-se de seguir a trajectória exigida por Bruxelas, embora a um ritmo mais lento. O modelo dos economistas do PS diz-nos que a nova versão do seu programa mantém o saldo orçamental abaixo dos 3%, uma condição essencial para não despertar a fúria da Comissão Europeia, do Eurogrupo e das agências de rating. Por outro lado, sabe-se que os partidos da nova maioria aceitam rever as suas escolhas orçamentais para acomodar os impactos da crise bancária que se avizinha ou de outros imprevistos. Não acredito que a curto prazo surjam tensões sérias entre os signatários do acordo.
A maior dificuldade que o novo governo terá de enfrentar reside na orientação que Bruxelas dará ao Orçamento português. Admitindo que na actual conjuntura será aceite um deslizamento nas metas do défice, não parece muito difícil alcançá-las se o governo puder executar uma redistribuição dos sacrifícios da austeridade que resulte num aumento do rendimento disponível das classes sociais com maior propensão ao consumo. Contudo, não é seguro que Bruxelas aceite facilmente esta mudança para uma “austeridade progressista”. Importa lembrar que o ordoliberalismo inscrito nos tratados, e na prática da CE e do Eurogrupo, não aceita esta política económica com o argumento de que um crescimento económico apoiado no consumo agrava o desequilíbrio externo através do aumento das importações. Claro que o novo ministro pode sempre contra-argumentar que esse aumento do consumo ocorrerá sobretudo nas classes de rendimentos mais baixos, onde o conteúdo em importações será mais modesto. Mas, dado o enviesamento político dos economistas do eixo Bruxelas-Berlim-Frankfurt, não se espera um acolhimento favorável ao primeiro Orçamento português. Bem pelo contrário.
Acresce o facto de, no âmbito da supervisão dos orçamentos nacionais, a CE estar agora mandatada para exigir a execução de reformas estruturais que, do seu ponto de vista neoliberal, seriam favoráveis ao potencial de crescimento da economia portuguesa. A CE assumiu um compasso de espera nas suas exigências de reformas para favorecer a eleição da PàF mas, surpreendida e desagradada com o volte-face no governo do país, irá certamente voltar à carga com exigências que a esquerda dificilmente poderá aceitar.
Assim, o rumo que o país tomará nos próximos anos vai depender crucialmente da forma como a nova maioria vier a enfrentar o “mau ambiente” em Bruxelas e das escolhas que o governo alemão, com Merkel em baixa e Schäuble em alta, vier a fazer no quadro de uma quebra das exportações alemãs para os chamados países emergentes. Pretenderá recuperar o mercado europeu? Haverá tolerância para uma “austeridade progressista” na periferia?
(O meu artigo no jornal i)
Confesso que ainda não percebi bem o posicionamento de Mário Centeno face à “austeridade progressista” pretendida à esquerda do PS. Mas não me surpreenderia se ainda viesse a ser um novo "Campos e Cunha". Para já parece estar a fazer bem o papel de acalmar as agências de rating e os mercados financeiros, desdobrando-se em contactos.
ResponderEliminarÉ esperar para ver. Com serenidade.
A diferença que fazem uns meses. Eu vejo-me a subscrever quase na íntegra os seus textos e acho que não mudei de opinião. É bom verificar que as pessoas mais à Esquerda aceitam que uma postura gradualista perante a UE merece o seu apoio para já. Talvez o balde de água fria grego, mais do que a proximidade do Poder, tenha sido o fator que realmente despoletou a mudança de atitude. Julgo que há dois aspetos que falta ainda focar. Primeiro, se houver uma mudança política em Espanha catalisada por um Governo das Esquerdas em Portugal, seremos três a bater o pé (com jeitinho) em Bruxelas. Segundo, valeria a pena dar a mão à Alemanha e a Merkel na crise dos refugiados, aumentando a quota de pessoas que nos dispomos a aceitar e defendendo as posições alemãs. Faz-se o que está certo e os Alemães sabem mostrar-se agradecidos quando se lhes dá o jeito...
