terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
Lembrança de outros tempos
Poucos meses depois do 25 de Abril, lembro-me de ter daquelas discussões violentíssimas com militantes de partidos que hoje seriam considerados extrema-extrema esquerda, sobre - pasme-se! - se tinha valido a pena ter acontecido a revolução. "Revolução? Aquilo foi um golpe de Estado. Nada mudou, está tudo na mesma!", diziam-me. E eu discutia com aqueles argumentos reformistas, quase social-democratas, que hoje seriam considerados de esquerda radical: "Os presos políticos foram libertados, a imprensa é livre, podemos manifestar-nos quando queremos". E eles continuavam: "A guerra continua, as estruturas do Estado não foram destruídas, temos um Governo com todos os homens do regime reabilitados e elevados a salvadores da Pátria". E eu citando as palavras de Álvaro Cunhal: "Estamos noutra fase, temos de consolidar aquilo que foi conquistado, tudo a seu tempo". Eram momentos loucos, em que cada lado parecia ser incapaz de dar o braço a torcer. Tinha-se de convencer, vencer. Quem se calava, perdia. Éramos todos muito jovens e ansiosos, emocionalmente envolvidos em tudo até à exaustão. E ambos os lados tinham razão. Apenas mudava a estratégia. E a sensação de que tudo tinha de ser feito naquele instante.
Não sei porquê, veio-me à lembrança estas cenas à medida que ia lendo os argumentos desanimados sobre os acontecimentos na Grécia. Houve recuo, não houve recuo?
Tempo, apenas tempo.
A grande questão, caro Ramos de Almeida, é se se trata de ganhar tempo para atacar o problema (antes de mais os constrangimentos externos) ou se se trata de ganhar tempo para adiar a dificuldade com que se tornará a ser confrontado (possivelmente em pior situação).
ResponderEliminarNão se trata apenas de tempo. Mesmo segundo esse estreito ângulo trata-se sobretudo do que fazer com esse tempo. E aí, meu caro, a escolha é mesmo política.
ResponderEliminarNão. Isso assim não vale caro João Ramos de Almeida. Não têm todos razão e sim, existem lições a retirar. Cunhal estava errado. Cunhal quis-nos vender a tese de que depois daquele processo, e instituídas "as liberdades", o comboio seguia pacificamente para o socialismo, sem necessidade de uma insurreição, e a burguesia não recuperaria as suas posições.
A tese estava obviamente errada, não tinha nenhuma base histórica, e ainda para mais estava logo ali a experiência chilena a pedir para dela se retirarem as devidas conclusões. A tese visava apenas arranjar as forças políticas para um novo quadro de democracia liberal burguesa e parlamentar, negociado com os nove, com direitos sociais que a burguesia foi depois pacientemente desmantelando.
Cunhal colocou água na fervura e abafou a efervescência popular num período de crise revolucionária. Um período onde era possível aos trabalhadores tomar o poder.
Na Grécia também há um movimento popular em crescimento, que não deve ser mero espectador destas reuniões ou contentar-se com as pequenas migalhas que saem de lá. Os trabalhadores têm que estar fora a fazer pressão para que as forças choquem. A reagir a estas capitulações com raiva e indignação. A fazer todas as perguntas.
O Syriza tem medo do caos, vacila, fez apenas as exigências que os eurocratas podiam tragar - para que não usem as suas armas. Têm que ser movimentos organizados dos trabalhadores a fazer a pressão necessária para os obrigar a reagir.
Caso contrário, nada do que estava no programa se realizará. Vejam o rol de cedências: NATO (ainda antes das eleições), renegociação da dívida, auditoria, rasgar o memorando, cancelar e reverter privatizações, recontratar os funcionários públicos, aumentar o salário mínimo para 751€. Tudo isto já foi à vida, pelo menos até junho. E depois de junho será o mesmo se a pressão não vier de baixo.
Cumprimentos
O tempo é o grande mestre!
ResponderEliminarSem tempo nada se aprende.
Com tempo cresce o Cipreste!
E a vida se compreende.
De vez em quando pareço caminhar na Revolução
Outras vezes me indago perplexo sobre esse dia 25 de alegria Abril/Primavera.
Foi tão simples…estava eu então na Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro.
Mas cuidado, o tempo fica cá sempre e nós é que vamos passando… de Adelino Silva
Não sabeis se na Grécia se ganhou ou perdeu tempo? E se lá continuasse o émulo do governo Coelho-Portas? Imaginam o atraso,o desânimo,o bocejo? Ganhava-se ou perdia-se tempo?
ResponderEliminarRecuo ou não, eu continuo a ter a mesma percepção que já aqui transmití: “não terá desaparecido a ideia de cumprimento do compromisso eleitoral por parte do Syriza”.
ResponderEliminarPor essa razão, e face às circunstâncias, continuo a apoiar o esforço do governo grego nesta luta contra uma UE autoritária e austeritária, onde apareceu uma fenda. Não teria sentido nesta altura, nem ganharia nada para a causa, explorar cedências que tenha havido na elaboração da 2ª versão do programa. Para isso, há os “spin doctors”, há a direita, o Vital Moreira, o Diário Económico, etc. etc. E ultimatos, já bastam os do Eurogrupo.
