Sinceramente, não tenho nenhum prazer em voltar a este tema. Em primeiro lugar, porque a única vez que coloquei uma cruz à frente do símbolo do PS num boletim de voto foi para ajudar a reeleger António Costa à frente da Câmara Municipal de Lisboa. Não estou arrependido (ainda que não tenha qualquer intenção de repetir o gesto nas eleições legislativas de 2015) e não o teria feito se considerasse que a acção política e executiva de António Costa é conduzida por “incompetência ou má-fé”, como recentemente afirmou Poiares Maduro.
Voltar ao tema também não me agrada porque, no que respeita às posições políticas de António Costa, preferiria escrever sobre assuntos bem mais importantes. Quando o futuro líder do PS se pronunciar – o que ainda não fez – sobre a estratégia orçamental que pretende seguir nos próximos anos caso seja eleito primeiro-ministro, ou sobre como pretende lidar com o elevado endividamento público e privado em Portugal, ou ainda sobre como irá actuar face às disfunções da arquitectura da união económica e monetária europeia, que condenam a Europa e Portugal à delapidação do Estado Social – aí sim, valerá a pena debatermos a fundo as opções políticas em causa, seja para delas discordar ou, desejavelmente, para identificar pontos de entendimento que permitam perspectivar uma alteração de rumo para o país.
Dito isto, é impossível deixar de assinalar a forma como António Costa, na última Quadratura do Círculo (SIC Notícias), optou por lidar com a sua badalada gaffe acerca dos fundos do QREN. Costa não só se recusou a admitir o erro anterior, como procurou defender-se com base em duas afirmações pouco avisadas.
Primeiro, apresentou como evidência de má gestão do QREN, por parte do actual governo, o facto de ainda haver uma grande proporção de fundos por executar, sugerindo que aquele programa deveria ter terminado em 2013 e lembrando que o novo ciclo de fundos (2014-2020) já deveria ter tido início. Ora, em nenhum cenário seria de esperar que o QREN (cujo período de vigência formal é, de facto, 2007-2013) já estivesse inteiramente executado. Para perceber isto, basta olhar para o gráfico abaixo, onde se dá conta da execução dos fundos da Política de Coesão da UE entre 2000 e 2010. Como se pode verificar, parte do QCAII (em vigor no período 1994-1999) só foi executada em 2000 e 2001 (quando o QCA III, em vigor em 2000-2006, já estava em curso); e uma parte ainda maior do QCA III só foi executada em 2007, 2008 e 2009 (quando o QREN 2007-2013 já estava, ou deveria estar, em curso).
Ou seja, contrariamente ao que António Costa sugere, não é incomum – pelo contrário, está mesmo previsto nos regulamentos comunitários e acontece sempre em todos os países – que parte dos fundos de um ciclo de programação só seja executada quando o novo ciclo se inicia. Mais, tanto o final do QCA II como o final do QCA III coincidiram com períodos de governação socialista. Logo, a crítica que Costa aponta ao actual governo, se fosse correcta (e não é), aplicar-se-ia da mesma forma (aliás com maior intensidade no caso do QCAIII) aos governos do PS.
Mais adiante, quando Lobo Xavier chamou a atenção do futuro líder socialista para o facto de Portugal apresentar uma das maiores taxas de execução dos fundos entre os países da UE, Costa escudou-se numa metáfora futebolística (‘o Benfica vai à frente no campeonato, mas é indiscutível que perdeu com o Braga’), sugerindo assim que o bom desempenho na execução do QREN não se devia aos últimos anos de governação, sendo algo que vinha de trás. No entanto, a análise da evolução do ritmo de execução dos fundos (próximo gráfico) não sugere que haja uma desaceleração significativa na execução desde 2011.
Na verdade, isto pouco ou nada nos diz sobre os méritos ou desméritos do actual governo na gestão do QREN: seja porque o ritmo de execução após 2010 é em parte explicado por decisões tomadas pelo anterior governo no final do seu mandato; seja porque a execução depende mais das condições financeiras do país do que das decisões governamentais; ou ainda porque, como já aqui referi, é muito menos importante saber quanto foi gasto do que o destino que se deu aos fundos.
Ainda mais relevante, nesta fase, é saber o que se vai fazer com os fundos europeus no período 2014-2020. É que os fundos representam hoje uma parcela fundamental dos recursos disponíveis para políticas de desenvolvimento do país. Até aqui tudo tem estado a ser decidido no segredo de negociações opacas entre o governo e a Comissão Europeia, sem escrutínio nem debate (nem sequer no Parlamento). Seria bem mais interessante ouvir António Costa falar sobre isto. Ou seja, ouvi-lo falar no que é verdadeiramente importante para o nosso futuro colectivo.
