quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Vemo-nos cada vez mais gregos


Compromisso com o "equilíbrio orçamental", no espírito dos tratados, sendo a questão os meios para o atingir, menção à "economia social de mercado" e tudo: estes são alguns dos elementos de um artigo de Alexis Tsipras no Financial Times. E, claro, há uma referência à já famosa e nebulosa conferência europeia para resolver o problema da dívida. Mais moderado e multilateral seria impossível. O Syriza ganha, conquistando o espaço da social-democracia europeísta. Não há mal nenhum nisso, claro. Ganhar e conquistar o poder são coisas muito importantes. Há só um detalhe, que é o de saber se é possível um programa social-democrata, mesmo que diluído por décadas de derrotas, na Zona Euro. Não creio que seja. As coisas são como são feitas e não é à escala europeia que começarão a ser desfeitas e refeitas. Creio que Tsipras tenta a quadratura do círculo e creio que a direita vê bem quando fala do precedente que concessões relevantes ao Syriza criariam. Dito isto, a cooptação não é inevitável (é só um dos dois cenários que se colocam em última instância, creio). É muito importante, talvez seja mesmo o mais importante, saber se esta vitória estimulará ou não o movimento popular, gerando confiança para um movimento consciente de pressão interna que contrarie a pressão externa e não só. O futuro está em aberto. Vemo-nos cada vez mais gregos.

6 comentários:

  1. Se os gregos continuarem a nomear voluntarios para pagar as suas dividas os povos do norte, provavelmente vamos ter aquecimento na UE. Sempre deu mal resultado nomear voluntarios a força; principalmente quando é para pagar dìvidas dos outros.

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  2. Desde que o Syriza ganhou as eleições europeias em Maio, saíram 119 sondagens para as próximas legislativas na Grécia (46 desde o final do ano). O Syriza ganha em todas. É evidente que vai ganhar as eleições. E embora seja menos evidente, parece-me claro que vai formar governo. Ou porque tem maioria absoluta, o que parece mais difícil, ou porque arredondou tanto o programa que não terá dificuldades de maior em conseguir arranjar um parceiro governativo, na pior das hipóteses uma base parlamentar de apoio.

    Mas quem os viu e quem os vê!

    Há dois anos era a saída da Nato, reestruturação se necessário unilateral da dívida, suspensão do pagamento, saída do euro, nacionalização da banca.

    Agora, nem fecho das bases nem desvinculação (ainda que progressiva) da Nato, nem default, nem reestruturação unilateral da dívida, nem saída do euro, nem nacionalização da banca, quanto mais de outros setores, nem sequer saldos primários negativos (que podem ser uma necessidade).

    O que impressiona mais nem é o que se poderia tomar como um grande recuo tático, a suspensão transitória de muitas reivindicações, que, com algum esforço, se poderia compreender. É o deslizamento ideológico para justificar as cedências e a rendição (como nas declarações recentes sobre a Nato).

    O Syriza chega às eleições domesticado. Completamente social-democratizado. De "radical" já não tem nada e, se fosse honesto, mudava de nome. O Syriza que despertava, e ainda desperta, esperanças na europa, a meu ver muito exageradas, não é este Syriza que se prepara para tomar o lugar do Pasok, porventura com uma costela social mais desenvolvida.

    Chega, por outro lado, com um grande problema. Ao contrário dos outros periféricos europeus, como Portugal, Irlanda, Espanha, as taxas de juro da dívida gregas mantêm-se a níveis completamente incomportáveis (as obrigações do tesouro a 10 anos estavam, há bocado, a 8,97 %). Por outras palavras, o acesso aos mercados está fechado. Essa é, na atual conjuntura, uma das especificidades gregas, que baralha completamente o jogo do Syriza.

    Como recusam terminantemente a saída do euro e como não podem financiar-se junto dos mercados, só lhes resta uma possibilidade (para refinanciar, mesmo que reestruturada, a dívida pública, para financiar toda a atividade do Estado e para assegurar a liquidez do sistema bancário, que pode, embora não seja certo, sofrer perigosas fugas de depósitos): o financiamento da troika, isto é, do BCE, da CE, do FMI.

    A chantagem implícita da saída do euro já assusta muito menos, já não funciona. É evidente que uma muito improvável saída, mesmo contra a vontade do Syriza, perturbaria sempre, em alguma medida, a situação europeia. Mas a base objetiva para o contágio a outros países europeus estreitou-se muito. Os bancos europeus descartaram-se dos títulos de dívida pública e de todo o tipo de obrigações gregas que puderam, a banca grega ficou excluída dos empréstimos interbancários europeus e o BCE tem outro poder de encaixe.