Aliás, creio que poucos de nós terão um conhecimento detalhado, sem contradições, das versões dos programas, das expectativas das pessoas no país (estas certamente não se enganam…).
Acho que o tempo é bom conselheiro, que as grandes narrativas estão em vias de extinção. O processo é dinâmico.
Naquele tempo, apenas Portugal precisava de uma coisa: JUÍZO.
ResponderEliminarAinda hoje, Portugal tem um problema para resolver: Falta de JUIZO.
Claro que além de falta de Juízo, falta-nos uma coisa: Sarna para nos coçarmos.
Será sempre assim!!!
À distância é possível que a percepção do seu passa actualmente na Grécia não corresponda à realidade. Dito isto, a percepção dominante é a seguinte: este governo foi eleito no pressuposto de que não se sujeitaria a condicionalismos externos no cumprimento dos suas promessas; no entanto, desde que foi eleito, ainda não fez nada, nem mesmo o que apenas dependia de si, estando ainda na fase de "pedir autorização às entidades externas".
ResponderEliminar"Pedir autorização" parece mesmo ser a única preocupação do governo Grego.
Porque são precisas grandes palavras para pequenos passos?
ResponderEliminarPorque tantos pequenos passos são desprezados por falta de grandes palavras?
É da humana miséria crerem-se revolucionários os incapazes da mais modesta das reformas.
A mim, nesse tempo, ficou-me a angústia de ter saído de um "centro revolucionário" por excelência -o Serviço Militar- e ser remetido para um "caldinho contra-revolucionário" em que o simples facto de levar frequentemente comigo, um Pin do MIR -Movimiento de Izquierda Revolucionaria, Chileno-, provocar reacções agressivas à minha passagem!...E como eu gozava com essas atitudes parvas, até chegava a parar para perguntar o que eles queriam...e raramente obtinha resposta!
ResponderEliminarPorque a maioria é muito cobarde quando se encontra sozinho, ou mal acompanhado...
Agora, muito mais velho continuo o mesmo, mas os outros estão cada vez mais entupidos!
Viva Allende!
ResponderEliminarO Jose sendo de direita ou pelo menos de uma direita, devia ir procurar as bíblias da estratégia dos conservadores americanos e descobrir um conceito inventado por eles chamado "Janela de Overton".
ResponderEliminarAs grandes palavras servem para abrir espaço para as pequenas.
Caro Anónimo,
ResponderEliminarNinguém disse que a tarefa grega seria fácil e imediata. Os constrangimentos são mais que muitos. Tal como para Portugal. Mas aquilo que a Grécia tem de provar é que novas políticas podem ter frutos, e mais frutos do que cinco anos de austeridade que deu com o país em pantanas. E para isso vai ser preciso muito jogo de anca e paciência. Paciência de quem dá passos seguros no mesmo sentido. E os quatro meses é o primeiro passo.
E, caro Argala, era isso mesmo que eu queria lembrar com o 25 de Abril.
A tese de Cunhal nunca foi essa, mas tudo bem. A minha tese é que tem de se ter a cabeça fria para caminhar direito num campo minado como a Europa e conseguir - para crescer - desapertar a camisa de 11 varas em que estamos metidos com o euro e o Tratado Orçamental. E isso faz-se preparando todos os cenários, com profissionalismo. Dá muito trabalho, impõe que se pense em tudo e requer pessoas excepcionais para manter a linha num ambiente convulso como são estes períodos na História.
A comparação não é entre o programa eleitoral do Syrisa e aquilo que saiu do Eurogrupo, mas com o que seria a Grécia sem os 4 meses conseguidos e o que será a Europa sem povos de cabeça levantada.
João, só um reparo que ainda no sábado no Fórum Dívida e Direitos Humanos fiz questão de contradizer a Professora Manuela Silva: ninguém está velho para estas lutas e elas não foram nem são apenas de jovens (José Luís Albuquerque)
ResponderEliminarAgora que dispõe dos INSTRUMENTOS,
ResponderEliminarquem impede o SYRIZA de perguntar ao POVO GREGO,
se QUER ou NÃO QUER o...
EURO ?
(...olhando para a ISLÂNDIA !)
Concordo com o que foi colocado pelo "aleixo".
ResponderEliminarÉ tempo de se perguntar de forma simples e textual aos Gregos, se eles querem ou não continuar nesta situação! -Bem sei que as eleições foram há muito pouco tempo e a direcção do voto foi no sentido do Não, mas essa fase já passou e hoje, urge dizer mais qualquer coisa e avaliar o poder e a vontade das forças no terreno.
Se a maioria dos Gregos disserem Sim a esta nova perspectiva para mim negativa, então é necessário fazer o melhor que for conseguido no sentido de retirar o mais rápido possível, os mais carentes, das situações precárias em que se encontram e ao mesmo tempo lançar os caboucos para construir uma via mais segura, adequada e responsável.