[Nota: os gráficos acima e muita outra informação sobre os fundos estão disponíveis aqui].
O grande problema destes textos é que enterram bem o pé no laço que o PS/Costa habilmente tem vindo a estender.
ResponderEliminarDiz o autor que seria bem mais interessante ouvir António Costa sobre os grandes problemas estruturais e não se pode deixar de acompanhá-lo nessa pretensão ou nessa exigência.
O problema é a ingenuidade com que se aguarda que isso suceda: "Quando o futuro líder do PS se pronunciar..."
Isso não sucederá tão cedo e provavelmente não sucederá nunca. Salvo se for obrigado, pelas movimentações sociais, pela opinião pública, pelas necessidades com que o país pode vir a ser a breve trecho confrontado.
António Costa, que quer manter a imerecida imagem de homem de esquerda, mas sempre sem assustar a direita, mais precisamente os grandes interesses e os grandes poderes económicos de cujo aval necessita para governar, não tem intenção nenhuma de se pronunciar sobre a estratégia orçamental, o endividamento nacional, a integração monetária e económica, entre outros importantes temas do nosso devir coletivo.
Desconto, obviamente, as sentenças inócuas, limadas, redondas, a retórica desfibrada, oca, empolada, as generalidades, as banalidades, os nem carne nem peixe, nem sim nem não, em que ele e o seu partido se tornaram especialistas. Nisso, ao senhor NIM, reconheça-se-lhe a habilidade.
Para quem discorde, desafie-se a exibir na recente campanha interna do PS, em que se disputou a escolha partidária para o cargo de primeiro-ministro, as propostas do escolhido sobre algum dos importantes temas mencionados no post. E no entanto, supostamente, seria a ocasião ideal, pelo menos a ocasião apropriada, visto que se escolhia o "candidato" dos socialistas a chefe de governo.
Se puder - se o deixarem - o Costa e os socialistas vão a votos sem abrir o bico sobre nada disto. Os novos acólitos - Livre, Manifesto, etc. - continuarão a alimentar a ilusão que o candidato é de esquerda e que "pode fazer a diferença". O Costa, sabido, experiente, quieto e calado, que as ovelhinhas tontas, desorientadas como andam, chegam ao redil do PS pelo próprio pé.
Deixo aqui um desafio ao autor. Em vez de ficar à espera que "o futuro líder do PS se pronuncie", que estipule um prazo máximo que considere aceitável para que um proponente a chefe de governo esclareça algo de inequívoco sobre as grandes opções estruturantes que defende para o país, nomeadamente algumas das que enunciou neste texto.
É que, a bem dizer, o Costa do PS só se propõe a si próprio. Quem não tiver dois dedos de testa para reconhecer um cheque de esquerda careca, ao menos que tenha um dedo de testa para não o trocar por um cheque em branco.
Na minha opinião de leigo, fiquei exatamente com a mesma ideia. Ou seja, estas afirmações do António Costa tratam menos do QREN e são, isso sim, muito mais reveladoras do perfil do próprio AC, na medida em que continuamos à espera de que ele faça referência ao que realmente é importante, coisa que até aqui ainda não fez. Neste e noutros assuntos, quando tem a oportunidade de ser fraturante, não marca diferenças. Continuam escorregadios os répteis ocultos no pântano.
ResponderEliminarRecomenda-se a leitura, especialmente aos que parecem ter como objetivo de vida ingressar no clube de fãs do Hollande português:
ResponderEliminarhttp://politeiablogspotcom.blogspot.pt/
Especifico melhor o link:
ResponderEliminarhttp://politeiablogspotcom.blogspot.pt/2014/11/o-ps-num-dilema-ou-nem-isso.html
Sou um leitor assiduo (quase diário) do "Ladrões de Bicicletas e, na grande maioria dos casos aprecio os vossos "posts", sobretudo os RPM, NS, JR e JG (agora um pouco ausente). Este tema é muito técnico, e refere-se a uma matéria que não domino, mas também achei que o AC se tinha "esticado". No entanto hoje li este esclarecimento e há nel qualquer coisa de cosnsitente.
ResponderEliminarhttp://economico.sapo.pt/noticias/direito-de-resposta_205165.html