quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Bater no fundo também é isto


Cavaco Silva, 13 de Maio de 2013: «Eu penso [no fim da sétima avaliação] como uma inspiração - como já a minha mulher disse várias vezes - da nossa Senhora de Fátima, do 13 de Maio». Para desejar, dois dias depois, «que um São Jorge qualquer nos diga que os tempos futuros serão melhores. De mais felicidade, de mais bem-estar para a nossa população».
Passos Coelho, numa visita a um lar de idosos, em plena campanha eleitoral, exibe um terço que lhe foi oferecido, assegurando que o manterá no bolso até «chegar a casa na sexta-feira». O mote para o gesto fora dado por um jornalista: «tem fé nos resultados?».
Assunção Cristas, já depois das eleições, discorre sobre as razões que a levaram a entrar na política activa: «inspirei-me em Jesus, que nunca teve medo de se meter com gente pouco recomendável» (como se para Jesus existisse «gente pouco recomendável»). E revela que recorre sempre ao Espírito Santo quando fala em público, para que este lhe dê as palavras que cheguem ao coração de quem a ouve.
Calvão da Silva, confrontado com os efeitos das inundações de domingo em Albufeira, recusa a ideia de se ter tratado de «um acto de Deus», de um «act of God» para os ingleses, segundo o ministro - ou Opus Dei, numa formulação mais erudita - mas sim o resultado da «fúria demoníaca da Natureza». Para acrescentar, apesar dessa leitura, que «Deus nem sempre é amigo [e que] de vez em quando nos dá uns períodos de provação».

A questão não está, como é óbvio, nas crenças de cada um. Nem sequer no alinhamento por visões e concepções do Velho Testamento, que a própria Igreja Católica já há muito abandonou ou relativizou. O problema é mesmo a total falta de senso e de sentido de Estado, a par do despudor - que suponho incomode muitos católicos - com que esta espécie de direita Tea Party chico-esperta instrumentaliza a religião para fins políticos.

11 comentários:

  1. Também o Rangel a escrever sobre Cristo, o político

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  2. Se a política exprime ideologia, quem se tem por religioso deve cuidar de não exprimir a ideia?
    Se a política é confronto ideológico, é a noção de religião a ideia proscrita da política?
    Pode o autor elaborar um pouco mais?

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  3. Sim José, posso elaborar um pouco mais.
    Deixo-o com o comentário irónico de um insuspeito Ângelo Correia à súbita conversão do primeiro-ministro: http://www.dn.pt/politica/interior/angelo-correia-e-o-crucifixo-de-passos-bom-sinal-nunca-e-tarde-para-alguem-se-converter-4810725.html

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  4. Essa é boa: tal como Jesus (e o Espírito Santo), Nós-os-Bons também sem medo dos pouco recomendáveis!
    A direita Tea Party deve certamente ter ouvido falar da analogia de Marx: a religião é o ópio do povo. Uma razão suficientemente forte para a sua instrumentalização.

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  5. O pior e´ que a religião esta´ ca´ pronta para o que que for preciso, prontinha, para defender os ricos dos pobres, para servir a realeza no poder.
    Bem sabemos os custos em vidas humanas que o povo teve de suportar para que não saísse da cepa torta., para que estes senhores amantes do alheio se lembrem das suas joias queridas que os ajudam a manter-se no poder abençoados por Deus destruindo a natureza.
    Abusam do poder, roubam descaradamente e ainda lhes pagam pensões chorudas e para umas migalhas aos pobres chateiam que se farta. Tudo em nome do espirito santo!
    Mas cuidado…não há testamentos velhos ou novos que cuidem dos mais enfraquecidos!
    Os velhos e novos testamentos são sequentes
    Tratam ambos de sempre salvar o mais rico, o mais forte, possivelmente o que mais engana.
    Sem mais de o “Catraio” respeitosamente

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  6. "o resultado da «fúria demoníaca da Natureza». Para acrescentar, apesar dessa leitura, que «Deus [que] nem sempre é amigo [e que] de vez em quando nos dá uns períodos de provação».

    Este Calvão até tem alguma razão, por isso os temos -a ele inclusivé- ainda no Poder.

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  7. Ficamos -escutando esta confidência- sem saber se a Natureza foi "construída" pelo Demónio, se por Deus e até achamos que o Teísta Calvão também não sabe, ou pelo menos, não tem a certeza. Isso -essa indefinição moral- terá que ter consequências ao nível das Instituições onde ele se movimenta...

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  8. Bem visto por Nuno Serra numa sugestão mais erudita.
    Tratou-se, efectivamente, das declarações de um membro da Opus Dei, reunindo o transcendente e o capital no mesmo interesse. Confere.

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  9. Se a Natureza foi obra de Deus e o Diabo também, tudo o que ele e ela fazem, são fruto de Deus e apenas Deus é responsável pelos seus actos menos humanos e adequados...Se o Bem e o Mal são construções Divinas, então não poderemos deixar de considerar que Deus é ambivalente e tanto nos presenteia com um, como com outro. Sem grandes reflexões filosóficas.
    Se o homem é capaz de fazer tudo o que já pudemos observar, então estamos conversados.

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  10. Porque perdi a fé em Deus, fundamento de qualquer religião, não deixei de saber reconhecer o sentimento religioso.
    Por isso, possso bem compreender os esquerdalhos e sua religião fundada na fé no 'homem novo', essa transfiguração do homem, não por inspiração em Deus, mas por inspiração em doutrinas fundadas em falaciosas injunções que negam a natureza do homem onde a religião só busca condicioná-la pelas noções de pecado e virtude.

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  11. O "homem novo" tal como o Zé o vê, é o prototipo do próprio Zé!...Isto é, coisa feia...Como ele perdeu a fé em Deus deve ter ganho a fé em Passos Coelho!...Passos Coelho, o novo criador do Universo. E o Espírito Santo, é o Salgado. Paulo Portas é o São Paulo.

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