A economia alemã é frequentemente apresentada como um exemplo de dinamismo e robustez económicos, assentes no conservadorismo fiscal-orçamental e numa moderação salarial que remonta às reformas introduzidas por Gerhard Schroeder no final da década de 1990. Trata-se de um exemplo, defendem os responsáveis politicos alemães mas também numerosos políticos e analistas conservadores pela Europa fora, que deveria ser seguido em primeiro lugar pelas irresponsáveis economias da periferia europeia, mas também, por exemplo, pela economia francesa, cuja estagnação económica é apresentada como resultado de excessiva rigidez nos mercados de trabalho e de produto. Todos fossem como a Alemanha, alega-se, e a saúde económica da Europa seria bem melhor.
Pois bem, trata-se de mais uma falácia do discurso conservador e austeritário. Ou antes, trata-se de duas falácias.
A primeira falácia é a representação factualmente errónea da saúde da economia alemã. Se é certo que o desempenho económico da economia alemã é bastante superior ao das economias da periferia da zona Euro, a verdade é que, pelo menos na última década, não deixa de ser apenas sofrível: o crescimento económico real da economia alemã entre 2002 e 2013 mal ultrapassou, em media, 1% anual. A diferença face à economia francesa, em termos de taxa media de crescimento económico real nos últimos dez anos, é de escassas décimas de ponto percentual - mas poucos seriam aqueles que o adivinhariam tendo em conta o discurso habitual acerca da "robustez alemã e da esclerose francesa".
Mais importante do que isso, porém, é o facto da opção deliberada pela compressão salarial na Alemanha a partir do final da década de 1990 ter provocado um enorme aumento dos níveis de desigualdade e pobreza. Isso mesmo foi claramente afirmado por um relatório da OCDE em 2008: "a pobreza e a desigualdade de rendimento aumentaram mais entre 2000 e 2008 na Alemanha do que em qualquer outro país da OCDE".
É certo que os níveis de desemprego são baixos para os actuais padrões europeus e que os superávites externos continuam a bater recordes. Mas trata-se de uma aparente robustez com pés de barro, já que depende muito fortemente da procura das economias emergentes por bens de equipamento, a qual começa agora a vacilar (como assinalou esta semana Wolfgang Munchau no Financial Times). E que, em última instância, não é mais do que um neo-mercantilismo feito à custa tanto dos parceiros comerciais como da própria população. "Beggar thyself and thy neghbour", como resume lapidarmente o título do relatório do think tank inglês Research on Money and Finance sobre este mesmo tema.
E assim chegamos à segunda falácia que caracteriza a ideia da economia alemã como exemplo a seguir. É que o relativo sucesso da economia alemã assenta inteiramente no saldo externo, e este depende da sua mercantilista desvalorização interna - só que essa estratégia não pode ser seguida por todos porque, simplesmente, os superávites de uns são sempre défices de outros. Trata-se do que se costuma designar por uma falácia de composição: aquilo que funciona para um não funciona e não pode funcionar para todos ao mesmo tempo.
Os persistentes superávites externos assentes na compressão da procura interna só funcionam como motor de crescimento se, e enquanto, os parceiros comerciais não atingirem os limites do seu próprio endividamento externo, ou não inverterem a sua própria política. Quando todos tentam ter superávites ao mesmo tempo, o resultado é negativo para todos: as economias superavitárias param de crescer e as economias deficitárias não só estagnam ainda mais como nem sequer conseguem reduzir os seus défices. A procura externa reduz-se para todos - e a interna também.
Juntamente com o lastro do endividamento acumulado e com a disfuncionalidade do Euro, com os quais está aliás relacionado, é basicamente este o drama actual da economia europeia.
Por isso, da próxima vez que ouvir louvar a saúde da economia alemã e pregar as respectivas políticas como um exemplo a seguir, desconfie. A realidade é bem diferente.
(texto publicado originalmente no Expresso online)
O alemão a responder ao critico confirmou as dificuldades que a Alemanha tem em se manter competitiva : um salário mínimo de 1800€.Os portugueses com um salário médio de um engenheiro de entrada de 1000€ não consegue descolar de défices excessivos e eles é que têm pouca saúde?
ResponderEliminarA economia alemã continua a ser 1 dos mais poderosos centros industriais do mundo. A sua economia sempre foi extremamente competitiva, independentementedos ciclos de > o u< crescimento económico. Os alemães sempre apostaram na exportação de bens e equipamentos de valor acrescentado (que Cavaco descobriu há pouco tempo, pena ñ ter instituído políticas nesse sentido quando governou Portugal durante 10 anos...)Mas, 1 dos segredos q está a sofrer forte erosão foi, ao longo dos tempos, aplicar 1 política salarial elevada (obrigando empresas e sindicatos a estabilizarem as relações) q garante logo 1 > distribuição de riqueza e, por isso, > capacidade de consumo e poupança. Ah! e foi obrigando as empresas a produzir mais porque, tendo custos de produção maiores (por força dos custos laborais , entre outros) tiveram e têm que fazer pela vida. A opção é oferecer o q os outros ñ oferecem e c/ a + alta qualidade possível para fidelizar mercados. Esse foi o maior falhanço do Portugal do pós-25ABR, o que ñ surpreende. Portugal nunca foi 1 país de empreendedores. Com o investimento feito nos últimos 40 anos na educação e investigação, as mais jovens gerações são as q estão em melhor condições p alterar o fado lusitano de séculos em q o grande empresário foi... o próprio Estado. O problema é q este governo está adotando políticas suicidas q podem inverter o pouco de bem q se construiu...
