Ultimamente, tenho-me apanhado a pensar - até para reduzir a ansiedade - que não se pode responder com tanto ódio ao ódio que se sente em quem critica um governo de esquerda, ou um governo do PS apoiado pela esquerda, ou um parlamento com a maioria de esquerda. E o antídoto que encontro é perguntar-me: "Mas afinal o que propõem eles que se faça?"
Que política gostaria a direita que a esquerda no poder seguisse? Eu gostava de saber. É que não vejo nada de concreto em todas as críticas que surgem. Apenas vejo irritação por a "extrema-esquerda" poder chegar ao poder. Repito: poder chegar ao poder.
É voltar às políticas seguidas desde 2010 e aprofundadas desde 2011? Manter apertado o "enorme aumento de impostos" sobre o trabalho e pensões, as sobretaxas, a tributação verde, enquanto o Governo continua a esconder benefícios fiscais como detectou uma recente auditoria do Tribunal de Contas, que, aliás, repete o que, em 2014, outra já tinha detectado em cerca de mil milhões de euros? É manter todos os cortes nas prestações sociais? Cortar no CSI no RSI, no abono de família? É pugnar por uma "reforma de Estado" que nem a coligação de direita conseguiu fazer, nem mesmo o soundbyte Paulo Portas? É assistir ao agravamento das desigualdades sociais em que o decil mais pobre teve uma quebra de rendimento de 24% enquanto o decil mais rico teve de 8%?! É continuar a viver em estagnação económica continuada e assistir à quotidiana fuga dos mais capacitados para o países do centro europeu?
Mas se não é, o que é?
Ouça-se o grito de revolta de Francisco Assis, com aquela ideia tão mal construída que é a própria negação num só título. "A falsa tese da marginalização política da extrema-esquerda" é a expressão da clara marginalização de tudo o que não seja PS, pois a esquerda à esquerda do PS tem de ser apenas "extrema-esquerda" e, como tal, radical, e como tal, mantida fora do poder. Mas leia-se o artigo e o que se percebe da política a seguir? Nada. Apenas - espante-se! - um regresso ao PREC e ao pós-25 de Novembro... Agora, vai organizar um encontro com militantes que "discordam do rumo que está a ser seguido" para mostrar que "há uma corrente interna crítica e alternativa".
Apenas irritação, medo que assume todas as formas possíveis. Primeiro, era porque se ganhava na secretaria o que se perdera nas eleições. Depois, porque se tornava óbvio que havia uma maioria PARLAMENTAR (ou seja, eleita pelo povo), então virou-se as baterias para o acordo. "Então não há acordo?" "Mas que acordo é esse que ninguém conhece?". E esta vertente ainda corre até dia 9. Finalmente, quando conhecerem o acordo, vai ser: "Então o acordo é isto?" "Com isto, não vão longe!". Até lá, vamos ter uma manifestação de direita, lado a lado com outra da CGTP no dia da apresentação do programa do Governo...
Todo o reboliço é útil para justificar que o país precisa da paz entre PS e o PSD. E tudo está a ser feito nesse sentido. O PR espera que haja deputados socialistas que votem com a direita. Mas se não for assim, vai ser o governo do PS torpedeado pelos próprios socialistas aliados da direita, com um acordo - esse secreto - para renovar o PSD, descartar o CDS e formar uma coligação que devolva a paz ao país.
Mas volto à mesma: Paz para quê? Para levar a cabo que política que não seja "negativa"? Alguém pergunta, alguém sabe?
O que eles querem é o mesmo que quiseram todos os capitalistas burguesas ao longo da longa história do capitalismo: a perpetuação da civilização das desigualdades, em que a Democracia formal - só e apenas formal - não constitui qualquer meio de expressão de uma vontade popular (mesmo que condicionadíssima, como sucede agora nesta barragem ideológica permanente, de 24 horas em cada 24) - mas apenas o tampão que impede qualquer desalinhamento que perturbe a "ordem natural das coisas. Por isso nestes dias, não é só irritação que a direita sente, nem um ódio espumado e indisfarçável: é medo de perder o pé. Quanto ao difícil equilíbrio de PS/BE/CDU, vai ser tão duro como necessário e não me espantarei se um dia virmos o Povo na Rua a defender o que é seu, mas de forma muito determinada, sem vacilações e com essa arma pontiaguda chamada consciência. Eu sei isso e eles também o sabem. É por isso que se contorcem, com comichão num cero sítio, como diz o Povo cá para as minhas bandas.
ResponderEliminar"É preciso é calma."
ResponderEliminarNão se apoquente, "os cães ladram e a caravana passa".
ResponderEliminarApropósito, há uma frase de Marx que me tem últimamente martelado na cabeça (cito de memória): a consciência provém da existência, ou, talvez com mais rigor, "não é a consciência que determina o ser, mas é o ser que determina a consciência". É só ouvir a maioria dos comentadores televisivos para se perceber aonde quero chegar.
Subscrevo o postal, caro JR Almeida.
ResponderEliminarPrimeiro era a “Tradição”, depois era a “peste da extrema-esquerda”, agora é o "Mas que acordo é esse que ninguém conhece?"…
(Outra coisa que os trauliteiros deviam meter naquelas cabeçorras é que os tratados, o 3% do limite do défice, etc. etc., não são assuntos e parâmetros estáticos, pois podem sempre vir a sofrer mudanças.)
