terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Quando Álvaro quis unir o patronato

Álvaro Santos Pereira é uma pessoa voluntarista que quer mudar o mundo com a sua vontade. Isso não diz mal dele, mas a sua forma de olhar o mundo acaba por o punir.

No seu livro “Reformar sem medo”, o ex-ministro da Economia e do Emprego do governo de Passos Coelho conta a iniciativa – gorada – de unir um patronato demasiado dividido em Portugal. “Existem demasiadas vozes na CPCS [Comissão Permanente da Concertação Social]. No mínimo, existem demasiadas confederações patronais para tornar eficaz a voz dos patrões. Os patrões deviam falar a uma só voz, sem divergências notórias e sem descoordenação que, muitas vezes se regista entre as quatro confederações patronais”.

Álvaro acha que “seria igualmente bom se a parte sindical tivesse mais sintonia. Contudo, parece-me que isso será quase impossível, visto que a CGTP não tem demonstrado qualquer intenção de se aproximar da UGT, tal como os restantes parceiros”. Isto porque “a CGTP está demasiado radicalizada e demasiado controlada pelo Partido Comunista” e, “por isso, todos os restantes parceiros desconfiam da CGTP e preferem até que a maioria das discussões não seja feita na presença dessa central sindical”.

Posto esse cenário e “após estas consultas informais e após dois anos de trabalho com os parceiros, decidi que era chegada a hora de começar a agir para reformarmos a Concertação Social: É preciso um modelo mais próximo do espanhol, onde há apenas uma ou duas entidades patronais e um ou dois representantes sindicais. Uma voz para os patrões, e uma voz (principal) para os sindicatos. Uma alteração que nos poderia fazer apostar numa Concertação mais eficiente e menos centrada no aparato mediático”.

Imagina-se qual era a central sindical eleita como “principal”...

Continua Álvaro: “Por isso, no início da primavera de 2013, chamei ao meu gabinete os presidentes das seis confederações, as quatro confederações que têm presença na Concertação Social (CIP, CCP, CTP e CAP) mais as que nela não estão representadas (a Confederação da Construção e do Imobiliário, que durgiu de uma cisão da CIP, e a Confederação dos Serviços de Portugal, que foi constituída muito recentemente e que rivaliza com a CCP). E perguntei-lhes se estariam disponíveis para começar a rever o modelo de Concertação Social em relação à parte patronal”. Porque “havia demasiadas capelinhas para tudo e para nada”. E que “não tinha sentido haver seis confederações patronais, além das mais 700 associações empresariais, e que” – pasme-se agora – “era chegada a hora de concentrarmos esforços para que os patrões tivessem uma só voz”.

A iniciativa era importante porque “a CIP já tinha tentado fazer algo parecido uns anos antes, mas desta vez haveria um apoio informal por parte do Governo, de forma a reformar a Concertação

Imagine-se a cena. Um gabinete cheio com presidentes de confederações que se entreolham. “Ao ouvirem o que lhes transmiti, alguns concordaram, outros não. De qualquer maneira, alguns dos presentes disseram-me que era melhor que não se soubesse que aquela reunião tinha acontecido. Que podia parecer que o Governo estava a interferir com a autonomia das confederações”. Podia lá?! “Que era melhor que, nos meses seguintes, os patrões falassem uns com os outros e tentassem chegar a um entendimento.” 

O ministro sorri, voluntarioso, mas não percebe o sinal: “Eu disse-lhes que compreendia. E que contassem comigo para tentar ajudá-los a chegar a esse entendimento. E assim foi.”

Os presidentes levantaram-se para sair. Mas lembraram-se da comunicação social.

Infelizmente, esse encontro não foi tão sigiloso como deveria ter sido, pois no final da reunião ficámos a saber que os jornalistas tinham sido avisados e estavam à espera à porta do Ministério. Por isso, combinámos dizer que o motivo da reunião tinha sido a minha intenção de lhes divulgar o supercrédito fiscal e os restantes incentivos ao investimento. Assim foi. E ninguém desconfiou do real motivo da reunião”.

Percebeu?

9 comentários:

  1. O governo quis "vergar" a autonomia das confederações patronais e ocultou esse facto dos meios de comunicação social?

    Não tenho certeza de que percebi exatamente aquilo que era para perceber.

    ResponderEliminar
  2. O estado cooperativo no seu melhor

    ResponderEliminar
  3. Realmente para alem da eleita UGT... o resto ficou por perceber. Os factos já remontam a algum tempo, falta uma pequena explicação sobre o que era para perceber.

    ResponderEliminar
  4. 'A uma só voz'
    Só mesmo de um académico!
    Já seria um ganho que todos tivessem uma mesma ideia sob os fundamentos da economia e reconhecessem o básico das ideologias dominantes.

