sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
O euro em fase terminal
Quando participei no primeiro debate televisivo realizado em Portugal sobre o euro ("Prós e Contras", 15 Abril 2013), afirmei que a moeda única iria acabar. Da mesma forma que a Inglaterra de 1931 não aguentou a política de austeridade imposta por um sistema monetário que excluía a desvalorização da moeda - no padrão-ouro, o reequilíbrio externo teria de ser alcançado por redução dos salários, a chamada "desvalorização interna" -, também nos nossos dias, um dos países sujeitos à política cruel imposta pela UE acabará por sair. O primeiro será a Grécia, os outros vão a seguir, ao ritmo do respectivo ciclo político.
Entretanto, o discurso do medo voltará às televisões. Dir-nos-ão que sair do euro é uma calamidade porque perderemos metade do poder de compra, que os bancos vão falir e perderemos as nossas poupanças, que o Estado não pagará aos funcionários públicos e pensionistas, que seremos excluídos dos mercados para todo o sempre e, argumento último de quem está inseguro, que a Alemanha nos invadirá para restabelecer a ordem. Do serviço público de televisão, gerido por comissários políticos, não se pode esperar uma informação isenta e fundamentada. Não haverá recolha de depoimentos de especialistas estrangeiros que ponham em causa o pensamento dominante, não haverá debate honesto com uma participação plural que ultrapasse o discurso partidário rotineiro. Dos canais privados também não podemos esperar que cumpram as exigências básicas de pluralismo, nem que as autoridades competentes o exijam. O que temos visto fala por si. Aliás, os analistas que ocupam o palco estão no bolso dos grupos económicos e da finança. Um governo de salvação nacional também terá de resgatar a comunicação social e pô-la ao serviço do interesse público.
Recordemos então algumas ideias simples que os portugueses não têm direito a debater nos media de grande audiência. Quando Portugal sair do euro, todos os contratos realizados sob jurisdição nacional ficam automaticamente redenominados em novos escudos, segundo a jurisprudência internacional (lex moneta, 1 escudo = 1 euro). Assim, todos os empréstimos bancários, depósitos, salários, pensões, preços nas lojas, etc., passam a escudos e, a partir desse dia, o Estado apenas paga e recebe em escudos. O Estado fica sem problemas de liquidez porque os seus défices - necessários para estimular a economia - ficam cobertos por financiamento interno, quer do sector privado, que procura obrigações do Tesouro para aplicações seguras, quer do Banco de Portugal, a entidade pública que emite moeda. Portanto, sair do euro significa a libertação do país dos humores dos mercados financeiros. Quanto às necessidades de financiamento em outras moedas, os últimos dias mostraram-nos que os EUA estão dispostos a ajudar para evitar o recurso aos seus rivais. Note-se que os BRIC têm agora um banco que é alternativa ao FMI.
Um governo de ruptura deve, à cabeça, nacionalizar os bancos e instituir o controlo dos movimentos de capitais. Seria vantajoso comprá-los em bolsa, à cotação do momento, e proceder à sua recapitalização, tudo com emissão monetária. A inflação será o custo a pagar para recuperarmos a soberania. Mas será um custo transitório (inicialmente, cerca de 12%, muito menos nos dois anos seguintes) que pode ser distribuído com justiça social através de compensações a atribuir aos rendimentos mais baixos. A classe média/alta, vendo os seus desempregados recuperarem a dignidade de voltar a trabalhar em condições decentes, aceitará de bom grado alguma perda temporária de poder de compra. Como seria de esperar, o novo paradigma da política económica dará prioridade ao emprego, ao contrário da finança, que diaboliza a inflação e acha inevitável este desemprego típico dos anos trinta do século passado.
À medida que se forem abrindo espaços de debate público informado sobre o que significa sair do euro, os portugueses ficarão cada vez mais receptivos à proposta de uma Europa de países soberanos. Por muito que custe aos federalistas, não creio que os portugueses queiram viver num protectorado sujeito a diktats.
(O meu artigo no jornal i)
Escrever um texto como este sem avisar pode ser um pouco imprudente, pois há pessoas que podem acreditar.
ResponderEliminarSe Portugal sair do euro e todos os contratos ficarem automaticamente redenominados em novos escudos não significa que credores fora de Portugal passem a aceitar novos escudos. Se emprestaram em euros vão querer euros de volta.
