domingo, 28 de setembro de 2014
O colapso do futuro
A evolução do investimento nos últimos anos implica uma degradação da capacidade produtiva cujos efeitos serão sentidos por muitos anos. Trata-se de um colapso do presente, mas também do futuro.
A importância económica do investimento é conhecida de todos.
Do lado da oferta, o investimento é um dos determinantes principais da produtividade. Não é o único, claro está - há outros aspectos importantes, como o padrão de especialização, a eficiência da organização e as qualificações dos trabalhadores -, mas é fundamental: os processos produtivos mais intensivos em capital (maquinaria, equipamentos) são tendencialmente muito mais produtivos. Níveis de crescimento económico sustentadamente elevados têm sempre associados níveis de investimento elevados.
Do lado da procura, o investimento desempenha um papel central no chamado "efeito acelerador-multiplicador". A parte do multiplicador é relativamente conhecida e é comum às outras componentes da despesa, como o consumo ou a despesa pública. Resulta do facto das despesas de uns serem rendimentos de outros, sendo que estes últimos, por sua vez, despendem parte desses rendimentos - e assim por diante. Consequentemente, o efeito total de uma determinada despesa não se limita a essa mesma despesa, correspondendo antes ao conjunto das despesas directas e induzidas no conjunto da economia.
Por sua vez, a parte do acelerador consiste no efeito do nível de actividade económica sobre a capacidade produtiva pretendida ou planeada pelos empresários: quando a actividade económica está em expansão, as perspectivas de vendas das empresas aumentam, pelo que aumenta a procura por maquinaria e equipamentos - ou seja, o investimento.
Combinando os dois efeitos, temos um círculo potencialmente virtuoso, especialmente potente quando a economia tem muita capacidade produtiva por utilizar, em que o aumento do investimento, por via do multiplicador, aumenta o nível da actividade económica - e este, por via das expectativas de vendas, aumenta o nível do investimento.
Finalmente, o investimento é ainda um dos principais factores determinantes da criação de emprego, pois a aquisição de máquinas e equipamentos faz-se normalmente acompanhar pela contratação de trabalhadores. Há excepções, claro, como é o caso da mera substituição de equipamentos ou da introdução de processos produtivos que impliquem despedimentos, mas em termos agregados mais investimento significa geralmente mais emprego.
E é à vista de tudo isto que o colapso do investimento em Portugal nos últimos anos é uma verdadeira catástrofe, na minha opinião insuficientemente apreciada nas suas dimensões. A quebra da formação bruta de capital fixo (FBCF, que é a principal componente do investimento, a par da variação de stocks) entre 2007 e 2013 foi de -37%. É, simplesmente, um número aterrador, que retrata uma economia em acelerado processo de subdesenvolvimento e degradação produtiva.
Não está apenas em causa a contracção da economia como um todo. Em percentagem do PIB, o investimento representou em 2013 cerca de 15%, quando em 2007 ascendia a 23%. Ou seja, o investimento não diminuiu apenas porque a economia como um todo contraiu, mas também porque a parte do investimento no conjunto da economia diminuiu consideravelmente.
Um impacto desta dimensão sobre a capacidade produtiva da economia só é comparável à de uma guerra vivida em território nacional. Não são só os níveis de procura agregada, emprego e produto que se têm ressentido da forma que conhecemos - é também a capacidade produtiva futura que está em causa. Trata-se de um colapso do presente, mas também do futuro.
É por isso que devemos encarar com o maior cepticismo as narrativas da recuperação, eleitoralmente motivadas, com que temos sido crescentemente confrontados. Os níveis do investimento e do emprego (que não a taxa de desemprego, fortemente dependente da emigração e da passagem desencorajada à inactividade) continuam a ser não apenas muito mais baixos do que antes da eclosão da crise, como muito mais baixos do que aquando da entrada em funções deste Governo.
Esta "retoma" é uma mera suspensão temporária, em grande medida devida ao Tribunal Constitucional e à aproximação de eleições, de uma trajectória descendente acelerada. E tendo em conta que todos os constrangimentos estruturais continuam presentes, da moeda única às dívidas pública e externa que nunca foram tão elevadas como hoje, a verdadeira retoma não está seguramente para breve.
(publicado originalmente no Expresso online)
Depois de estabelecer a vital dependência da economua do investimento - que o mesmo é dizer de empresários e suas expectativas - o autor dedica-se a denegrir as expectativas e a ignorar o que o permanente ruído anti-capital pode provocar nas iniciativas empresariais.
ResponderEliminarHá 40 anos que se canta este fado: invistam já e muito, que logo que possível serão integrados neste auspicioso projecto de socialismo que estamos preparando.
Um canto com um irrecusável encanto!
Creio que este post é repetido.
ResponderEliminarAlexandre :
ResponderEliminarConcordo contigo . Agora supõe que és 1º ministro com maioria absoluta ,apresenta lá o plano para sair deste atoleiro .
pedro
Três comentários breves a um do sr jose:
ResponderEliminar1-Confrangedora a relação primária do "investimento" com empresários e com empresas
2-Comovedora a solidariedade do sr jose com as "iniciativas empresariais" e a sua fúria com o " permanente ruído anti-capital" , sobretudo quando confrontada com a irritação e o ódio patente a tudo o que seja trabalhador ( sobretudo se da função pública, sindicalista ou mesmo sindicalizado) .
3-Obscuro o irrecusável encanto pelo fado cantado nos anos antes de Abril de 74 referido sistematicamente pelo sr jose
Daí que me interrogue se:
1-o sr jose lerá algo mais do que os axiomas neoliberais paridos num qualquer blog do ramo?
2-A irritação com o "ruído anti-capital" terá sido exacerbada pela exposição pública das relações entre a tecnofarma e as expectativas do sr passos coelho?
3- "O auspicioso projecto de socialismo" que jose diz estar preparando (!) não é um eufemismo aterrador para um regresso a um regime bolorento e execrável, em que o pessoal do regime levantava o braço em acto de saudação?
O fracasso da governança neoliberal conduziu-nos ao colapso do presente. O futuro adivinha-se aterrador se não invertermos este rumo.
De