quarta-feira, 20 de maio de 2015

Escrever sobre a Grécia não é fácil...

Ao contrário do que por vezes corre em círculos europeístas, que desgraçadamente ainda dominam entre a intelectualidade de esquerda, as elites do poder europeu não estão loucas. Pelo contrário, sabem bem o que estão a fazer e têm os instrumentos necessários para levar a sua avante, como aqui tenho defendido. Só avaliando bem a racionalidade dos adversários e as suas estruturas, caso do euro, é que se pode esperar conseguir alguma coisa.

Um dos mais prováveis sucessos das elites é o de terem conseguido impedir a exportação do modelo do Syriza para Espanha, já que estou convencido que o declínio do Podemos nas sondagens também se deve aos desenvolvimentos gregos. A Grécia só pode contar consigo. Graças a uma operação que envolveu uma pressão continuada, do BCE à CE, para desestabilizar financeiramente a economia grega, incluindo por via da promoção da fuga de capitais, a situação é mais difícil hoje do que era no início em termos da relação de forças com os credores. Aparentemente, o novo governo grego não estava preparado para este nível de hostilidade e não tinha instrumentos para lhe fazer face, caso dos controlos de capitais.

A mensagem do centro foi e é clara e os povos estão a escutá-la, dado que as pessoas não são parvas: toda a desobediência, por mais moderada e europeísta que seja, será punida e toda a obediência terá o seu prémio, por pequeno que este seja e obtido depois de muito sofrimento assimétrico e evitável, até por via do alívio das condições financeiras. A moeda é uma arma do soberano. Como responderão os povos a isto? A resposta não é independente da posição das forças nos terrenos que contam e que são os nacionais.

Entretanto, o governo grego conseguirá, provavelmente, o tal acordo que o manterá financeiramente à tona de água, mas a sua capacidade de mobilização e inspiração internacionais parece ter diminuído. Para mobilizar e inspirar é preciso ter instrumentos e usá-los. Nada está ainda perdido, claro, mas o seu programa original de reestruturação da dívida no interesse do devedor no quadro euro não tem viabilidade e hoje tem ainda menos do que a pouca que tinha quando o governo tomou posse. Não se ganhou tempo. A natureza do cerco é clara e os seus efeitos a prazo nas corajosas linhas vermelhas que persistem também, sendo esta a aposta mais racional das elites do poder europeu. Não estão loucas.

Sabendo nós que a hostilidade da elite do poder europeu tem feito mossa nas convicções europeístas de uma maioria da direcção do Syriza que esperava ter mais margem de manobra, tornam-se salientes duas questões que reverberam para lá da Grécia: qual será a prazo, curto e médio, o efeito disto e haverá condições para alterar a linha? É que os termos há muito que estão claros: ruptura ou rendição.

7 comentários:

  1. Até estou de acordo com muito do post, mas é desacertado dizer que as “elites” – e aqui, quero crer que como o João Rodrigues, me refiro à oligarquia económica e seus procuradores políticos e não à versão podemosiana equivocada e iludida da “casta” política – tenham conseguido impedir a exportação do modelo do Syriza para Espanha.

    O Syriza tem menos consistência do que parece, bem notória na inconsequência da orientação e nas contradições das várias sensibilidades e correntes no seu interior, mas associar essa versão volúvel e descafeinada que é o Podemos com o projeto, reformista mas sério, do Syriza é quase anedótico. Pouco os associa, salvo a novidade da irrupção expressiva na cena política e o, de alguma forma, terem sido efetivamente, com mérito, o veículo de expressão e de representação política da insatisfação com as políticas de austeridade. Também os uniu alguma cagança e algumas fanfarronadas iniciais – quem não se lembra do First we take Manhattan, then we take Berlin? – que o bom senso, senão a modéstia, aconselhariam a ter evitado, mas a vida e a dureza dos combates encarregam-se de destruir muitas ilusões. De resto têm origens, natureza, organização, estrutura, ativismo, ideologia e programa bastante diferentes.

    Aliás, os observadores atentos da realidade do Podemos, menos atreitos a deixar-se levar por modas, já tinham percebido que o momento de viragem, a saturação e o declínio nas sondagens, começou antes da chegada do Syriza ao governo, mais ou menos na passagem de novembro para dezembro do ano passado.

    Um gráfico elucidativo, que faz a média (móvel de 15 dias) de todas as sondagens da intenção de voto legislativo no Podemos, infelizmente não completamente atualizado, pode ser encontrado aqui:

    http://en.wikipedia.org/wiki/Opinion_polling_for_the_Spanish_general_election,_2015#/media/File:ElectionMonthlyAverageGraphSpain2015.png

    ResponderEliminar
  2. O que mais saúdo neste artigo é mesmo o de se começar a ouvir um discurso de "os credores e os executores não são loucos nem incompetentes, eles sabem muito bem o que fazem".

    Já agora, para quando a colecta de textos escolhidos sobre a forma de tomo para aquisição na livraria mais próxima?

    ResponderEliminar
  3. A moeda livre de constrangimentos- do agrado dos interesses hegemónicos- à escala europeia não passará como não passou no Chipre, não vai passar na Grécia: antes de acabar na re-nacionalização o que se joga na Grécia acabará por ser decisivo - se a violência da moeda for extremada a resposta nacionalista acabará por se impor em que condições só a luta social o dirá.Se a consolidação do euro prescindir das periferias isso quererá dizer que prescindiu da igualdade entre as nações um caminho já aberto pelos populismos de extrema -direiata e fascismos emergentes no seu interior.

    ResponderEliminar
  4. para o rui tavares é fácil. antes amava o dimar. como o siriza ganhou passou a gostar do siriza.
    em portugal é o mesmo. como percebeu que o ps já não ganha, para lhe garantir um pézinho no conselho de ministros, passou a fingir que não está de acordo com tudo do ps. já o daniel fica a fazer bluff para chegar a acordo antes do cair do pôr do sol.

    ResponderEliminar
  5. É fácil escrever sobre a Gtécia:
    à balda da direita não se seguirá a balda da esquerda!

    ResponderEliminar
  6. Um texto estimulante, que convoca a inteligência de quem o lê, independentemente da concordância ou não com todo o seu conteúdo. E que aponta para a complexidade da presente situação, permitindo-me sublinhar duas frases lapidares:

    -"os credores e os executores não são loucos nem incompetentes, eles sabem muito bem o que fazem" ( já citada por R.B NorTor)
    -"É que os termos há muito que estão claros: ruptura ou rendição."


    (Um texto que ainda faz mais sobressair, pela negativa, um arremedo dum "comentário" que fala na facilidade de escrever sobre a Grécia", reduzindo-a uma questão de baldas"

    A indigência intelectual da vacuidade de tal afirmação é tal que nos fez lembrar um postulado de propaganda atribuído a Goebbels:
    Principio de la vulgarización.
    Toda propaganda debe ser popular, adaptando su nivel al menos inteligente de los individuos a los que va dirigida. Cuanto más grande sea la masa a convencer, más pequeño ha de ser el esfuerzo mental a realizar. La capacidad receptiva de las masas es limitada y su comprensión escasa; además, tienen gran facilidad para olvidar."

    De

    ResponderEliminar
  7. Anóninimo das 16:08, parabéns pelo seu comentário.

    ResponderEliminar