quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Portugal não é a Grécia
Há duas questões que vão suscitar uma imensa perplexidade a economistas, sociólogos e historiadores que se debrucem nas próximas décadas, com o distanciamento que o tempo permite, sobre o período que a Europa atravessa.
A primeira diz respeito ao lembrete que o João Ramos de Almeida aqui deixou, sobre o falhanço da austeridade. Como foi possível, perguntarão os cientistas sociais, que após a implementação de um conjunto de programas de «ajustamento» em diferentes países, impregnados até à medula pela opção da austeridade, os governos europeus não tenham decidido parar para fazer um balanço e retirar conclusões sobre o seu insucesso, preferindo assobiar para o ar e insistir na mesma receita, como se nada se tivesse passado?(*) Em tempos normais, uma conferência europeia sobre a dívida (que a Grécia propôs e a Europa rejeitou), comportaria necessariamente um debate prévio e consequente sobre a austeridade, que impediria os oportunos estados de negação nesta matéria.
A segunda questão, que não deixará de causar uma arrepiante estranheza no futuro, é a de saber como foi possível que se instalasse, na Europa do século XXI, uma tamanha indiferença dos governos (e um relativo silêncio social) perante o sofrimento causado pelas próprias políticas de austeridade, como se apenas de um irrisório dano colateral se tratasse. O continente europeu, que no pós-guerra foi para o mundo um farol civilizacional no respeito pela vida e pela dignidade humana, parece ter placidamente aceite que, em pleno século XXI, crianças pudessem passar fome e pessoas pudessem morrer por falta de acesso a cuidados de saúde, que famílias inteiras ficassem sem emprego e sem casa ou passassem frio por não poder pagar eletricidade. Na Grécia, como aqui.
É por isso que o recente acordo entre o governo grego e o Eurogrupo, apesar de todas as suas limitações e ambiguidades, não pode deixar de ser encarado como uma afirmação da decência e da dignidade numa Europa anestesiada e complacente com fenómenos que não era suposto terem lugar no nosso tempo. Como foi possível, perguntarão no futuro os cidadãos europeus, que mesmo acreditando que a austeridade era o caminho para superar a crise, se tenham permitido os níveis de sofrimento e privação a milhões de pessoas, como os que foram permitidos? Como foi possível não garantir à partida, em nome dos próprios valores europeus, a necessidade de acompanhar a receita austeritária com um programa de salvaguarda social, minimamente aceitável?
Nestes dias, Portugal já não é de facto a Grécia. Por cá, continua o desprezo governamental pelo sofrimento dos seus concidadãos, sem hesitações em cortar na saúde e na educação pública, no RSI, CSI e outras prestações sociais (ao arrepio de recomendações da própria OCDE ou ignorando, como muito provavelmente irá suceder, as conclusões do relatório da Amnistia Internacional, em que se denunciam, pela primeira vez, os impactos sociais da austeridade). Tudo isto ao mesmo tempo que se abrem «cantinas sociais» em catadupa (nada de senhas de alimentação para a malandragem) e se transferem massivamente recursos públicos, sem escrutínio, para as IPSS.
Na Grécia, o novo governo responde em sentido contrário, alinhado com o programa que sufragou nas eleições: assegura o acesso gratuito a eletricidade e senhas de alimentação a pelo menos 300 mil famílias, cuidados de saúde para os grupos mais vulneráveis da população, a restituição do 13º mês nas pensões abaixo de 700 euros e a criação de um Rendimento Mínimo, entre outras respostas à crise humanitária que se vive naquele país. Medidas que, sendo financiadas por ajustes nas despesas do Estado, não comportam o agravamento do défice orçamental. Escolhas políticas portanto e não, como é evidente, inevitabilidades técnicas.
(*) Num generoso gesto de serviço público, a Helena Araújo tem-se recentemente dedicado a traduzir, no 2 Dedos de Conversa, um conjunto interessante de artigos de opinião saídos na imprensa alemã, demonstrativos de que, também por lá, as mudanças políticas ocorridas na Grécia avivaram o debate em torno do fracasso da austeridade.
É absolutamente obvio que nestes tempos Portugal e a restante europa não representam qualquer farol civilizacional, o sistema que vigora é a ditadura, não querer aceitar isto é uma opção daqueles que por qualquer razão não querem assumir a responsabilidade do que se está a passar. O medo domina a sociedade, a convivência com a barbárie tem esse efeito colateral, as pessoas há muito que deixaram a razoabilidade diminuindo com isso a sua capacidade de pensar. Sim em ultima análise estamos perante a ultima destituição, a da individualidade.
ResponderEliminarPortugal e a maioria dos portugueses estenderam a manta?
ResponderEliminar“Alguém dizia que o povo é sereno”. “Que é só fumaça“ E era verdade.
Mas, cuidado. Não vá alguém acordá-lo…
Para os apressados, que lhes falta o tempo, o povo adormeceu e no entanto ele pisca o olho…
Os portugueses se levantarão, decerto que sim, mas só quando as condições o proporcionarem.
Não é só porque o deseje, é porque a sua vontade é soberana. É claro, por vezes tem de ser com safanões.
Faço parte deste povo, a barlavento da manta, fazeis parte do mesmo povo com ou sem manta, por isso juntemo-nos em massa organizada para ver como as coisas ficam.
Adelino Silva