quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Cortar para lá do osso, preservando as gorduras


A proposta de Orçamento de Estado aplicou, ao ensino básico e secundário, a maior fatia do corte de despesa pública assumida pelo governo para 2015. São cerca de 704 milhões de euros a menos, o que traduz uma redução de 11,3% em relação à estimativa de execução prevista para 2014. Trata-se, portanto, do maior golpe alguma vez desferido na Educação e que ocorre, como bem lembrava o Pedro Sales, em ano de alargamento da escolaridade obrigatória. Já não se trata de cortar no músculo, agora é mesmo entrar pelo osso adentro.

Bem pode o ministro Nuno Crato defender que a «dimensão real» dos cortes no sector será de «apenas» 200 milhões de euros, apresentando o restante valor (cerca de 500 milhões) enquanto despesa de 2014 «que não transita para 2015», como se essa despesa que se extingue correspondesse a gastos supérfluos. Não, não são. São cortes que resultam, entre outros, da redução de pessoal docente, do aumento do número de alunos por turma e do encerramento selvático de escolas, a que o ministro chama, insidiosamente, «ganhos de eficiência». Isto é, são o resultado líquido da política de terra queimada em que Crato mergulhou a Escola Pública. Mesmo com um nível de execução orçamental idêntico ao que se prevê para 2014, os cortes no ensino básico e secundário estabelecidos para 2015 fazem com que, desde 2011, o sector tenha sofrido uma contracção acumulada na ordem dos 1,7 mil milhões de euros (ou seja, menos 26% face ao valor do orçamento, nesse ano).

Não se pense contudo que a devastação é para todos. Quando se avalia o peso das transferências para o ensino privado e cooperativo, face ao orçamento para o ensino básico e secundário, lá se vai o rigor e a boa gestão dos recursos. De facto, se até 2013 a diminuição destas transferências era externamente imposta pelo Memorando inicial assinado com a troika (visando sobretudo a redução de encargos com Contratos de Associação), a partir de então o ensino privado e cooperativo começou - apesar dos cortes de pura cosmética - a recuperar território orçamental: o peso das transferências para o sector, que havia baixado para 4,0% em 2013, volta a atingir, em 2015, um peso relativo de 4,3%. Ou seja, a constante redução de verbas para a Escola Pública traduz-se, para os privados, numa reconquista do bolo orçamental, assim se salvaguardando as verdadeiras gorduras da Educação. As gorduras que todos pagam, para prejuízo de muitos e beneficio alarve de alguns, os escolhidos a dedo por colégios e escolas privadas.

3 comentários:

  1. Mais uma vez...um muito bom texto

    Coelho diz que"Isso só significa que acertei quando o escolhi para ser ministro da Educação". E, por isso, Crato prossegue, serenamente, a gestão de um ministério onde, no projeto de Orçamento do Estado, se promete cortar para o ano mais 700 milhões de euros.
    Se o objetivo de Passos, quando formou governo, foi o de procurar homens e mulheres que teimosamente insistissem em repetir erros em cima de erros, sem nunca perder a determinação com que procuram novos erros para cometer, então, não há dúvida, Nuno Crato foi uma escolha espetacular.
    De resto o homem já reincidiu: os tais 700 milhões de cortes inscritos por Maria Luís Albuquerque nas contas da Educação são "na prática, 200 milhões" disse-nos ele guiado, suspeito, pela habitual matemática obstinadamente errada e candidamente adorada pelo chefe do governo. Com números lidos assim adivinho já as casas de apostas a tratar de cotar a data da próxima paralisia das aulas em Portugal"

    Daqui , dum comentário de Pedro Tadeu no DN
    http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4191932&seccao=Pedro%20Tadeu&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco&page=-1

    Resta saber se de facto tudo isto são mesmo "erros" ou uma estratégia deliberada para.

    De

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  2. Absolutamente de acordo.

    Muito bom post.

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  3. Esta "transferência de verbas entre sistema público e particular de ensino é um dos paradigmas do ADN neoliberal deste governo de Passos.

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