A crise do BES, gerada ao longo de décadas de finança à rédea solta, será um excelente caso de estudo para usar em aulas sobre a financeirização do capitalismo. Infelizmente, a matéria não faz parte dos programas da licenciatura em Economia, e por isso não é de espantar que a esmagadora maioria dos economistas portugueses se sinta surpreendida com a queda do império GES e refira os casos BPP e BPN como casos de polícia, não esquecendo o Banif.
Porém, estão completamente enganados. Todos estes casos, e outros que vão aparecer, são ao mesmo tempo casos de polícia e manifestações do normal funcionamento de um capitalismo financeirizado. Contrariando o discurso dos analistas da televisão, não se trata de casos anómalos de um sistema que regra geral funcionaria bem. Pelo contrário, é assim que o capitalismo hoje funciona, e por isso mesmo o número de crises financeiras disparou desde que, a partir dos anos 70 do século passado, se foram abrindo as portas à circulação de capitais de curto prazo. Na Europa foi crucial a decisão de Mitterrand, na Primavera de 1983, de ceder à especulação financeira para não pôr em causa o sistema monetário europeu que amarrava as várias moedas ao marco alemão. Com esta escolha, os socialistas franceses deixaram cair a sua política económica de promoção do crescimento e do emprego, relaxaram o controlo dos movimentos de capitais e adoptaram uma agenda de liberalização do negócio financeiro. Em suma, meteram o socialismo na gaveta.
Com Bill Clinton, o regresso à integração entre banca comercial e banca de investimento financeiro foi oficializado (fim do Glass-Steagall Act), enterrando assim uma das lições aprendidas com o colapso que deu início à Grande Depressão. Desde então, cresceu o poder da finança, que, especulando à escala global, já tinha aliciado os governos da América Latina e de África ao endividamento improdutivo, até ficarem nas mãos dos credores a quem entregaram os activos mais importantes. Na Ásia, os capitais afluíram em massa e desencadearam bolhas especulativas na bolsa e no imobiliário para, entre 1997 e 1998, abandonarem subitamente estas economias, deixando para trás o caos económico-financeiro, social e político. À medida que foram entrando, valorizaram a taxa de câmbio tornando barato tudo o que era importado. Quando o défice externo se tornou insustentável, não havia reservas cambiais acumuladas que pudessem aguentar o abandono do capital estrangeiro e do nacional que apostava na desvalorização para regressar com o respectivo ganho especulativo. Os mesmos mecanismos funcionaram na Rússia, no México e na Argentina, os casos mais discutidos. Hoje, a "banca sombra" que faliu no GES, a que está fora da supervisão oficial leve, tem um peso à escala global idêntico ao que tinha antes da crise do subprime.
Como a história ensina, substituir câmbios fixos (padrão-ouro, SME, euro) e uma política monetária uniforme em países estruturalmente diferentes por câmbios flutuantes, no respeito pela livre circulação de capitais, é deixar intacta a sujeição do Estado democrático aos interesses do capital financeiro. Uma saída progressista para a crise que estamos a viver requer um apertado controlo dos capitais de curto prazo, como há pouco fez a Islândia e, quando a zona euro tiver sido desmantelada, a criação de um arranjo cooperativo do tipo "moeda comum", com taxas de câmbio flexíveis e domesticação da banca, como defendia Keynes na conferência de Bretton Woods.
Ann Pettifor, a economista britânica que previu a crise financeira de 2007-8 (ver o sítio Debtonation), lembra-nos que "Por trás da cortina de fumo da austeridade", os governos se conluiam com o capital financeiro para confiscar essa riqueza e usá-la para salvar os bancos privados, "convertendo créditos fictícios em ganhos mais tangíveis" (The Next Crisis, Real-World Economics Review, no. 64). De facto, a crise financeira ainda está aí (ver Satyajit Das, Credit Bubbles Redux) e uma escolha política fundamental impõe-se: ou a finança ou o povo.
(O meu artigo no jornal i)
Isto é um assalto: A carteira ou a vida !
ResponderEliminarO título do seu texto exclui propositadamente a situação da finança e o povo, ou foi apenas um lapso ?
ResponderEliminarForam Mestres Anti-Austeridade [com o silêncio cúmplice de (muitos) outros mestres/elite em economia] que enfiaram ao contribuinte autoestradas 'olha lá vem um', estádios de futebol vazios, nacionalização do BPN, etc, etc, etc...
ResponderEliminar---» Bom, como é óbvio, quem paga (vulgo contribuinte) não pode continuar a ser 'comido a torto e direito'... leia-se: quem paga (vulgo contribuinte) deve possuir o Direito de defender-se!!!
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-» Votar em políticos não é (não pode ser) passar um cheque em branco... isto é, ou seja, os políticos e os lobbys pró-despesa/endividamento poderão discutir à vontade a utilização de dinheiros públicos... só que depois... a 'coisa' terá que passar pelo crivo de quem paga (vulgo contribuinte).
---> Leia-se: deve existir o DIREITO AO VETO de quem paga!!!
[ver blog 'fim-da-cidadania-infantil'].
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P.S.
