O recente livro de Thomas Piketty sobre desigualdade, “Capital
no Século XXI” tornou-se um best-seller nunca antes visto para um livro deste fôlego. O economista francês é hoje uma rock star académica. Deixarei as
considerações sobre o livro para quando o terminar (são ainda 700 páginas). No
entanto, há uma questão metodológica que salta à vista. Piketty argumenta que
certas estatísticas de desigualdade, como o índice de Gini (estatística que
mede a desigualdade de uma sociedade como um todo) ou rácios entre decis de
rendimento mais elevados e mais baixos, podem esconder a extraordinária
concentração de rendimento e riqueza no topo da escala de rendimento. Daí que o
autor prefira medidas como a concentração de rendimento e riqueza nos percentis mais
elevados (o 1% ou o 0,1%), ainda que os seus dados estejam subestimados devido à evasão fiscal.
Esta escolha é muito interessante para o caso português.
Como já foi aqui assinalado, um recente estudo da OCDE (claramente baseado nos
dados de Piketty et al.) dá conta do extraordinário aumento da concentração de
rendimento no 1% da população com maior rendimento (de 8,2% do rendimento, em
1994, para 9,8%, em 2005). Se olharmos para os dados de Piketty para os 0,1% com
maior rendimento, a realidade é ainda mais chocante. Esta franja da população passou
de 1,7% do rendimento total em 1994 - 17 vezes o rendimento médio - para 2,5% em
2005 -25 vezes o rendimento médio. No entanto, durante este período o índice
Gini, embora elevado, manteve-se razoavelmente estável (37 em 1994, 37,7 em
2005).
É preciso alguma prudência nestas análises. O índice de Gini, que tem certamente vantagens e desvantagens, como sucede com todos os indicadores que medem a desigualdade na distribuição de rendimentos, tem o enorme inconveniente de não ser tão facilmente apreensível como os rácios, provavelmente mais apelativos, da relação dos, por exemplo, 20% mais ricos para os 20% mais pobres, dos 10% mais ricos para os 10% mais pobres, ou da concentração do rendimento nos 1% ou, como agora, nos 0,1% mais ricos. Mas é um índice mais completo, mais profundo, que, como se diz corretamente no post, leva em conta “a desigualdade da sociedade como um todo”, isto é, que leva em conta a distribuição do rendimento em todos os grupos.
ResponderEliminarTal não retira, como é evidente e seria desnecessário mencioná-lo, interesse e pertinência aos outros indicadores, nomeadamente à novidade das análises em torno da concentração nos 1% ou nos 0,1% do topo. Mas importa-nos especialmente o contrário. Ou seja, não apenas a concentração do rendimento, e da riqueza (patrimonial), na ínfima minoria dos ultra-ricos, mas sobretudo a concentração do rendimento (e da riqueza) na esmagadora maioria da população.
Uma descoberta notável, que não tem muitos anos – notável aliás como passou despercebida –, fundamentada analiticamente e confirmada empiricamente com grande robustez, veio compensar em parte o “esoterismo” do índice de Gini (que varia entre zero, correspondente ao máximo de igualitarismo, e um, correspondente à máxima desigualdade; noutras versões, como a do texto, entre zero e 100) e fornecer-lhe um sentido intuitivo que lhe faltava. Assim, designando por G o coeficiente de Gini, o rendimento per capita dos 70% da população com menores rendimentos é muito aproximadamente dado por (1-G) a multiplicar pelo rendimento per capita de toda a população.
Na verdade simplifiquei um pouco, porque, ainda com melhor aproximação, o rendimento per capita dos 80% de menores rendimentos da população (em vez dos 70%), que constituem a esmagadora maioria da população, pode ser dado por 1.1 x (1-G) do rendimento per capita médio de toda a população.
Esta descoberta resgatou um sentido intuitivo para o índice de Gini. Cuja evolução, por exemplo em Portugal, não é geralmente linear, nem sequer progressiva, merece uma análise mais cuidada e não se presta a grandes simplismos de leitura.
Importa dizer que, quanto mais se reduz a dimensão do percentil, por exemplo o 1% do topo, ou mesmo do 0,1% do topo, mais facilmente se obtêm variações bruscas, seja para cima seja para baixo. Daí a variabilidade destes indicadores, que pode ser especialmente chocante quando aumenta, ser muito maior do que a de um índice, como o de Gini, que se reporta a toda a população e que, indiretamente, como acabámos de ver, mede o rendimento médio per capita da grande maioria da população.
Não há segredo nenhum na diferença de variabilidades. É, no fundo, a razão da diferença na variabilidade para poucos ou para muitos. No limite poderíamos estudar a concentração de rendimento dos dez mais ricos, ou até mesmo no multimilionário mais rico. Não teria nada de surpreendente que variasse mais depressa, para cima ou para baixo, que a do conjunto de toda a população. Seria apenas uma ilustração da diferença qualitativa entre a variação do caso singular e a da média, que suaviza, amortece, atenua as variações individuais.