ResponderEliminarNeste desconcerto de economias europeias, uma coisa esta´ sempre certa – o esticar das débeis economias em favor das economias fortes—Quanto a´ diplomacia ou conduta mais ou menos simpática dos devedores perante os credores, tanto se lhes da´ como se lhes deus – quem deve tem de pagar— e pronto!
ResponderEliminarMas como também tenho de pagar, gostava de saber como foi arranjada esta divida de milhares de milhões. Ora, que se saiba, a maioria dos portugueses não passou de frugais refeições…fritavam os jaquinzinhos 5 vezes no mesmo óleo, não utilizam hotéis de 4 e 5 estrelas, não fazem cruzeiros de luxo nem tem o “el contado” nas BAAMAS A Industria e´ paupérrima, igual para a Agricultura, a pesca esta´ pela hora da morte, e, com um desemprego calamitoso. A banca foi e e´ o que se vê e a trafulhice a grassar na esfera futeboleira. As prisões estão superlotadas. Não há vagas nos hospitais. E, mesmo assim, o pais esta´ de tanga. E lembrar-me-eu que já fomos um “Oásis” e a Terra era de “quem a cultivava”. Fenómenos do Entroncamento?
Políticos e banqueiros açoitados por vendavais de corrupção, Municípios endividados ate´ as enxarcias. Não sei se há etc. e tal…Porque será que querem rejeitar um governo um pouco mais a´ esquerda? Questiono. De Adelino Silva
Estamos melhor do que estivemos. Foi dado um importante passo em frente. Haja confiança e determinação!
ResponderEliminarO grande problema -já muito denunciado- é que os media são Empresas, têm dirigentes, patrões, esses patrões estão do lado de quem lhes satisfaz o bolso, outros aliam essa paixão ao dinheiro à sua filiação ideológica, uns tantos são ainda "fundadores" de toda esta pouca vergonha, tudo isto aliado à precariedade e pressão nas relações laborais para quem deseja fazer carreira na profissão, constitui uma mistura pouco favorecedora a quem quiser trilhar um caminho jornalístico de real imparcialidade. Isso fica tão patente nestes momentos mais agudos e conflituosos, que até nos faz doer e corar de vergonha e espanto.
ResponderEliminar«Recuperar o pluralismo nos media exige uma reforma estrutural que o novo governo – esperando que o bom senso prevaleça em Belém – deve iniciar no imediato, a bem da higiene no espaço público e da saúde da nossa democracia.»
ResponderEliminarReforma estrutural!
Não basta o Diário da República.
Para começar vamos a pôr uns boys na ERC.
Depois vamos às telivisões públicas promover umas alterações.
A seguir vamos às trocas: toma lá o meu boy, toma lá uma campanha publicitária.
E finalmente estruturemos o conjunto com uma comissão de trabalho, mais um observatório, e talvez um Instituti para a Pluralidade.
Bons tempos os dos saneamentos! Dispensava, despesa e uma trabalheira!
Faço lembrar que, mais que ninguem -
ResponderEliminarFoi o PS o grande responsavel pelo --'O grave erro em apostar no setor privado como gatilho do desenvolvimento'.
Foi também o PS responsavel pelas revisoes constitucionais que agora se notam bem.
Foi o PS responsavel pela retençao dos militares nos quarteis.
Foi o PS o maior responsavel pela entrada forçada de Portugal na CEE/UE.
Ah, como eu gostaria de não acreditar neste trecho de Paolo Pieri Pasolini…
“Não acredito que tenhamos mais qualquer forma de sociedade na qual os homens sejam livres. Não se deve esperar por isso. Não se deve ter esperança de nada. Esperança é algo inventado pelos (padres e) políticos para manter o eleitorado feliz”. De Adelino Silva
Oh Adelino andas a ler os pasquins de Março?
ResponderEliminarNão são muito fidedignos. O homem era Pier Paolo Posolini e foi assassinado por Pelosi himself claimed that he had killed Pasolini in self-defence after the latter had attempted to sodomise him with a wooden stick, but after a lengthy trial he was found guilty in 1976 and sentenced to nine years in jail.