terça-feira, 13 de outubro de 2015

Um terreno minado por todos os lados


Ao surgir como actor incontornável de qualquer solução governativa, o PS parece ter sabido transformar uma derrota eleitoral numa vitória política. No entanto, quem julga que os socialistas estão numa posição negocial confortável, desengane-se.

Nas negociações com a direita, dá a entender que o PS conseguiu quase tudo. As direcções do PSD e do CDS mostram-se disponíveis para acolher as principais bandeiras eleitorais dos socialistas: redução do IVA da restauração, maior celeridade na reposição dos salários da função pública e na eliminação da sobretaxa do IRS, recusa do plafonamento da segurança social e defesa da diversificação das fontes de financiamento, recusa do cheque-ensino, reposição dos feriados civis, entre outras. Depois de ter acusado o PS de ter um programa irresponsável e demagógico, os partidos da direita acabam por reconhecer que existem mesmo alternativas à sua própria governação.

Também nas negociações à esquerda o PS parece ter conseguido o impossível. PCP e BE passaram grande parte da campanha eleitoral a distanciar-se do PS, enfatizando as semelhanças entre o programa socialista e as orientações fundamentais da direita. Agora parecem estar dispostos a pôr de lado a oposição de sempre às regras orçamentais europeias e a exigência de reestruturação da dívida, em nome de uma solução que retire a direita do poder.

No entanto, há muito por esclarecer.

Apesar da sua aparente conversão às alternativas, PSD e CDS lá vão dizendo que aceitam tudo para continuar no governo, desde que não seja posto em causa o limite de 3% do PIB para o défice orçamental. Os jornais e os comentadores acreditam que há aqui espaço para aproximar posições, uma vez que até agora o objectivo do governo era atingir um défice de 1,8% em 2016. Acontece que o FMI prevê que o défice seja de 2,8% (e não de 1,8%), isto num cenário relativamente optimista para a economia mundial. A ser assim, a margem de negociação fica reduzida, na melhor das hipóteses, a 0,2%.

E se os cenários menos optimistas dos que os do FMI (aqueles que prevêem uma desaceleração acentuada do crescimento económico global em 2016) se concretizarem? Nesse caso, as finanças públicas irão degradar-se ainda mais e o cumprimento das metas vai exigir novas medidas de austeridade. E o que fará o PS se estiver na oposição? Se aceitar essas medidas, será acusado de compactuar com a austeridade (o que disse que não faria); se não as aceitar e forçar a queda do governo, será acusado de querer desrespeitar as regras europeias (o que também disse que não queria).

Os riscos das soluções à esquerda não são menores. Mesmo que PCP e BE reduzam ao mínimo as suas condições para viabilização de um governo do PS, caso a situação económica se degrade essas condições vão contribuir para colocar as metas orçamentais em risco. Nesse caso, o PS terá de optar entre regressar à austeridade ou desrespeitar os “compromissos europeus”. E se o PS se decidir pela a austeridade, que farão PCP e BE: deixar-se-ão co-responsabilizar pela adopção de políticas austeritárias (destruindo o espaço político que ocuparam nos últimos anos) ou retirarão o tapete ao PS (sendo responsabilizados pela instabilidade política)?

Ou seja, na perspectiva do PS, o sucesso de qualquer das possíveis soluções negociais depende crucialmente da evolução da economia nos próximos anos (o mesmo se aplica ao PCP e ao BE na solução de governo do PS). Alguns observadores atentos afirmam que estamos já a caminho de uma recessão económica mundial. A quebra recente das exportações alemãs é um mau prenúncio para o que se passará na Europa. Num contexto destes, a política mais acertada consistiria em adiar o esforço de consolidação orçamental até que o crescimento económico regresse de forma robusta. Mas nada indica que as lideranças europeias estejam disponíveis para mandar às malvas as regras orçamentas absurdas que insistem em aprovar e fazer cumprir. E não é nada claro que o PS esteja disponível para o fazer à revelia das lideranças europeias, tendo em conta o que tem vindo a afirmar.

O PS e os partidos à sua esquerda marcaram muitos pontos na última semana, mas ainda é muito cedo para fazer a festa. A viabilização de uma alternativa duradoura à governação de direita ainda vai exigir muito destes partidos, mais do que os passos corajosos que já foram capazes de dar.

