Na recente Recomendação sobre Retenção Escolar no Ensino Básico e Secundário, o Conselho Nacional da Educação assinala de forma certeira as principais consequências das reprovações nestes níveis de ensino. Os seus efeitos são hoje bem conhecidos e verificam-se tendencialmente, entre outros aspectos: na desmotivação, indisciplina e abandono escolar; no facto de as reprovações não se traduzirem numa recuperação das aprendizagens e na melhoria de resultados (aumentando, ao invés, a propensão para novas retenções); na maior probabilidade de reprovação nos casos de alunos de baixa condição socioeconómica e/ou de alunos provenientes de países estrangeiros. Em suma, sabe-se hoje que as reprovações constituem uma medida inútil, iníqua e ineficiente.
O Conselho Nacional de Educação não deixa também de assinalar o peso que as retenções assumem em termos comparativos internacionais. Anualmente, são cerca de 150 mil os alunos do sistema educativo português que ficam retidos no mesmo ano de escolaridade, o que explica o facto de «35% dos jovens portugueses com 15 anos terem já sido retidos pelo menos uma vez, contra a média OCDE de 13%». Nos 31 países analisados no Relatório PISA de 2012, Portugal encontra-se entre os quatro países com maiores taxas de retenção. E o CNE constata ainda a inversão, a partir de 2011, da tendência de descida do número de retenções, verificada em anos anteriores.
Não é pois ao nível do diagnóstico, da sinalização e da caracterização do fenómeno, que a Recomendação do CNE suscita algumas reservas. Desse ponto de vista, o documento é não só consistente e relevante como particularmente oportuno. O problema reside, isso sim, em dois aspectos fundamentais:
1. Por um lado, na ausência de referência explícita e assertiva, como se impunha, à profunda degradação e desvirtuação a que foi sujeito o sistema de ensino nos últimos três anos e meio, muito em particular a Escola Pública. Não o fazer implica branquear os impactos, ao nível da qualidade do ensino e da igualdade de oportunidades, de medidas como o aumento do número de alunos por turma, a redução no número de professores, a criação de mega-agrupamentos ou das orientações que acentuaram a dualização da rede educativa. Isto é, políticas que contribuem para o risco de aumento de retenções, como de resto os dados mais recentes já demonstram.
Especialmente no que respeita ao aumento do número de alunos por turma e às condições de exercício da actividade docente, resultante da redução selvática no número de professores, basta lembrar o que já foi referido neste blogue: tratou-se de um despedimento massivo de docentes, muito para lá do propalado «factor demográfico» ou de supostos ganhos virtuosos de «eficiência».
Assim, ao não contemplar as respostas estruturantes que permitem enfrentar os danos causados no sistema educativo ao longo dos últimos três anos e meio (propondo por exemplo o regresso a rácios razoáveis de alunos por turma ou a redução do número de turmas por professor), e ao limitar-se a estabelecer um quadro difuso de medidas, casuísticas e pontuais, de sinalização precoce e de apoio complementar aos alunos com dificuldades, o Conselho Nacional de Educação sugere que é suficiente apagar um incêndio com regadores de água, descartando uma intervenção consistente e sistemática nos factores que o originam. Como se nenhuma transformação de relevo tivesse ocorrido nas escolas nos últimos três anos e meio.
2. No quadro das recomendações especificas formuladas pelo CNE, a maioria das quais certeiras - como é o caso das que visam o combate à «cultura da nota e dos exames» (que hoje se sobrepõe a processos de avaliação continuada e formativa) ou tendentes a que a reprovação em algumas disciplinas não implique a repetição do ano - sobressai o «romance da autonomia» (que, como sempre, vem acompanhado da esconjura do «monstro do centralismo»). Critica o CNE, neste sentido, aspectos como a «legislação uniforme e prescritiva para a organização das turmas» ou «as formas e critérios de distribuição de serviço lectivo e colocação de profissionais, dirigidos e controlados centralmente», para advogar um reforço da autonomia das escolas nestes domínios.