Depois se o Banco de Portugal emitir moeda, a relação 1 escudo = 1 euro não vai durar muito. Vão ser precisos mais escudos para o mesmo euro. Um credor que emprestou 1000 euros vai querer 1000 euros de volta, quer eles sejam equivalentes a 1000 escudos ou 2000 escudos. (Ver situação recente nos países da Europa de leste que tinham contraído empréstimos em francos suiços, após alteração no câmbio) O câmbio será responsabilidade do devedor, que vai ter que comprar euros nos mercados financeiros e incorrer em custos adicionais, logo vai ficar debaixo dos humores dos mercados financeiros. (Ver situação actual na Venezuela)
Adicionalmente, uma vez que Portugal não produz alimentos nem energia suficientes para o consumo interno, quem importa esses produtos precisa de pagá-los em moedas que os vendedores aceitem. Certamente não será escudos, será em dólares e em euros, logo os importadores ficarão na mesma situação do devedores, debaixo dos humores dos mercados financeiros. (Ver situação actual em Angola)
Fiar na bondade dos EUA em ajudar financiamentos é prender o país aos humores do congresso, do senado e do eleitorado desse país. (Ver qualquer debate no congresso ou senado dos EUA sobre despesa e financiamento ou qualquer manifestação do eleitorado isolacionista)
E tudo isto para quê? A situação não está já má que chegue? Só para mascarar o fraco poder de compra em Portugal através da manipulação numérica? Quem acha que o ajustamento não deve ser feito através da desvalorização real com uma redução no valor dos salários e prefere mascará-la com desvalorização de moeda, pode perfeitamente sugerir olhar para os salários em cêntimos. Um salário de 1000 euros passa a ser de 100000 cêntimos. Tem muitos zeros, deve ser muito, mesmo que continue a comprar o mesmo. Pelo menos assim não se cai no caos de ter uma moeda de brincadeira no actual mercado global.
Esta crise está na origem do esquema de criação de dinheiro. Os Estados da Zona Euro são obrigados a endividarem-se nos mercados de capitais com juros agravados por não terem poder de emissão de moeda. Enquanto não voltarmos à nacionalização dos diversos Bancos Centrais com impressão de dinheiro livre de dívida nunca sairemos deste ciclo vicioso. Neste momento os governos de quase todo o mundo estão na dependência de bancos. O capitalismo selvagem funciona para esmagar aqueles que vivem do trabalho, das reformas e de subsídios sociais.
ResponderEliminar"Portanto, sair do euro significa a libertação do país dos humores dos mercados financeiros."
ResponderEliminarQuer com isto dizer que os países com moeda própria estão libertos dos humores dos mercados financeiros? Como, por exemplo, a Argentina?
"Note-se que os BRIC têm agora um banco que é alternativa ao FMI."
ResponderEliminarQuando Portugal esteve à beira da bancarrota, qual foi a resposta do Brasil, país nosso irmão e governado pelo Partido dos Trabalhadores a um eventual pedido de ajuda (financiamento)?
"A classe média/alta, vendo os seus desempregados recuperarem a dignidade de voltar a trabalhar em condições decentes, aceitará de bom grado alguma perda temporária de poder de compra."
ResponderEliminarIsto é a sério?
"Dir-nos-ão que sair do euro é uma calamidade ...
ResponderEliminarNão haverá recolha de depoimentos de especialistas estrangeiros ..."
O que diz o especialista estrangeiro Varoufakis sobre a saída do Euro? Será que também está no bolso dos grupos económicos e da finança?
"O primeiro será a Grécia, os outros vão a seguir, ao ritmo do respectivo ciclo político."
ResponderEliminarA data mais provável da saída de Portugal do Euro é a da confirmação da espiral recessiva prevista desde 2011.
"Entretanto, o discurso do medo voltará às televisões."
ResponderEliminarA saída da Grécia, a verificar-se, rapidamente acabará com as dúvidas. Já o medo ...
Total e completamente de acordo com Luis Pereira.
ResponderEliminarÉ tão evidente, tão evidente, que até um cego (sem qualquer ofensa) consegue ver isso.!
O resto, caro anónimo das 13.51 e seguintes(que é o mesmo), é blá, blá, blá.
Nota-se algum desespero por parte de certas pessoas que pressentem que o seu projecto neoliberal está prestes a cair.
ResponderEliminarO Euro é um falhanço em todos os aspectos. Não faz sentido manter esta aberração monetária.
Quer dizer, desde que Portugal entrou no Euro estamos praticamente estagnados.
É olhar para os dados e ver os resultados desta experiência falhada.
"Os Estados da Zona Euro são obrigados a endividarem-se nos mercados de capitais com juros agravados por não terem poder de emissão de moeda. "
ResponderEliminarCaro Luís Pereira,
Portugal paga quase zero para emitir dívida de curto prazo
http://economico.sapo.pt/noticias/portugal-paga-quase-zero-para-emitir-divida-de-curto-prazo_212248.html
É a isto que chama juros agravados?