21 comentários:

  1. Há uma coisa de que não tenho dúvidas, mesmo com as muitas aspas e sem infantilizar o discurso: entre a minha casa governada por mim o8u governada pelo meu vizinho, prefiro ser eu a governá-la. As dificuldades serão idênticas e os problemas não desaparecerão, mas no momento de fazer escolhas difíceis (entre opções, ou seja, entre alternativas e não conjuntivas), será a minha ponderação de interesses e não a do meu vizinho que estrão presentes e determinarão o sentido decisório. Do mesmo modo e não por acaso, do outro lado da barricada, a direita apressa-se a encostar-se e a utilizar todas as armas - e que são imensas, desde a comunicação social toda, comentadores da treta, ameaças, chantagem, bolsas que descem e sobem ao ritmo da puta que os pariu (e não me censurem o comentário porque aqui e como diria o Miguel Esteves Cardoso, só o vernáculo era possível) - para serem eles e não os outros, a determinarem o sentido do que houver de ser decidido. O momento é histórico e exige coragem, mas é uma coragem que abre portas de esperança e isso sabemo-lo sem qualquer dúvida. Oxalá, ninguém falte à chamada.

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  2. "desde que não seja posto em causa o limite de 3% do PIB para o défice orçamental."

    Fez muito bem em sublinhar esta frase porque é precisamente neste ponto, e só neste ponto, que está o busílis da questão. Ao oferecer tudo o resto (ou parecer que oferece), a Coligação está a tentar remover o "nevoeiro" e focar o (único) ponto que "assusta" efectivamente os eleitores do centro (inclusivamente dentro do PS).

    Depois do que foi dito na noite eleitoral, ninguém estava à espera que surgissem dificuldades à esquerda por causa da NATO (?!), do Euro ou do Tratado (em abstrato). Mas podem surgir dificuldades em concreto na negociação com o PS acerca deste ponto aparentemente tão simples. Daí que a única questão que deve ser colocada ao PS é: até onde está disposto a ir (medidas de austeridade) para assegurar o limite de 3% do PIB para o défice orçamental? Bem podem falar em alternativa de crescimento mas isso não funciona para o défice deste ano.
    Se fugirem a esta questão e forem governo com o PCP e o BE correm o risco de:
    - Não ter apoio para cumprir o limite caso sejam "necessárias" medidas de austeridade; OU
    - Pura e simplesmente não cumprirem o limite (melhor dito, não tomarem medidas que aos olhos da UE, repito, aos olhos da UE, sejam vistas como uma tentativa "sincera" de cumprir as metas).

    Para ser sério o PS não devia avançar para qualquer uma das alternativas sem clarificar devidamente este ponto. O resto é tudo negociável (pelo menos aparentemente).

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    1. Foi dito q se advinha uma recessão na Europa e q a ecónomia Alemã está a dar sinais recessivos. Vão cumprir o deficite a q tb estão obrigados? E, em consequência, em França, a Holanda, a Itália, a Espanha, etc., vão cumprir?

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    2. Foi dito q se advinha uma recessão na Europa e q a ecónomia Alemã está a dar sinais recessivos. Vão cumprir o deficite a q tb estão obrigados? E, em consequência, em França, a Holanda, a Itália, a Espanha, etc., vão cumprir?

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  3. Concordo com a análise de P.M., mas há um factor que poderá fazer toda a diferença para o PS:Se deixar passar um governo PSD/CDS, será sempre corresponsável por as coisas correrem mal sem poder interferir.
    Se o governo for PS poderá pelo menos ter possibilidade de controlar os danos.
    Parece-me evidente qual a melhor opção

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  4. (continuação do meu comentário anterior)
    Caro Ricardo Paes Mamede,
    gostava de lhe dirigir uma pergunta relacionada com a frase que sublinhou no seu post.

    Para mim é claro que:
    - A Coligação não hesitará em recorrer (novas) a medidas de austeridade para cumprir o limite de 3% do défice este ano;
    - O PCP+BE não admitirão medidas de austeridade para cumprir o limite de 3% do défice este ano;

    A pergunta é então:
    Se chegados a Dezembro for claro que não é possível cumprir o limite dos 3% e o PS for governo, qual acha que vai ser a posição do PS (não estou a falar da posição que o Ricardo considera ser a mais correcta mas a posição que o PS adoptará):
    - Adoptar medidas de austeridade para cumprir o limite de 3% do défice este ano OU
    - Permitir, em última análise, que o limite seja ultrapassado?

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  5. Sendo total o desarranjo da política orçamental que necessáriamente sairá desta charada montada para salvar o coiro do Costa e sus muchachos, a única dúvida que preocupa os partidos é quem saírá em posição favorável para as próximas eleições.

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  6. Os 3% não são atingíveis este ano, seja com que medidas forem.
    E é sempre bom lembrar de onde vem esse místico 3: segundo o seu criador é um número bonito que aparenta credibilidade, e mais nada.

