terça-feira, 22 de julho de 2014

História de uma crise I

Era uma vez um grande grupo financeiro português. Este grupo cresceu a bom ritmo ao longo dos anos 1990 e 2000 graças à livre circulação de capitais permitida pela UE e a uma moeda única que garantia taxas de juro baixas nos mercados financeiros internacionais. O modelo de negócio era simples, pedia-se emprestado no estrangeiro e emprestava-se em Portugal às famílias para comprarem casa e aos construtores para as construírem. O Estado, por seu lado, patrocinava este modelo de provisão de habitação com benefícios fiscais e juros bonificados. O grupo e o seu banco cresceram e dedicaram-se a investir em sectores protegidos da implacável concorrência internacional imposta pela moeda única: saúde, turismo, estradas, telecomunicações, etc. Mais uma vez, tal não seria possível sem o apoio do Estado, seja na forma de privatizações, seja nos pagamentos indirectos em sectores como o da saúde.

Entretanto, com uma economia estagnada desde a adesão ao euro em 2001, o grupo parecia limitado na sua acumulação. Por outro lado, as oportunidades de financiamento barato tinham-se avolumado numa zona euro encharcada por liquidez. Foi irresistível. Endividarem-se para investir nas mais diversas áreas (do gado à pesquisa geofísica) um pouco por todo o mundo. Portugal convertia-se numa excelente plataforma de endividamento externo barato, através da qual o capital era canalizado para países como Moçambique ou o Paraguai. A engenharia financeira permitia que o endividamento fosse ficando por cá, enquanto os lucros passeavam mundo fora.

Chegou a crise financeira internacional e os investimentos começaram a correr mal. Sabemos muito pouco do que se passou aqui. O que sabemos é que a situação económica em Portugal penalizava a jóia da coroa, o banco, agora com prejuízos. Sem lucros e com uma enorme dívida para refinanciar, as empresas do grupo começaram a pedir emprestado ao banco e a emitir títulos de dívida através dos balcões deste desde, pelo menos, 2011. Esta era dívida de curtíssimo prazo e a taxas de juro razoavelmente elevadas. Conclusão, o grupo foi conseguindo empurrar com a barriga os seus problemas financeiros sem que ninguém se desse conta ao mesmo tempo que a sua situação se agravava. O Banco de Portugal, mais preocupado com os elevados salários portugueses, e o BCE, que chegou a financiar o banco em mais de 10 mil milhões de Euros, fecharam os olhos ao risco acumulado.

Finalmente, uma guerra familiar num outro grupo industrial do papel e do cimento contagiou este grupo financeiro. Zangaram-se as comadres e descobriram-se as verdades.

6 comentários:

  1. se os bancos se endividaram 'lá fora' não foi para emprestar aos clientes mas para realizar aplicações em benefício próprio.

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  2. Há quem por aí tenha defendido nos últimos anos a "inocência" dos bancos e dos banqueiros.
    Até à exaustão e quase até à demência.
    Era o conceito de classe que falava mais alto.Isso e mais alguma coisa

    De

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  3. Talvez esta seja a história de uma crise II

    http://economico.sapo.pt/noticias/e-se-a-proxima-crise-financeira-ja-estiver-a-caminho_197927.html

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  4. A notação BBB+ é a que corresponde ao respeito que Governos, empreendedores e sindicatod têm pelo capital gerado pela poupança.
    Uns compensam impostos leoninos com livre criação de moeda, outros abrigam-se no 53º CdS e nos offshores e os sindicatos acham que mesmo da destruição alguém fará chegar o paraíso.

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  5. 53 º DdS?

    Muito elucidativo. Mais um exercício de ocultação de luzes...

    O que sobra é a fuga de quem andou a defender os banqueiros e a banca da forma como o fez e que agora mais não tem que estes arremedos ao lado, enquanto porfia no combate directo e semeado de rancor a quem trabalha.

    De

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  6. (Já agora, os BBB e os CCC mais as letras do alfabeto todo serão suficientes para esconder a "história de uma crise" e o santo nome do GES e do ricardo salgado?)

    De

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