segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A verdadeira reforma do IRS


“Se a reforma não é estrutural, então o que é que é uma reforma estrutural?” Foi assim que Paulo Portas, em directo nas televisões no sábado passado, das jornadas parlamentares da Maioria, puxou dos galões por uma reforma feita à sua imagem.

O secretário de Estado Paulo Núncio é militante do CDS, conselheiro de Paulo Portas e formatou as comissões de reforma do IRC e IRS para não ter surpresas. Colocou como presidente da comissão do IRC António Lobo Xavier, um militante e ex-deputado do CDS, administrador do BPI, do grupo Sonae e da principal construtora nacional (Mota-Engil). E para a comissão do IRS vetou nomes que poderiam pôr em causa as suas ideias, como Manuel Faustino, ex-responsável na administração pelos Impostos sobre o Rendimento, tido como o “pai” do IRS.

Não se tratou de uma reforma estrutural. Estrutural foi a criação do IRS em 1988, que visou tributar da mesma forma os tipos de rendimento. Mas, apesar da intenção, essa reforma não agregou todos os rendimentos e – por pressão do Governo Cavaco Silva – manteve a tributação do capital à parte, com a das mais-valias mobiliárias quase isentas. E pior: determinou que se fizesse fé das declarações dos contribuintes, retirando poderes ao Fisco para as questionar.

Nessa altura, os salários e pensões representavam cerca de 60% do rendimento, próximo dos dados do INE. Passados 25 anos de remendos e entorses, vaidades comezinhas e corrupções, permitiu-se uma considerável evasão. Veja-se os números trabalhados a partir dos valores oficiais da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).


Em 2012, salários e pensões representavam 90% do rendimento declarado e pagavam 80% do IRS liquidado. Os rendimentos de capital eram 9,2% do rendimento declarado e pagavam 17,3% da receita do IRS. É de acreditar?

Nesse ano, os assalariados e pensionistas tiveram um rendimento médio por agregado de 13 mil euros anuais e os detentores de capital e mais-valias de 31 mil euros anuais... Os rendimentos dos empresários são de 6 mil euros anuais. Tal como os detentores de rendimentos prediais. As próprias estatísticas da AT passaram a designar as categorias de rendimentos do capital e mais-valias como “outros” rendimentos.

Estrutural seria, sim, ajustar as declarações à realidade. Mas esta “reforma” riscou o uso pela AT de indicadores médios de actividade que poderiam ser usados para questionar os contribuintes. Esses métodos ficaram na Lei Geral Tributária desde 1998, mas nenhum Governo os pôs de pé. E claro, este também não. “O natural de um governo de centro-direita é gastar menos e tributar menos”, disse Portas no sábado.

Esta foi uma “reforma” feita à pressa, em ano de eleições, para salvar a cara do CDS com uma “moderação fiscal”, porque foi Portas quem deu também a cara – sem protestos audíveis - pelo “enorme aumento de impostos” de 2013 que, aliás, ainda se manterá em 2015. Na altura, essa medida foi desenhada para mudar o motor da economia: cortar num consumo “acima das nossas possibilidades” - mas cuja subida agora se aplaude – e fazer subir as exportações, que afinal estarão em recuo. Portas defende agora um IRS “amigo das famílias” e do “crescimento da demografia”. Mas foi, sim, a alteração da legislação laboral defendida pelo CDS desde 2003 uma das maiores condicionantes da demografia, ao levar à redução salarial e à redução dos tempos de lazer.

A “reforma” do IRS foi feita em cima do joelho e sem estudos de impacto. De tal forma que obrigou à “balbúrdia” da cláusula de salvaguarda.

E quais serão os seus efeitos?
  1. Tributar menos as famílias numerosas, embora aquém do cortado no abono de família. Depois, desde o início do século XXI, entre 2001 e 2011, que as famílias numerosas em expansão são as de empresários (de 1,1 para 3% das famílias), as de quadros profissionais e técnicos (de 9 para 14,6%) e profissionais administrativos e de serviços (de 12,7 para 16,9%). As dos operários, ainda maioritárias, estão em recuo (de 25 para 21%). Para mais detalhes, ver aqui (quadro 9.8, pag 221). E uma coisa é certa: as famílias mais pobres (2,1 milhões de assalariados e pensionistas e 268 mil de assalariados com outros rendimentos) não beneficiarão desta medida - nem da nova dedução com despesas de educação (nova versão "cheque-ensino" do CDS) - porque já não pagam IRS, de tão pobres que são, mesmo sendo assalariados. E esses poderão ser ainda penalizados por outra medida: 
  2. Criar-se-á um tecto aos apoios sociais, como forma de castigar os preguiçosos – pobres - que vivem à custa do Estado, dando lastro à mais velha a bafienta filosofia de que os pobres têm é de ser postos no lugar, para não se embebedarem.
Eis mais uma “reforma estrutural”.

3 comentários:

  1. Mais uma vez um excelente post

    Os factos são uma coisa tramada.Os axiomas neoliberais têm dificuldade em sobreviver perante a realidade. nua e crua

    Resta ou o silêncio ou a propaganda miserável dos media subservientes a replicarem a missa da escola de chicago/Gaspar/coelho/portas.

    Ah, esquecia-me . O insulto e a ameaça são outras opções por parte da trupe acima citada

    De

    ResponderEliminar
  2. Como têm dificuldade em sobreviver? Não só não os vejo a estrebuchar perante o seu falhanço, como ainda os vejo a prosperar. Dúvidas? Veja-se por essa Europa fora (para não ir para outras paragens) quantos e quantas estão dispostos a colocar o seu voto nos que defendem e lhes papagueiam esses axiomas.

    Se economia fosse ciência é verdade que o neoliberalismo (para não dizer todo o liberalismo) já tinha sido remetido a nota de rodapé, uma mera curiosidade histórica, mas como se assemelha mais a religião...

    ResponderEliminar
  3. Touché...

    De facto os axiomas é que são postos em causa.

    Mais do resto ainda proliferam como seita religiosa ...e maligna

    De

    ResponderEliminar