Ao ouvir a direita e alguns dos seus “compagnons de route” (Assis, por exemplo), vem-me à memória a célebre frase do Millor Fernandes: democracia é quando eu mando em você, quando você manda em mim é ditadura.
Assis fala naqueles que defendem “um modelo autoritário e colectivista preconizado pelos seguidores da ortodoxia leninista pró-soviética”. Tumba!
Rangel, enquanto espumava, brandia insultos de totalitarismo ao PCP e BE. “O que eles querem é instalar a ditadura do proletariado”. Eh eh eh…
Que estupidez!
Estamos num momento crucial, um verdadeiro teste à existência de democracia: ou é ou não é.
"Que política gostaria a direita que a esquerda no poder seguisse? Eu gostava de saber."
ResponderEliminarA melhor pessoa para lhe responder talvez seja o Francisco Assis.
"Apenas vejo irritação por a "extrema-esquerda" poder chegar ao poder."
ResponderEliminarEssa irritação tem a ver com algumas memórias recentes das consequências da chegada ao poder de governos de "extrema-esquerda" (Grécia, por exemplo) ou das consequências economico-sociais de alguns governos de "extrema-esquerda" (Venezuela ou Cuba, por exemplo). Já para não falar da falta de distanciamento claro de governos de países como a Coreia do Norte, por exemplo.
Temos que considerar como útil e normal. que um partido abrangente , tenha uma "oposição" interna forte, para dar resposta aos simpatizantes e adeptos que podem não concordar com a linha oficial e assim travam as possíveis tentações de se passarem para os do lado.Enquanto tivermos este panorama de eleitores, que votam como se fosse no clube de futebol, vai ser útil/necessário estas "fantochadas" internas.
ResponderEliminarAs oposições liricas e de contra tudo, que os esquerdistas acharam por bem manter , ajudam a criar a imagem de quase fora da democracia burguesa. Positivo noto que agora parece(será desta?) que querem assumir responsabilidades na condução do país e sairem da sua zona de conforto. deus queira que sim
Económica, politica e socialmente prestamos vassalagem ao Imperio através dos seus mandatários para a velha Europa.
ResponderEliminarBem entendido, não posso esquecer que foi na presidência de Mário Soares, acompanhado de Cavaco Silva como chefe do executivo que, sem consulta ao povo português, integraram Portugal no Plano Marshall/ Mercado Comum Europeu -- Quinta coluna do Imperio.
Por isso as minhas dúvidas quanto a´ capacidade de um governo de esquerda em inverter cordelinhos pelos quais serão manobrados. E no entanto fiquei satisfeito com o diálogo encetado para apoiar um governo PS.
Espero que pelo menos melhorem a vida da nossa gente, já que os mandatários da alta finança tudo farão para bloquear iniciativas progressistas.
Desde que não mexam no essencial do neoliberalismo, há possibilidades de um governo a jeito do povo!
A ver vamos…De Adelino Silva
Justiça Social é o que se exige e é aí que as coisas mudam, no conceito de esquerda e de direita. A direita acha que quem tem muito deve contribuir pouco e quem tem pouco deve contribuir muito, porque considera que é mais fácil tirar aos pobres que aos ricos, senão sabem que têm os ricos à perna e levam um chuto no rabo...Os pobres protestam e das duas uma, se forem mansos com meia dúzia de palavras aceitam a situação e vão embora para casa, se forem tesos levam na corneta!...Aqui está a diferença. A direita dá-se muito bem -são unha com carne, são filhos da mesma massa- com os "empreendedores" e com os "financeiros", com os pé-rapado, são mais alérgicos, estes não usam perfumes caros, cheiram mal dos pés e da boca e só dizem banalidades...Que chatice ter que os aturar em todos os períodos eleitorais.
ResponderEliminarFrancisco Assis está muito activo, não estava assim no período de vigência do anterior Governo, porque será?...
ResponderEliminarE eu que o defendi quando lhe queriam acertar o passo em Felgueiras...
A democracia socialista esta´ ao alcance daqueles que a estudam e a desejam. Para a alcançar basta a querer, o resto, que e´ o essencial, vem com luta intelectual convencendo os semelhantes.
ResponderEliminarEstamos num cruzamento sem semáforos ou sinaleiros e mal conhecemos o código, dai o perigo de acidente.
Nesta via corre-se o risco de desvios desconhecidos e curvas não assinaladas.
A democracia socialista parece estar aí a´ mão de semear…
E no entanto falta muito para a alcançar.
A verificação desta dificuldade histórica foi contundente no 25 de Abril74 – derrubar o poder foi canja mas assumir a democracia socialista foi como se viu…
Não nos devemos iludir com a presente maioria de esquerda, ainda que já tivéssemos no passado recente a mesma maioria…sabemos bem em que deu tais maiorias no parlamento sem a participação das organizações sociais.
E´ tempo das camadas mais jovens se organizarem em volta das esquerdas, tendo em vista o progresso político, económico e social das populações. Sem ressentimentos nostálgicos!
De Adelino Silva
O Costa vai borregar?
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