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  7. Qualquer política económica que ignore a realidade está voltada ao fracasso. Mas tanto na direita como na esquerda fazem-se esforços enormes para ignorar a realidade de que um crescimento económico sustentado, a tal ponto de criar emprego estável, já não é factível. Em primeiro lugar num mundo globalizado, que ainda o vai ser mais com o TTIP, a lei da oferta e a procura faz com que os soldos nos países europeus diminuam. Em segundo lugar ao diminuir a riqueza das classes baixas e médias dos tais países, o consumo também diminui, e como consequência o PIB também diminui. I.e. o sistema deseja consumidores, mas não quer fornecer-lhes dinheiros para que consumam. Se se aplicar políticas neokeynesianas, o que se faz é aumentar as dívidas e aumentar o deficit comercial com os países asiáticos. Se se aplicar políticas de austeridade o consumo interno diminui, e com ele o PIB e mais a dívida pública, como já se viu.
    Por outro lado também há que contar com os efeitos no emprego da automatização, cada vez mais abrangente, e dos limites biofísicos da Terra. Poucos economistas conhecidos têm uma visão abrangente do que se está a passar. De facto eu apenas conheço um, o James K. Galbraith, de quem recomendo vivamente o seu último livro: The End of Normal: The Great Crisis and the Future of Growth. Não que ofereça muita soluções, mas quando menos aponta as não soluções.

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    1. "e ainda vai ser mais com o ttip" e porque assinar o ttip? o leak do tpp confirma todos os medos de quem ha anos defede que um tratado negociado em secreto sob o auspicio das multinacionais, so beneficiara a estas, em deterimento da soberania ebbem estar das populacoes. porque assinalo? alias, assinar esse acordo draconiano e leonino, devera constituir crime de lesa patria! (7 anos de prisao?)

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  8. O José acha que mais de 60 % dos votos numa Democracia Parlamentar é uma "charada" montada para salvar o coiro a alguém, LOL. Pergunto-me se ao menos sabe o significado de "charada"? Parece que não!

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  9. José Luís Moreira dos Santos13 de outubro de 2015 às 20:29

    Francamente, por estes dias sou fã de Costa, dado que me parece que interiorizou com valentia o lugar que toda a direita - digo toda para integrar a do PS - lhe quis reservar. Ademais, logo ele, e talvez um ou outro dos seus mais leais apoiantes, percebeu que fosse como fosse, correndo todos e quaisquer riscos, só se ligará à direita se a tanto obrigado pelo seu partido, pois correrá sempre o risco de perder sempre.E por que? Porque há um padrão de compreensão estabelecido pela direita e seus papagaios, de que uma força politica que partiu para as eleições com cerca de 54% de votos e 132 deputados, tendo perdido uns 700 mil votos, mais de 20 deputados e uma percentagem superior a 16%, ganhou as eleições. Esse padrão de entendimento visa esconder que apenas cortou a meta em primeiro lugar, mas que está completa e inequivocamente dependente do recurso ao oxigénio que o PS, A.C., estiver disposto a dar-lhe pelo método boca-a-boca. Isso quer dizer que muitas artimanhas se prepararão para que Costa, a certo passo de um sempre curto percurso, seja confrontado com uma situação do tudo ou nada. Levado, então, a uma simples recusa, tudo se desmoronará como um quartel de cartas, e A.C. não só sai esmagado da contenda amigável que muitos desejam, como virá a ser acusado de espatifar o PS em tantos bocados como de covas de lobo que por lá há. Sobre as vantagens de uma aliança à esquerda, na fase ou situação politica actual, se a esquerda não for capaz de fazer como Husserl, por entre parentes alguns dos seus objectivos de cariz marcadamente ideológicos, os quais têm mais permanente, ficará sem espaço para não mais que uma sobrevivência moldada pelo arrependimento lustrado de hipocrisia. Não, não sou contribuinte para a grandeza do PS, vivo outros ambientes da esquerda, mas como me repugna na politica a luta irracional pelo poder, que sempre leva a maus resultados, acredito que à esquerda do PS mora gente que sabe muito bem avaliar o momento histórico que vivemos. A economia, por um lado é uma ciência, por outro o caldo amadurecido de uma oportunidade. Vamos ter calma, pois os inimigos da solução de esquerda têm muitos recursos, sobretudo propagando/discursivo para usar, mas já gastaram uma boa dose em foguetaria barolhenta, sem grande eficácia.
    José Luís Moreira dos Santos

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  10. Concordo com o João, se tiver que haver esforços a realizar prefiro ser eu a decidir onde os vou fazer e não que seja guiado pelo meu vizinho do lado. O importante, o mais importante, é travar esta derrapagem à Direita e este momento é crucial para poder inverter o rumo.
    A Direita não pode acusar qualquer outro Governo de fazer austeridade, mais do que eles fizeram, é absolutamente impossível.
    A garantia de que todos os Direitos se mantêm inalterados e se pretendem consolidados é um caminho possível num primeiro momento.
    No Poder é que vamos ter conhecimento da realidade existente e não acredito em metade das histórias que a Direita nos tem vindo a contar...Lá, no local exacto, vamos saber finalmente o estado do verdadeiro Estado do País.