DEMOCRACIA SEMI-DIRECTA:
- possibilita a existência de um processo ágil de tomada de decisões... e... permite que o contribuinte não passe um 'cheque em branco' aos políticos. [Fim-da-Cidadania-Infantil]
Não dá para se servir dois senhores, já Jesus Cristo dizia. Dessa forma, não se pode servir em simultâneo a finança e o povo de que ela se alimenta.
ResponderEliminar"... já tinha aliciado os governos da América Latina e de África ao endividamento improdutivo"
ResponderEliminar" Na Ásia, os capitais afluíram em massa"
O fluxo em massa e o aliciamento dos governos tem uma contrapartida interna que Jorge Bateira não menciona: a "necessidade de estímulos para revitalizar o consumo interno", o "financiamento da economia", as "políticas expansionistas contra-ciclo", a "protecção e aprofundamento do Estado Social", ...
É a coberto destes slogans, precisamente promovidos pela esquerda estatizante, que os capitais afluem em massa às economias.
Para concretizar melhor o meu último comentário.
ResponderEliminarBloco vai apresentar pacote de medidas para financiar a economia
http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=3017618
Nada melhor para financiar a economia do que garantir o fluxo em massa de capitais provenientes do exterior (através da banca comercial ou directamente pelo próprio Estado através de bancos de fomento). Depois queixam-se da dívida externa impagável, da especulação e dos juros agiotas (3%), do endividamento improdutivo, do aliciamento dos governos pela alta finança.
Caro Anónimo 11:57 + 12:18,
ResponderEliminarO seu ponto de vista é o da ideologia neoliberal. Uma análise económica não-ortodoxa (veja o que se tem escrito neste blogue e as referências teóricas indicadas) explica como a financeirização das economias europeias conduziu à simultânea acumulação de excedentes no centro e défices na periferia da zona euro. Isto ocorreria sempre, independentemente da cor política dos governos. E as falências dos bancos são uma das manifestações do rebentar da bolha alimentada por crédito externo. Sempre.
Por outro lado, num país com soberania, dispondo de moeda e dos vários instrumentos de política económica, é possível travar a financeirização. É uma questão política. Olhe para a Islândia.
Em meu entender, para ser credível, qualquer proposta de reanimação das economias da periferia deve assumir a saída da zona euro. Se possível, embora pouco provável, por negociação. Mais tarde ou mais cedo, isso vai acontecer com algum dos países porque a depressão é, a todos os níveis incluindo o político, insustentável.
A tentativa para sistemáticamente "fulanizar" as aldrabices da banca e afins,
ResponderEliminarenquadra-se na estratégia de responsabilizar “os caídos em desgraça” de modo a preservar o cerne da “coisa”…
os instintos justiceiros
( invejosos!/oportunistas!)
da populaça,
alienada da verdadeira razão e manipulada pelos gabirus da “coisa”,
completa o ramalhete!
No entretanto…
Slogans?
ResponderEliminarMas que slogans?
O aprofundamento do estado social não é um slogan.
(Ou melhor só o é na visão distorcida dum adorador dos mercados e dos ricardos salgados desta terra agora caído provisoriamente em desgraça).
O aprofundamento do estado social é sim um imperativo civilizacional.
Já o salve-se quem puder seguido pela escola de chicago é o que é , com todo este cotejo de misérias.
Quanto à "contrapartida interna" do fluxo em massa e o aliciamento dos governos ( dos neoliberais da escola de friedman ou da escola de clinton?) é favor ler o resto do texto do Jorge Bateira para se saber o que de facto este diz. Contrapartidas só mesmo para os que nos andam a impingir a leitura segundo os evangelhos dos mercados e do neoliberalismo criminoso e concentracionário.
A incapacidade de se "compreender" o que está escrito será de formação ou de informação?
De
Quando o capital tinha nome de gente e se acumulava em lugares bem identificados, os políticos preparavam-lhe um destino 'socialista'.
ResponderEliminarYornou-se anónimo e anda fugido, e os políticos só o apanham a troco de títulos de dívida.
Caro Jorge Bateira,
ResponderEliminarconfesso que não percebo a sua resposta no contexto do seu post e das frases que citei, nomeadamente quando se refere no post ao problema do "fluxo de capitais em massa" e da "finança que alicia governos".
O meu comentário partia de 2 condições objectivas do contexto português: 40 anos de governos do bloco central de interesses, adesão ao euro. Julgo que esse contexto não se irá alterar significativamente no curto-médio prazo.
E é nesse contexto concreto e específico que defender o investimento público se traduz, na prática, no tal fluxo de capitais e no aumento da dívida externa.
A minha percepção baseia-se em factos. Basta olhar para o que foi o investimento público através de PPPs.
Em resumo. No contexto que descrevi o apelo (por mais bem intencionado que possa ser) a investimento público traduz-se inevitavelmente em mais dívida externa e fluxo de capitais, canalizados por exemplo através da banca comercial.
A este propósito pergunto-lhe: porque razão recebeu o (ex-)DDT uma comissão de 14 milhões de um construtor civil? Quanto ganhou o BES (e outros bancos) enquanto veículo de captação de fluxos de capitais externos para financiar obra pública? E o grupo GES (em consultorias, assessorias, ...)? Será que uma nova vaga de investimento público (repito, no contexto actualmente existente) não seria aquilo que o (ex)DDT mais queria que acontecesse para "salvar" o grupo?