    ResponderEliminar
  5. Jose(zito):
    Porque não o Jose(zito) propor-se a dar-lhes um curso rápido em 2 lições: uma sobre ideologias; outra sobre economia.
    1.ª lição - o socialismo foi a invenção mais perversa da Humanidade (veja-se a miséria social dos países que o aplicaram na sua versão mais eficaz e racional, Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Holanda;
    2.ª - Os princípios básicos da economia resumem-se a um: liberalismo.
    Esta ideologia económica faz milagres, como o que está a acontecer em Portugal, depois de aplicado na versão austeritária mais dura para remediar uma situação de fraco crescimento económico e de défice e dívida excessivos: conseguiu a proeza de provocar recessão e aumentar a dívida.
    E irá conseguir outro milagre nos próximos 20 anos, prazo para, de acordo com o Tratado Orçamental, Portugal reduzir a dívida em cerca de 70% do PIB, fixando-a em 60%, pelo que só para a dívida terá de crescer 3,5% ao ano, mais pelo menos 2% para o país se sustentar como país, com as suas funções básicas mesmo reduzindo ao mínimo o Estado Social. Portanto, terá de crescer 5,5% ao ano durante 20 anos, coisa nunca conseguiu na sua história.
    Mas com este liberalismo exacerbado haverá este milagre, nem que seja recorrendo à Nossa Senhora de Fátima, pois somos um país muito dado a milagres.
    Vai ver que terá sucesso junto dos nossos empresários de pacotilha, daqueles que pululam por essa miríade de associações que vivem da mama do Estado.
    Porque os verdadeiros empresários, esses fazem o seu caminho sem o leitinho do Estado do qual dizem mal.

    ResponderEliminar
  6. Quis deixar tudo em bruto para qualquer um possa ler o texto à sua maneira. Mas para mim, há vários aspectos interessantes nesta confissão:

    1) a ideia de que a concertação é uma confusão, "política a sério". É demasiado barulho, isto da política;

    2) a forma paternalista e moralmente superior - ainda que voluntarista e bem intencionada - de dizer: "Não estão a ver que beneficiavam mais se estivessem unidos? Vamos lá resolver isso. Comemos umas bifanas e numa seroada tratamos disso".

    3) a cumplicidade natural - e tantas vezes escondida, omitida, esmamoteada - que há entre confederações patronais e quem defende ao extremo que a empresa deve ser o centro do mundo, a ponto de querer reformar a própria forma de representação do patronato, como se fosse um problema seu;

    4) O à-vontade com que se conta como se albrabou a comunicação social e se manipulou uns títulos de imprensa, em nome de uma verdade mais importante que deve manter-se escondida (não é novidade, mas é sempre uma estranha sensação quando alguém o confessa, sobretudo por quem passou pelo Governo);

    5) E choca-me neste à-vontade todo é a forma como se pretende ostracizar forças vivas da sociedade, como a CGTP, em nome de uma reforma da década, como Álvaro Santos Pereira repete ao longo do seu livro, sem perceber que a verdadeira reforma seria encontrar um entendimento de fundo, sério, sem pressas.

    No fundo, as revoluções são assim mesmo: uma forma de esmagar o inimigo. E a "revolução" liberal não escapa à lógica. Mas depois não haja queixas de que a democracia se perdeu algures no caminho. Porque é bem provável que quem com ferros mata, com ferros morra. Figurativamente.

    ResponderEliminar
  7. Chamar à CGTP uma força viva é excessivo. Trata-se de um fóssil-vivo e aí permanecerá para nos lembrar do que seja o verdadeiro socialismo.
    Não que esse socialismo seja uma ameaça, mas alimenta os seus derivados que, dizendo-se actuais, modernos, civilizados,mantêm o seu irracional de negar as condições necessárias à eficiência da economia que os emprega e alimenta.

    ResponderEliminar
  8. Uma má notícia para Jose/ JgMenos.
    Por mais que ele queira a CGTP é mesmo uma força viva.
    Com os seus defeitos mas com as suas muito mais patentes e poderosas virtudes.

    Que isso caia mal na consciência de jose e na sua serventia à "eficiência" da "sua " economia" é algo que não admira de todo

    Conheci em tempos um indivíduo que era pago para fazer relatórios sobre o emprego e a economia em tons exactamente iguais a este. A eficiência do mercado acima de todas as coisas emparelhava com o seu ódio aos sindicatos e a quem ousasse dizer não a este estado de coisas
    Era flamengo e tinha alguns nacionais como seus fieis. Parece que teve um mau fim e a prisão por um escândalo sexual que abalou a Bélgica.Mas isso agora nem interessa. O que interessa mesmo é que preparava os seus relatórios com citações do Friedman e tinha uma fotografia deste com Pinochet que devotamente partilhava com quem lhe partilhava o ideário.

    E a sua máxima era precisamente esta.
    Não se pode perturbar a eficiência dos mercados uber alles.
    E sonhava quando enfrentava os "ingratos " com o sacar de pistolas imagináveis

    Por fim o mais importante: mais uma vez um excelente trabalho de João Ramos de Almeida. Com um preciosíssimo acrescento.
    De facto: "obrigado"

    De

    ResponderEliminar