ResponderEliminarEstávamos a poucos dias da quartelada, a comemorar a Revolução de Outubro, e eis o que diz Cunhal:
"Isto não significa que o único caminho para o socialismo será uma insurreição. Poderá não soar o tiro do nosso Aurora nem se verificar o assalto ao nosso Palácio de Inverno. Tudo faremos para tornar possível o caminho pacífico para o socialismo. Tudo faremos para que seja explorado ao máximo de profundidade o potencial revolucionário original revelado no processo da Revolução portuguesa. Outubro significa mais que insurreição.
(...)
A Revolução democrática portuguesa avançou tanto que, sem a destruição das liberdades, sem uma nova ditadura reaccionária, a reacção não conseguiria liquidar as conquistas revolucionárias alcançadas, anular as nacionalizações e forçar a recuperação das terras pelos agrários.
A recuperação das posições do capitalismo não é possível existindo as liberdades, porque, exercendo as liberdades, o povo português não consentirá que lhe sejam roubadas as conquistas da Revolução, Só pela violência e o terror seria possível roubá-las. Por isso dizemos que as alternativas de reassimilar a Revolução portuguesa e forçá-la aos moldes da social-democracia conduziriam não a um regime democrático, mas a uma nova ditadura fascista." Álvaro Cunhal, 7 de Novembro de 1975, Pavilhão dos Desportos em Lisboa.
Esta era a tese de Cunhal, e mais do que nas palavras, ela esteve na sua prática política.
Caro João Ramos de Almeida, o que eu quero que os trabalhadores voltem a debater é a velha questão: reforma ou revolução?
Os trabalhadores gregos estão metidos numa camisa de 11 varas, e a questão é saber se a reforma é suficiente para os libertar. Eu acho que não é. Eu acho que é mesmo necessária uma revolução.
A questão não é saber como é manobramos o tabuleiro de xadrez, e derrotamos o inimigo a jogar sem torres, bispos e rainha. A questão é saber como é que mandamos o tabuleiro ao ar.
A questão é saber se durante estes quatro meses, o Syriza cozinha o seu "plano z", a sua "catástrofe iminente e os meios de a conjurar", ou se volta à mesa das negociações, ao mesmo tabuleiro, para acabar tudo como começou.
E os sinais que o Syriza vai dando, são de que quer a reforma, não quer a revolução. E os trabalhadores têm que responder a isso com força, coragem e determinação.
Eles encarregaram-se logo de colocar a direita do ministério da defesa e na chefia do estado. Encarregaram-se logo de enterrar a questão da NATO ainda antes das eleições. Fizeram logo juras de amor à UE, recusaram fazer o jogo de bluff com a Rússia - retiraram do tabuleiro as poucas peças que tinham para jogar. Foram "bons alunos", não quiseram assustar as classes possidentes.
Eu também digo ¡Viva Allende! Mas ao contrário do reformismo, esse sim aventureirista, preferia o Allende vivo. E, como se escreve aqui, é provável que ele tenha deixado de ser reformista no dia em que morreu.
Em suma: o reformismo é a organização da derrota. E em junho cá estaremos para o comprovar pela enésima vez..
Que o debate avance..
Cumprimentos
Não sou daqueles, nem conheço praticamente ninguém, que defenda que a vitória eleitoral do Syriza não tenha nenhum significado. Teve, a questão é perante esta nova fase se as acções do governo Grego são de molde a provocar mudanças substanciais ou se está em curso uma rápida "Hollandização".
ResponderEliminarNo texto o autor diz "Os presos políticos foram libertados, a imprensa é livre, podemos manifestar-nos quando queremos" argumentos de peso para defender a sua tese quanto ao significado da revolução em Portugal. Agora pergunto, na Grécia, houve algo com o mesmo significado dos exemplos dados pelo autor acima???
Mais, em Portugal tudo isso aconteceu não devido à vontade dos governos provisórios e junta de salvação, mas devido à pressão na rua e apesar dessas instituições.
Na Grécia a história será a mesma, só haverá rupturas com algum significado em resultado da pressão na rua. Este governo confrontado apenas com a pressão das "Instituições" financeiras e da UE irá sempre tentar apaziguar e "negociar". Tal como no 25 de Abril/Prec as únicas alterações substanciais ao status quo só terão lugar como resultado da luta popular nas ruas. Porque os resultados das "negociações" entre o governo e as "instituições" já sabemos qual será...
Caro amigo
ResponderEliminarÉ tempo de mudar de Agulha.
O Povo Grego decidirá sobre sua situação, certezinha!
Como o Povo Português terá de o fazer!
Deixemos os velhinhos em paz, o tempo é agora!
25 de Abril de 1974 madrugada comigo na Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro, concelho do Barreiro.
Gozem a alegria que os gregos agora nos deram. Não exijam dos outros o que vós não conseguis fazer – uma Revolução –
Não culpem a história…
Adelino Silva
O Cunhal ainda vai ser culpabilizado pela nossa entrada na CEE e no Euro, com mais um jeitinho vão dizer que foi ele que tirou os subsídios de férias e de natal...E quer acabar com o RSI.
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