A esquerda que lhe faça a vontade e peça mais investimento público!
Já agora deixo-lhe uma pergunta que não é uma provocação (sinceramente).
ResponderEliminarOlhando para os signatários do manifesto pelo investimento público (http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2009/06/um-manifesto-com-prioridades.html) faço-lhe uma pergunta que está em posição privilegiada para responder.
Algum dos signatários do manifesto esteve directamente envolvido na elaboração (naturalmente paga) de estudos que serviram de base ao lançamento de uma das últimas PPPs do governo Sócrates?
Não são só os (ex-)DDT a beneficiar dos projectos associados ao investimento público.
Mais uma vez a resposta ao lado com jargões do tipo" a esquerda" isto e aquilo, quando quem nos tem governado são os interesses privados, os grandes interesses privados, pela mão dos governantes que se submetem a esses mesmos interesses.De esquerda só mesmo na cabeça de fundamentalistas de mercado.
ResponderEliminarQuem lucra e quem perde é algo que está documentado com factos.E estes são lixados para a ficção construída nos laboratórios do neoliberalismo espalhados pelo mundo, desde o hayek atá ao reagan passando pelo chile da dupla pinochet/friedman
Mais uma vez se repete algo que parece que não é da percepção de alguns:o"fluxo de capitais em massa" e da "finança que alicia governos" teve efeitos bem positivos na bolsa de uns poucos, exactamente os mesmos que periodicamente conclamam pelo fim do estado social e teve os efeitos que se conhecem na bolsa ( e não só ) da grande maioria da população.Viu-se depois o banquete servido à tropa fandanda neoliberal com base nas privatizações a custo da uva mijona
De
Confundir o investimento público e a defesa do estado social com a salvação da banca, dos banqueiros e dos grandes interesses económicos é uma arma utilizada como cortina de fumo. É um método profundamente desonesto do modo como se tenta ocultar que uns serviram e servem os outros, que o poder político do bloco central de interesses (desviado bem para a direita) se submeteu e submete ao poder económico e que a promiscuidade chocante entre os governantes e os grandes grupos económicos é de tal forma factual que mais ninguém de boa fé a põe em causa.
ResponderEliminarOu seja os responsáveis têm nome e bilhete de identidade.
E nem sequer adianta agora estar a aqui a apontar o salgado, neoliberal de gema, agora designado por alguns dos seus ex- amigos como "dono disto tudo", confesso inimigo do estado social e promotor dos mercados e do capital.Ricardo Salgado é a última amostra da forma como este sistema funciona.Não é o mau da fita isolado.É o próprio sistema em si.Um sistema podre e corrupto inimigo da humanidade.
Porque quem vive à custa do estado de facto são os beneficiários dos perdões fiscais, das dívidas de milhóes que prescrevem, dos benefícios fiscais à finança e monopolistas, dos contratos das PPP, swaps, etc., das sedes dos oligopólios nacionais que se localizam em paraísos fiscais,etc etc etc.
Agora é ir colocando o nome (perdoe-se a expressão) aos bois.
De
Quanto aos esforços de alguém para esconder a crise do BES para debaixo do tapete utilizando frases como esta:
ResponderEliminar"Quando o capital tinha nome de gente e se acumulava em lugares bem identificados, os políticos preparavam-lhe um destino 'socialista'...
O que dizer do que se configura um autêntico non sense?
Há por aí bastos dicionários que definem o que é o capital e o capitalismo. O nome de gente com que se quer apontar para um rosto pretensamente humano do capital é conversa da treta, tal como agora a sua pretensa fuga ( do capital)em forma de anonimato.Uns livrinhos de ciência política poderiam ser agora bem úteis
Mas o que não pode passar é a referência ao facto dos "políticos prepararem-lhe a ele , ao capital, um destino socialista"
Como? Políticos? destino socialista?Mas salazar preparava um destino socialista para alguém? Ou coelho?Ou cavaco?
Esta mania de juntar os políticos todos juntos num molho e depois oferecê-los em jeito de credo é profundamente desonesta.Porque também cúmplice e escamoteadora da responsabilização devida a quem de facto deve ser responsabilizado
Registe-se em nota de rodapé que não se sabe bem se quando jose elogiava ricardo salgado e o endeusava, o estava a fazer porque via neste, "nome de gente para o capital" ( enquanto ele, jose, como político lhe preparava um destino socialista) ou se este não é mais que um pretexto para esconder a crise que enfrentamos em nome de exercícios de ocultação de luzes um pouco canhestros e limitados
De
Só não percebi aquela do cidadão Salgado ter saído em liberdade sem afinal ter pago os tais 3 milhões de Euros...15 dias para ele pedir o dinheiro ao BES, isto é aumentar o buraco que construiu...Às tantas do meu parco rendimento, ainda vai conseguir sacar mais uns Euritos...Depois é capaz de afirmar que os Portugueses estão a ser demasiadamente bem pagos.
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