Posto desta maneira até parece simples!
ResponderEliminarSinto-me tentado a dizer que gostaria de apostar nessa solução.
Vivi dera de 50 anos com o escudo e não me dei nada mal!
ResponderEliminarCom mais juros ou menos juros(cair neste tipo de conversa é que é "conto para crianças")estamos sempre em perda,seja na economia,no social ou acima de tudo na soberania que se foi(e vai o resto se tudo continuar assim)desde o tratado maistriste,já para não falar na entrada na CEE em 1986 ainda sobre o efeito de uma revolução alucinada e de fantasia socialista(a qual atacou o capitalismo nacional,agora em desgraça,para agora sermos subjugados pela plutocracia global). Jorge
ResponderEliminarAs posiçoes solidarias das novas autoridades gregas com o dinheiro principalmente dos alemães é enternecedor e provavelmente vai desencadear uma boa revisão dos mecanismos de transferencia de verbas entre os que ganham para si e os que precisam de ajuda.
ResponderEliminarA Grecia penso que vai sair do euro, deve sair e ajuda a outros perceberem em poucos meses como é viver fora do euro.Nós só temos a ganhar com essa experiencia.
Se é assim, por que motivo a Grécia não esticou um pouco mais a corda?
ResponderEliminar"20 de fevereiro de 2015 às 13:54"
ResponderEliminarTalvez não seja a sério, mas caso não seja assim isso quer dizer que temos mais canalhas do que devíamos.
Se o Euro é, ou não, algo de bom para a economia... é um assunto discutível...
ResponderEliminar.
No entanto, todavia, existe algo salta à vista -> a alta finança (capital global), e suas marionetas, viu no Euro uma oportunidade para saquear o contribuinte alemão:
- ex 1: relembremos a contabilidade fraudulenta resultante da parceria governo grego Goldman Sach;
- ex 2: depois de 'cozinhado' o caos... o mega-financeiro George Soros apareceu com um discurso, um tanto ou quanto, já esperado: «é preciso um Ministério das Finanças europeu, com poder para decretar impostos e para emitir dívida»;
- ex 3: veja-se a forma como os media marionetas da alta finança (capital global) procuraram exercer pressão sobre o governo alemão face ao diferendo com o governo de Tsipiras.
«o novo paradigma da política económica dará prioridade ao emprego»
ResponderEliminarEsta a proposta que mais me entusiasma, apesar dos indiscutíveis méritos da previsão de um limite de 12% para a inflacção ser já de si é exaltante até ao delírio.
Supondo que não estamos a falar de serviço cívico com rendimento mínimo e sim de 'justas remunerações' teríamos seguramente uma expansão do consumo e das importações, e se não estamos a falar de desvalorização salarial não seria nas exportações que iríamos colher os frutos dessa política suicida.
Mas sempre estes cenários estão encobertos pela língua de pau que só quer significar que a grande expectativa é que sejam da esquerda os dirigentes dessa nova e miserável autarcia que é proposta.
De facto O Euro poderá ser uma amadilha que quando se entra já não se pode sair.
ResponderEliminarSimplismente o caminho que a Europa está a percorrer e o que está a acontecer no seu flanco sul e mais abrangentemente em toda a zona do Mediterrâneo , não é possivel prever seja o que for. Não hà mesmo qualquer possibilidade de fazer um progonóstico. O que sabemos é que se a Grécia ceder à democracia da chantagem ficará numa situação socioeconómica pior da que quando saiu no final da 2º guerra mundial depois da ocupação da Alemanha Nazi e da guerra civil que se lhe seguiu.
Se a Grécia acabar por ser expulsa do Euro haverá de certeza acontecimentos muito graves particularmente na Grecia e em geral em toda a Europa.
Há quem diga que Chipre já está fora do Euro (apenas está no papel) e a Grécia e Portugal estão com um pé fora outro dentro.
A situação da Itália e da Eapanha também não é famosa e a própria França apesar de ainda ser um colosso industrial está tambem a ser atinjida pela recessão económica.
Há fortes indícios de que não é possível combater o endividamento externo contraindo o deficit publico relacionando-o com o PIB.
A Alemanha que tem mostrado uma grande severidade para com os Países do sul deveria rever toda a sua política e olhar para o seu passado, pois deveria perguntar-se-lhe quem pagou os custos da reunificação e que não temos duvidas que esta seria um deserto durante muitas décadas se não fosse o Plano Marshal , para já não falar que esteve na origem de duas guerras mundiais.