    As perdas - que, em alguma medida, são inevitáveis, porque a dívida grega (tal como a portuguesa) é impagável, embora se possa adiar o momento desse reconhecimento - são suportáveis, porque ficam circunscritas, não se espalham pelos canais do sistema financeiro e a União Europeia tem arcaboiço para aguentá-las. Não é por acaso que a tendência dos últimos quatro meses para a elevação das yields gregas tem sido acompanhada pela tendência inversa de descida das dos restantes países europeus, incluindo dos periféricos.

    (continua a seguir)

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  3. (conclusão)

    O drama é que as promessas eleitorais do Syriza têm um sério problema de financiamento. Vendo bem, vendo bem, todo o programa eleitoral do Syriza se baseia na colaboração, no apoio e na boa vontade do FMI, do BCE e dos parceiros europeus.

    A Grécia está com uma dívida pública de 177% do PIB. Mas, neste momento, cerca de quatro quintos é dívida ao FMI, ao BCE e CE. A dívida aos investidores privados é inferior a um quinto. Ou seja, a reestruturação reivindicada pelo Syriza, de um corte de 50% do valor nominal dos montantes, só é possível com uma redução dos montantes devidos aos credores oficiais. Esse é que é o nervo da questão.

    Seria, muito provavelmente, possível aliviar a dívida à UE e ao FMI com um entendimento em torno de (mais um) alongamento dos prazos e (mais um) abaixamento das taxas de juro. O que não parece ser possível é uma redução, significativa, quanto mais substancial, dos montantes. Esta é a linha vermelha da Merkel, da Alemanha, do BCE e do FMI (que nunca a deixou transgredir em nenhuma circunstância).

    A outra linha vermelha é a manutenção da austeridade, do esforço de equilíbrio (irrazoável) das contas públicas. É evidente que, fazendo a analogia com a folga na dívida pelo alongamento dos prazos e o abaixamento dos juros, também a austeridade pode ter a sua folga com a admissão de défices primários e a suspensão excecional do cumprimento do Tratado Orçamental. Mas não se permite nada do nível, e muito menos do aumento, da despesa pública que o Syriza precisa para cumprir o seu programa, por exemplo do imprescindível aumento do investimento público.

    Pelo que o provável futuro governo deste partido fica sem saída. Vai provavelmente ceder, muito mais do que já o fez no plano das ideias, das palavras e das intenções. Vai ceder porque não tem a orientação, as soluções, a determinação e a coragem de entrar num confronto que leva à rutura com as instituições europeias e monetárias internacionais.

    E não falo de uma saída da UE. Mas falo de uma saída da zona euro e da instituição de um conjunto de medidas consistentes com essa opção (como a nacionalização da banca e do essencial do setor energético, entre outras).

    Eu não sou daqueles catastrofistas que acha que haverá grandes perturbações nos dias seguintes à vitória do Syriza, salvo possivelmente alguma fuga, talvez não tão significativa como se poderia recear, de depósitos bancários e, por essa via, algum alarme e quiçá alguma intranquilidade pública.

    Até penso ao contrário, porque acho que há margem para um acordo, ou pelo menos para um entendimento tácito, de alguma folga com a troika. Até nem posso excluir, com os níveis crescentes de liquidez no mundo e o quantitative easing europeu, com a diminuição do preço do petróleo e a desvalorização do euro, que a situação, com um entendimento, alivie substancialmente os juros da dívida grega e venha a permitir um acesso, limitado, aos mercados, mas isso parece difícil e, de qualquer modo, afastado no imediato e nos próximos tempos.

    Seja como for, para mim a questão não são os dias seguintes às eleições ou mesmo à tomada de posse do governo. Para mim a questão são os meses e os anos seguintes.

    O Syriza vai bater com a cabeça nos muros da União Europeia. Oxalá não fosse assim. Que desse triste acontecimento saiba a esquerda tirar as conclusões do que tem a fazer.

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  4. Muito bom o comentário deste anónimo.

    "Oxalá não fosse assim. Que desse triste acontecimento saiba a esquerda tirar as conclusões do que tem a fazer."

    De

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  5. O Siriza diz que não quer sair do Euro para não assustar os eleitores.

    Acredito que confrontados com a outras hipóteses vão acabar por decidir entrar em incumprimento e deixar a moeda flutuar nos mercados.

    Caso contrário, mais valia nem sequer se candidatarem.

    E quanto ao impacto do incumprimento da Grécia, seria devastador.

    O BCE ficaria tecnicamente falido e rapidamente a confiança dos mercados desapareceria.

    Portanto, acho importante aguardar pelos resultados.

    Mas acredito que se alguém pode mudar as coisas na Europa é o Siriza.

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  6. Não retirando acerto à análise feita pelo anónimo das 20:24, por uma questão de rigor diga-se que o (a) Syriza pelo menos desde 2012 que não propunha a saída do euro, se é que alguma vez o propôs. Para o que interessa, desde que o Syriza apareceu como uma força alternativa de poder nunca propôs a saída do euro.

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