O eurocepticismo é uma reacção natural dos povos face a uma União Europeia que constitucionalizou o neoliberalismo e impede o desenvolvimento. É uma história que pode acabar muito mal.
A evolução político-jurídica da União Europeia ao longo das últimas três décadas tem correspondido a uma verdadeira constitucionalização do neoliberalismo. Do Acto Único Europeu ao Tratado de Lisboa, com passagem por Maastricht e Amesterdão, as peças foram sendo gradual mas inexoravelmente colocadas no lugar: mercado único, mobilidade do capital, concorrência fiscal, pressões múltiplas no sentido da privatização, liberalização e flexibilização do mercado de trabalho. Sempre que necessário, atropelando a vontade dos povos.
Esta neoliberalização da União Europeia tem sido prosseguida com especial intensidade nos países que aderiram à União Económica e Monetária. Sob um manto diáfano de cosmopolitismo, modernidade e redução dos custos de transacção, escondia-se na verdade uma ofensiva de classe e um mecanismo de divergência entre Estados. Quer uma quer o outro decorrem da necessária acumulação de excedentes no centro e défices na periferia que resultam da impossibilidade de recurso à desvalorização cambial. Isto, claro, num contexto adicionalmente caracterizado pela ausência de mecanismos de transferência orçamental com uma dimensão minimamente significativa e pela grotesca imposição da intermediação bancária entre o BCE e os Estados.
A divergência entre Estados resulta da impossibilidade de assegurar o equilíbrio externo e a estabilização macroeconómica na periferia por outra via que não a austeridade perpétua - algo que, após uma década de endividamento, se tornou agora evidente. A ofensiva de classe decorre do facto do mecanismo de ajustamento tornado obrigatório ser a compressão dos salários directos e indirectos: enquanto que a desvalorização cambial afecta todos os rendimentos (de trabalho e de capital) de forma transversal, a 'desvalorização interna' implica necessariamente uma alteração na repartição funcional do rendimento em favor do capital e detrimento do trabalho, a par do desmantelamento dos serviços públicos de que os mais pobres dependem muito mais fortemente.
Mas o ADN neoliberal da União Económica e Monetária introduziu ainda, porventura inadvertidamente, uma tendência latente para a estagnação generalizada, pois constitui o exemplo mais acabado da contradição central do neoliberalismo. A desigualdade na distribuição do rendimento constrange a procura no mercado de bens e serviços (ao mesmo tempo que provoca bolhas especulativas em sucessivos mercados financeiros); e o único mecanismo que neste contexto permite introduzir dinamismo na procura - o endividamento privado e público -, uma vez levado até ao limite, não pode ser renovado devido ao mandato anti-inflaccionário do BCE.
O resultado de tudo isto é o que está à vista: desigualdade em máximos históricos, um lastro gigantesco de dívida privada e pública, periferias condenadas ao subdesenvolvimento, domínio absoluto da finança, estagnação generalizada. Sem que se vislumbre a possibilidade de políticas que invertam estas tendências porque, e este é um aspecto crucial, a constitucionalização do neoliberalismo significa que o próprio leque de políticas possíveis, a nível nacional ou europeu, está decisivamente constrangido. Todos os determinantes fundamentais de que tenho vindo a falar estão blindados em tratados cuja alteração exige uma impossível coordenação entre Estados com interesses e ritmos políticos divergentes.
Perante tudo isto, e com maior ou menor percepção dos mecanismos subjacentes, os cidadãos europeus sentem o ataque de que são alvo e revoltam-se, legitimamente, contra uma União Europeia que hoje em dia não promete mais do que o subdesenvolvimento. Infelizmente, como estamos agora a assistir pela Europa fora, os partidos anti-democráticos e xenófobos são quem está a ocupar mais rapidamente este espaço político, subvertendo estas legítimas aspirações. Se o campo democrático não assumir rapidamente que esta União Europeia, e sobretudo este Euro, têm mesmo de ser desmantelados para que uma Europa solidária e de progresso possa ser reconstruída, são sombrias as nuvens que se erguem no horizonte.
É por causa de fulanos como o Durão Barroso, Passos Coelho, Merkel e Cª que mais dia menos dia começa tudo á trancada.!
ResponderEliminarDepois queixem-se.!
«...défices na periferia que resultam da impossibilidade de recurso à desvalorização cambial»
ResponderEliminarEsta é a nota mais relevante para a esquerda, e por muito boas razões:
1- Sem os equilíbrios gerados a partir da manipulação da moeda, a esquerda é convocada à gestão da economia capitalista, o que associa a uma violentação ideológica uma absoluta incompetência.
2- As inflações e desvalorizações resultantes da manipulação da moeda são o alimento das reividicações de recuperação de poder de compra, pasto favorito da vanguarda do povo de esquerda.
Em conclusão, a manipulação dos cãmbios é indispensável à sanidade mental da esquerda e à sua única função social geralmente reconhecida - obter aumentos salariais
Este senhor José é engraçado ahah. Por favor.....
ResponderEliminar"Manipular moeda" chama-se na verdade um instrumento de política económica.
ResponderEliminarExactamente, competência era ter finanças públicas como as que havia antes de 74... e, claro, a "esquerda" é composta por indivíduos com falta de sanidade mental. O que é bom é desvalorizar o Trabalho e os salários, pois é assim que se gere uma economia
capitalista. Tudo o resto é manipulação, artificial e engenharia. Natural, é o capitalismo como é agora no nosso país.
"Jose" perceberá alguma coisa de economia ou apenas vive de slogans aprendidos à pressa e colados com cuspo?
ResponderEliminarÉ que o primarismo tem limites e torna-se quase obsceno quando ofende a inteligencia dos demais.
"Jose" perceberá alguma coisa de economia ou apenas vive de slogans aprendidos à pressa e colados com cuspo?
ResponderEliminarÉ que o primarismo tem limites e torna-se quase obsceno quando ofende a inteligencia dos demais.
o Anonimo que percebe muita coisa de economia devia ler alguma coisa do Friedman...
ResponderEliminarMesmo entre neoliberais há um minimo de sanidade mental, ou simplesmente bom senso...
http://marketmonetarist.com/2011/10/29/milton-friedman-on-exchange-rate-policy-2/