(continua)
(continuação)
ResponderEliminarMas a necessidade de uma leitura crítica mais aprofundada é bem evidente no gráfico reproduzido. Sabendo muito bem que, mesmo antes da adesão formal ao euro, a 1 de Janeiro de 1999, Portugal estava em marcha acelerada para a convergência dos critérios nominais, com todas as exigências orçamentais, financeiras, cambiais que isso impunha, e que por isso esse período imediatamente anterior não será assim tão qualitativamente diferente do seguinte, assim a olho, mesmo sem calcular rigorosamente as tendências, os declives dos períodos 94-98 e 99-2006, a figura parece sugerir que a concentração de rendimentos nos 0,1% mais ricos desacelerou com a adesão ao euro. Seja como for, sem informação de como foi afetada pela grande crise que irrompeu em 2008, é da mais elementar prudência abstermo-nos de afirmações demasiado categóricas.
Mas, pessoalmente, estou convencido que o índice de Gini da distribuição do rendimento nacional disponível líquido de 2013 e 2014 não deixará de mostrar o agravamento das desigualdades. Mesmo com a ligeira retoma, o empobrecimento de grande parte da população é visível a olho nu. Não será preciso esperar pelas estatísticas.
HM
quem foram os reais beneficiários da integração monetária da economia portuguesa
ResponderEliminarAgora atribui à integração no euro todos os males, incluindo o (alegado) aumento da desigualdade?
Eu bem sei que neste blogue não se gosta do euro, mas parece-me descabido atribuir-lhe, sem quaisquer provas, todos os males de que Portugal (alegadamente) padece.
É falso que todos os males derivam do euro.Má fé, demagogia, ambas as coisas ou uma outra coisa ainda pior poderá justificar uma tão disparatada afirmação.
ResponderEliminarPor exemplo o sr presidente da república.Um mal nacional.Um exemplo gritante da mediocridade institucional, aliado a um carácter vingativo ( informação da secreta norte-americana) uma pusilanimidade assustadora e uma ideologia do salve-se quem puder.
Mais qualificações se poderiam arranjar mas como borrão serve perfeitamente.E as características do senhor não derivam directamente do euro.
Que ele foi co-responsável pela presente situação já são outros fados
De
Que ele foi um dos responsáveis pela presente situação não são outros fados, são este mesmo fado! Ou os BPNs e o alcatrão sem controlo e o reajustamento da economia na primeira metade da década de 90 não foram todos feitos com a ajuda desse ideólogo?
ResponderEliminarQuanto ao euro, tem o efeito da camisa de forças num tipo a afogar-se: não foi por causa dela que o tipo se meteu ali, mas caramba, que ela dificulta a saída, dificulta.
O Euro não é a causa de todos os nossos males, mas lá que ajudou, ajudou. Tornou as nossas exportações menos competitivas, fazendo a Economia voltar-se para dentro (e aqueles que advogam que o Estado deveria ter impedido isto estão a advogar uma coisa chamada Intervencionismo Estatal, que depois dizem abominar). Inundou-nos (e aos outros periféricos) de dinheiro barato (o que contribuiu ainda mais para aumentar o deficit externo) e sobretudo criou à escala europeia um conjunto de instituições fortemente alavancadas com uma quantidade de dívida soberana que se tornou fortemente tóxica depois da Alemanha e da França terem tirado o tapete à Grécia em 2010 (leia-se o livro de Blyth para se ficar esclarecido sobre o uso pelo sistema bancário dos títulos de dívida soberana, com a benção de Bruxelas) que andamos agora todos a salvar com a austeridade. É o 'ai aguenta, aguenta' porque se eles não aguentam, nós (os bancos) não aguentamos, em versão europeia... E o que é pior, é que no limite, um incumprimento não é sequer uma opção de saída, porque da maneira que as coisas estão ligadas, mesmo com a nossa dívida atual nas mãos do fundo europeu e dos nossos bancos, o falhanço destes últimos teria provavelmente consequências muito funestas além fronteiras, não só por cá. Ou seja, qualquer reestruturação de dívida ou eventual saída do Euro tinha que ser, para bem ou para mal, bem planeada em conjunto com os nossos parceiros... Daí que ninguém em Portugal, nem o PCP, defenda soluções radicais... Agora, com a dívida a crescer da forma que cresce, eu diria que há uma boa probabilidade de daqui a uns anos isto nos rebentar na cara, se não mudarmos de receita, porque já se viu que esta não funciona (a não ser que se acredite nas previsões da Maria Luiz, mas como o RPM bem referiu na intervenção no Expresso da Meia-Noite, 0,2% de probabilidades de isso acontecer não são lá grandes chances)...
ResponderEliminarCaros R.B NorTor e Jaime Santos.
ResponderEliminarO meu comentário era puro sarcasmo face a um comentário de pura demagogia.
O mais do resto é o borrão em tons fadistas dum ser sinistro co-responsável pela camisa de forças que mais tarde ou mais cedo rebentará de facto.
De
A diferença entre os ladrões e Piketty é que ele tem noção que nenhum país pode avançar sozinho para impostos extraordinários sobre a riqueza ou controlo de capitais etc.
ResponderEliminarSeria preciso uma ordem económica semelhante a Bretton-Woods e isso não se consegue com fantasias marxistas unilaterais ou com retorno aos nacionalismos.