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  11. Acho a sua análise muito lúcida.
    Mas o PCP e o BE vão fazer tudo para que o acordo com o PS dure 4 anos; quebrar o acordo seria um suicídio, e eles sabem-no bem. Pelo que, aconteça o que acontecer, aposto que dura uma legislatura.
    O PS, por seu lado, já percebeu que esse acordo com o PCP e o BE é a sua única chance de sobrevivência. Parece-me claro que se o PS se deixasse "encostar" à direita, arriscava-se a desaparecer nas próximas eleições.

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  12. “A viabilização de uma alternativa duradoura à governação de direita ainda vai exigir muito destes partidos”

    Sem dúvida que sim, e exige-se responsabilidade e confiança. Penso que a maioria das pessoas não quer é ser ludibriada, tratada como indigente, como tem acontecido nos tempos mais recentes. Haverá sempre jogos em simultâneo, prioridades de agenda … O que nunca se pode perder de vista, são as boas ideias, as que podem defender a maioria, como essa que exemplifica o Ricardo: adiar o esforço de consolidação orçamental.
    Subscrevo também o que disse o João.

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  13. "Os 3% não são atingíveis este ano, seja com que medidas forem.
    E é sempre bom lembrar de onde vem esse místico 3: segundo o seu criador é um número bonito que aparenta credibilidade, e mais nada."

    Caro Paulo Marques,

    Sem discordar ou concordar com o que afirma, se for esse o entendimento do PS então a escolha (do PS) é simples e clara: governo minoritário apoiado pelo PCP e BE. Caso contrário deve viabilizar (não falo sequer de apoiar) um governo da Coligação.

    Mas a questão mantém-se: Independentemente da sua (ou da minha opinião) é esse o entendimento do PS?

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  14. "Mas o PCP e o BE vão fazer tudo para que o acordo com o PS dure 4 anos; quebrar o acordo seria um suicídio, e eles sabem-no bem. Pelo que, aconteça o que acontecer, aposto que dura uma legislatura."

    Basta o PS querer aprovar uma qualquer medida que possa ser classificada como "austeritária", para cumprir os compromissos europeus a que se vinculou e que afirma querer cumprir na integra, e o apoio desaparece. Há quem ache que não serão nunca necessárias quaisquer medidas "austeritárias", que haverá sempre uma alternativa, que o crescimento vai eliminar essa necessidade, que a leitura inteligente dos tratados e a flexibilidade dos parceiros vai relaxar os constrangimentos, ...
    A esses sugeria que conversassem primeiro com o Syriza.

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  15. Estas eleições parecem estar a clarificar uma questão:

    Formar coligações pré-eleitorais não tem qualquer interesse ou valor, o que interessa é a soma dos mandatos parlamentares que pode ou não constituir uma maioria. Julgo que assistimos ao fim das coligações pré-eleitorais enquanto instrumento político.

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  16. "Líder do PS fala com líderes europeus da família socialista e já dá entrevistas para tranquilizar investidores e mercados" (http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=4832791)

    Tranquilizar investidores e mercados?! Para quê? O PS não se deixa intimidar pelos mercados!

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  17. Depois de investidores e mercados ...

    "Costa reúne-se com embaixadores da União Europeia"
    A reunião, segundo fonte do Expresso, “servirá sobretudo para acalmar o nervosismo que vai nas chancelarias”.
    “A Europa pode ficar descansada. O PS não é o Syriza.”
    http://expresso.sapo.pt/politica/2015-10-13-Costa-reune-se-com-embaixadores-da-Uniao-Europeia

    Não percebo para quê tanta reunião. Um governo minoritário do PS com o apoio do PCP e do BE não tem nada de especial. É absolutamente normal. "O PS não é o Syriza”.
    Só os ultra-neo-liberais da direita portuguesa é que não vêem isso.

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  18. O espantoso é que é dentro do PS que existe maior reacção negativa a um Governo PS apoiado pela esquerda PCP/BE...O que nem admira, porque a reacção a políticas de esquerda, sempre foi uma característica de muitos "cavalheiros" Socialistas...Eurico Brilhante, Marçal Grilo, Carlos Silva, Francisco Assis...

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