Mas parece assim esquecer-se o Conselho Nacional de Educação que foi por exemplo reforçada nas escolas, nos últimos anos, a já de si excessiva autonomia para organizar turmas e distribuir professores e horários, com as profundas iniquidades que todos conhecem e que consagram, logo à partida, o reforço da desigualdade de oportunidades que o sistema educativo tão frequentemente acentua e reproduz.
Não se espantem, portanto, se para além de legitimar as políticas seguidas recentemente, a questão das retenções vier a servir, de modo perverso, para alimentar as lógicas de «descentralização» em curso e que mais não são do que uma outra forma de atacar e subverter o sistema público de educação e os princípios que o enformam.
Do Adelino Silva, num comentário enviado para a versão anterior deste post:
ResponderEliminar«tenho a impressão que os problemas do ensino são o espelho do que se passa no país em toda a sua vida activa e não activa.
ocorre dizer que para remediar um pouco , será necessário uma outra revolução. são os pais dos meninos, os professores dos meninos os religiosos que tratam da moral e religião. serão desgovernos da nação, os empregadores da nação e não sei que mais...é muita, muita gente culpada do que vai acontecendo neste país á beira-mar plantado. passa-se por falsos engenheiros, falsos médicos e falsos professores e etc. etc. etc.
o capitalismo fomenta a falsidade até comprando o próprio homem. este hoje é vendável. o país é uma autentico mercado retalhista do ser humano. desculpem qualquer coisinha, mas hoje não me sinto capaz de controlar o que me vai na alma.
Adelino Silva»
E ninguém fala do ensino ministrado aos futuros professores, ministrado nas chamadas Escolas Superiores de Educação que existem em tudo o que é canto neste País? Uma associação de educadoras de infância do Grande Porto, num grsto de muito profissionalismo e honestidade, solicitou formação em Matemática, pois não se consideravam habilitadas para darem os exigentes programas impostos nesta disciplina pelo MEC
ResponderEliminarELES ANDAM AÍ !!!
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=I6Si3819Ubk
«Em suma, sabe-se hoje que as reprovações constituem uma medida inútil, iníqua e ineficiente.»
ResponderEliminarSabe-se? Em se sabendo - imaguina-se que no restrito círculo dos iluminados - mais palavras para quê!
Ainda assim, convém que fique estabelecido que a centralização é o meio adequado a que a iluminação baixe sobre as massas que não sabem aquilo que nos melhores círculos 'sabe-se'.
ResponderEliminarMas alguém considera que se pode ter ensino de qualidade ou mesmo ,simplesmente, ensino, com turmas de 30 ou 32 alunos e professores com 8, 9 10 turmas?!
Parece que ninguém discute o cerne da questão: o programa curricular é absurdamente extenso! No 1º ano, torturam-se as crianças com poliedros, poligonos, rectas,... antes mesmo delas conhecerem bem os números e as letras!!! Nos anos 80, davam-se bases sólidas, hoje em dia, é um desastre... quanto a mim, propositado! Objectivo: destruir para poder privatizar...
ResponderEliminarO que me parece é que ninguém aponta soluções.
ResponderEliminarUma pratica enraizada e de que não nos libertamos.
Nem pela via do ensino. Nem pela via das politicas.
Sabendo nós que estas duas condicionantes interagem limitamdo a abertura possivel de horizontes. Social e, implicitamente, politico.
E que temos aqui um epicentro do controlo dos valores e das politicas.
Ora, apareceu, ultimamente, uma terceira via.
A via das tecnologias que permite autonomia funcional de raciocinio sobre o conhecimento exisyente.
Obviamente que ainda não há, para já, tecnologia que ensine a ler e a assimilar materia formativa da identidade num determinado contexto.
Mas, que hoje em dia a informação disponivel permite autonomia, e o questionar o educador, a escola, o modelo politivo, a governação e outros, lá isso permite.
E que as novas gerações dominam as tecnologias bem melhor do qie os poderes instituidos, sendo o ensino um deles, também é verdade.
O que "empurra"para esta terceira via o centrar da discussão e buscar soluções que se adequem.