Luís Filipe Pereira, um polémico ministro da Saúde dos governos de Durão Barroso e Santana Lopes, actual presidente do Conselho Económico e Social, deu uma importante entrevista em que fala da necessidade de aumentar o salário mínimo nacional (SMN).
Mas teve mais uma vez um deslize. Um pequeno grande deslize, aliás partilhado pela coligação da direita e que se baseia num falso lugar comum. Diz-se: não se pode aumentar muito o SMN, porque há micro e pequenas empresas ou sectores mão-de-obra intensivos que não suportam esse aumento...
Este tipo de afirmações é feito sem contas por detrás, sem estudos de impacto. São apenas pensamentos vagos, pobres e preguiçosos sobre o que realmente se passa em Portugal. Uma preguiça muito conveniente que tem colado muito bem com a actual política de desvalorização interna, no sentido de um empobrecimento rápido e duradouro da população.
O Observatório sobre Crises e Alternativas elaborou um documento sobre o impacto do aumento do salário mínimo com base nos valores MAIS ACTUAIS, referentes aos Quadros de Pessoal de 2012. Os Quadros de Pessoal são a base de dados mais exaustiva que existe de informação sobre pessoal ao serviço, prestada pelas próprias empresas.
E a conclusão que se retira é a de que, mesmo que "se o SMN tivesse aumentado para 505 euros logo em 2012, esse aumento abrangeria mais 7,2% dos trabalhadores por conta de outrem, a tempo completo e com remuneração completa. Estes sentiriam globalmente um aumento médio do seu rendimento de 3%. Mas esse aumento apenas significaria uma subida de 0,36% da massa salarial nacional". Isso porque o peso salarial de quem recebe os mais baixos salários representa apenas uma pequena parte da massa salarial.
Mas volte-se ao deslize. O que acontece em dois casos:
1) em pequenas empresas;
2) em empresas trabalho intensivas.
1) Dimensão de empresa: Um aumento do SMN para 505 euros logo em 2012 abrangeria 40,7% dos trabalhadores das microempresas, 24,1% das empresas entre 10 e 49 pessoas e 19,1% das empresas entre 50 e 249 pessoas, mas também 10,4% dos trabalhadores das empresas com mais de mil trabalhadores. Mas... o seu peso na massa salarial seria de 0,9% das microempresas, de 0,4% nas empresas entre 10 e 49 trabalhadores, de 0,27%nas empresas entre 50 e 249 pessoas. E nas maiores, seria de 0,16%!! Mesmo um aumento para 532 euros - que representaria o valor em 2012 correspondente ao aumento acordado em 2007 e não cumprido, abrangeria - veja-se só! - 47% do pessoal das microempresas, 31% das empresas entre 10 a 49 pessoas, 26% das empresas entre 50 e 249 pessoas e mesmo 17% das empresas com mais mil pessoas. Mas - pasme-se! - a massa salarial aumentaria APENAS 2,4% nas microempresas, 1,2% nas empresas entre 10 e 49 pessoas, 0,8%nas empresas entre 50 e 249 pessoas e 0,4% nas empresas com mais de mil pessoas....
1) Sectores trabalho-intensivos: O sector do vestuário, por exemplo, tinha em 2012 uma estrutura salarial tal que um aumento do SMN para 505 euros abrangeria três quartos dos seus trabalhadores. No comércio, por exemplo, esse aumento abrangeria 27% dos trabalhadores. Agora veja-se o que aconteceria. Mesmo nesses sectores, um aumento para 505 euros representaria um aumento da massa salarial em 2,1% no sector do vestuário e de 0,5% no comércio!! Mesmo se aumentasse logo em 2012 para 532 euros, esse aumento representaria 2,2% da massa salarial no sector do vestuário. Mas nesses dois sectores o aumento salarial representaria uma subida de 3% no rendimento desses trabalhadores!!
Este trabalho pode ser alargado para outras indústrias. Veja no caso de aumento para 505 euros em 2012:
1) indústrias alimentares - 36% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 2,6%;
2) indústrias têxteis - 54% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 1,1%;
3) indústrias mobiliário - 46% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 1%;
4) construção - 26% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 0,44%;
5) reparação automóvel - 23,5% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 0,4%;
6) comércio grossista -16,5% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 0,2%;
7) restauração - 39% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 1,1%;
8) apoio social - 30% da mão-de-obra beneficiaria do aumento do SMN, mas o seu impacto na massa salarial do sector seria de 0,7%;
Esta era a importância da realização de estudos de impacto que deixaram de ser feitos desde 2007. Via-se tudo muito mais claramente. E não estas ideias preguiçosas que colam em lugares comuns da direita que levam tanto tempo a desmistificar...
preocupam-se muito com os salários mínimos, mas nunca vejo políticos de direita ou empresários preocupados com os custos de contexto, designadamente das energias, exigindo-as mais baixas, qando em muitos casos poderiam poupar na ordem dos dois dígitos e não na do cagagésimos. Procupa-os mais o que o funcionário leva a mais para casa que os milhares que vão para o bolso das energéticas e seus accionistas.
ResponderEliminarA teoria é de que depois tinham que aumentar o ordenado dos restantes para repor a diferenciação. Evidentemente, é uma desculpa esfarrapada de quem quer mascarar a luta de classes, mas não deixa de alterar os números.
ResponderEliminarCaro Nighwish,
ResponderEliminarÉ verdade. Esse é um argumento que deve ser tomado em consideração e sobre o qual devem ser feitos cálculos mais precisos. Mas à medida que os salários sobem, o impacto do aumento do SMN na estrutura salarial deve ser menor. Portanto, o seu impacto nunca seria uniforme e, por isso, muito significativo. Mas sim há que fazer contas indirectas ao impacto.
E não seria necessário repor a diferenciação? Não entendo porque é uma "desculpa esfarrapada".
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