ResponderEliminarA única gtande questão que aqui se coloca é: se a vida não está fácil para os ricos e produtivos, porque se continuam a vender facilidades para os contrários?
ResponderEliminarUma curiosidade é saber se a Auto-Europa - que conta para o nosso PIB - não foi feita com os capitais e excedentes alemães; por outras palavras, se o crescimento da economia 'alemã' no exterior não conta na avaliação do caso.
A Alemanha sem o Euro estaria com uma moeda muito mais valorizada e portanto os seus produtos deixariam de ser competitivos nos mercados internacionais.
ResponderEliminarÀ conta de Portugal e de outros, andamos a subsidiar a Alemanha através da nossa pertença à zona euro.
Sim, porque para nós o câmbio é demasiado elevado.
Se a Alemanha tivesse moeda própria valorizada, lá teria que fazer a desvalorização interna que ouiros recusam por razões que só a cobardia explica.
ResponderEliminarAlgumas pessoas que aqui comentam, devem ficar-se pela leitura do título, caso contrário, abstinham-se de dizer coisas como "desvalorização interna que ouiros recusam por razões que só a cobardia explica."
ResponderEliminarOs dados aqui apresentados por Alexandre Abreu são duma clareza cristalina.
ResponderEliminarMas por desmontarem falacias enraizadas no público, graças aos esfdorços propangandisticos dos media fidelizados, coreografados pelo ministério de propaganda neoliberal, fazem que a sua leitura seja perturbada pelos preconceitos habituais.
Contra factos não há argumentos. E os indicadores de saúde da Alemanha não podem escapar aos números.Nem ficar reféns de palavras de ordem desconexas que só atestam o imenso vazio da doutrina neoliberal assente em dogmas que cada vez mais são postos em cheque.
Dados concretos e obectivos são necessarios quamdo se abordam estes temas
Ah e já agora é inútil o disparate de fazer passar que a vida está difícil para os ricos e "produtivos". Nem a vida está difícil para estes ( dizem os dados que estão cada vez mais ricos, lá como cá)). Nem a sua riqueza deriva do facto se serem simplesmente "produtivos"
"A "Europa" não é um espaço solidário. Em vez de solidariedade, a concorrência desleal. (…) Apesar da federalização de políticas tão importantes os construtores da Europa do capital nem querem ouvir falar em harmonização das políticas tributária, laboral e social.( António Avelâs Nunes )
Que importa a austeridade à Alemanha, se isso interessar à manutenção do "seu" euro. Isso apenas importa na medida em que for favorável ou contrário aos seus interesses - leia-se da oligarquia alemã, - agora como no passado.
(Em outubro de 1940, Hitler dava instruções sobre a Polónia: "Não é preciso pensar em melhorias para eles. Cumpre manter um padrão de vida baixo (…) devemos utilizar o governo-geral da Polónia simplesmente como fonte de mão-de-obra não especializada."
Em outubro de 1943, Himmler, perante uma assembleia de SS, declarava: "se 10 000 mulheres russas caem de exaustão a cavar um fosso contra tanques interessa-me apenas que esse fosso seja concluído para a Alemanha", Ascensão e Queda do 3º Reich, vol. IV, W. Shirer, Ed. Civilização Brasileira, 1962, p. 12) (Daniel Vaz de Carvalho)
"O euro que nos é apresentado como um projeto coletivo é na realidade o projeto de um país que tenta impô-lo aos outros." [( Jaqcques Sapir)
De facto, como também salienta J. Sapir, o euro contribuiu decisivamente para a competitividade da economia alemã, porém economias como a portuguesa viram a sua competitividade diminuir, os défices agravarem-se, sendo conduzidos para "programas de ajustamento" com base na deflação salarial, perda de direitos, desemprego, redução do salário direto e indireto sob a forma de prestações sociais, que os comentadores de serviço mascaram como "gorduras" e "despesismo do Estado". ( Vaz de Carvalho)
E a economia alemã começa a vacilar.Berlim começa a reconhecer que as suas perspectivas económicas não são as melhores. Schäuble já admitiu que a economia alemã está mesmo a arrefecer. "Não há como negar que o ambiente económico piorou", declaração que vai no sentido da proferida por Angela Merkel.
De
A governanta gorda que manda na europa quer ao mesmo tempo vender a manteiga que lhe sobra enquanto mantém os meninos destinatários dessa manteiga em dieta rigorosa.
ResponderEliminarUma quadratura do círculo?
Sim, há quem quem chame aos gordos tanto de quadrados como de redondos...
Não custa compreender porque a economia alemã começa a arrefecer. As exportações alemãs não são só Mercedes para a China, há a componente de maquinaria e de serviços que se encontra espalhada por toda a Europa. Basta ver nas grandes obras públicas (entre Euros e Jogos Olímpicos) a quantidade de empresas alemãs envolvidas. Por outro lado, os alemães também distribuiram a sua produção por países de menores custos, assim de repente Portugal e Espanha. Ora essas indústrias, após o alargamento de 2004, foram na sua maioria a correr para o Leste Europeu, onde os custos são mais baratos. Ora, com a austeridade que os alemães andaram a impôr, todos os outros pequenos exportadores e servidores, que não chegam à China, se viram obrigados a recuar.
ResponderEliminarO nosso digníssimo Presidente é um dos principais culpados pelo Estado a que isto chegou. Poucos governantes terão esbanjado tanto dinheiro que poderia ter servido para modernizar o país. Ao invés foi tudo para asfalto e benefícios a empresas que assim que deixámos de ser os mais miseráveis da Europa, fugiram em busca destes.
Um último parágrafo na mouche caro norTor
ResponderEliminarDe