A crise da economia portuguesa não é uma só; são várias. E é necessário compreendê-lo para que possamos começar a sair da situação em que nos encontramos.
Em meados dos anos '90, a economia portuguesa encontrava-se em processo de convergência real face à média europeia, ainda que a sua estrutura produtiva fosse bastante mais frágil do que as das economias do centro europeu. Optou-se então por um processo de exposição internacional súbito e insensato, que incluiu a perda de autonomia monetária e cambial. O resultado foram défices externos crónicos, endividamento privado externo galopante e uma estrutura produtiva adicionalmente fragilizada pelos incentivos perversos criados ao investimento nos sectores de bens não-transaccionáveis.
Então, na sequência da eclosão da crise financeira internacional de 2007-2008, esta crise latente de inserção internacional e endividamento externo transmutou-se em crise de dívida pública, em parte devido à adopção de uma resposta contra-cíclica activa, mas sobretudo por via da acção dos estabilizadores automáticos (menos receitas e mais despesas em resultado da própria crise). E esta crise de dívida pública, ao abrir a porta à adopção de um programa de austeridade pro-cíclica, somou a camada final à nossa crise actual: uma recessão económica de grandes dimensões, com fortíssimas contracções do investimento e do emprego.
A crise portuguesa é, por isso, pelo menos quatro crises sobrepostas: uma recessão de dimensões históricas em cima de uma crise de dívida pública, que por sua vez é uma transmutação de uma crise de endividamento privado externo, provocada por uma contradição insanável entre a estrutura produtiva e o regime de inserção económica internacional. Com a agravante de cada dimensão adicional não atenuar, antes reforçar, as dimensões subjacentes.
Se compreendermos isto, percebemos que insistir na austeridade é o grau zero da inteligência económica; que advogar simplesmente uma alternativa contra-cíclica, sem mais, esbarra imediatamente nos limites do endividamento acumulado no passado; e que mesmo o repúdio da dívida acumulada, sem mais, ignora os constrangimentos colocados pelo contradição fundamental entre a nossa estrutura produtiva e o nosso regime de inserção internacional.
Decididamente, trata-se de um nó górdio de que não nos veremos livres tão depressa. Já não será nada mau se pelo menos começarmos aos poucos a perceber o que está verdadeiramente em causa.
(Publicado originalmente no blogue "&conomia à 4ª" do Expresso online)
Se compreendermos isto, percebemos que insistir na austeridade é o grau zero da inteligência económica; que advogar simplesmente uma alternativa contra-cíclica, sem mais, esbarra imediatamente nos limites do endividamento acumulado no passado; e que mesmo o repúdio da dívida acumulada, sem mais, ignora os constrangimentos colocados pelo contradição fundamental entre a nossa estrutura produtiva e o nosso regime de inserção internacional.
Decididamente, trata-se de um nó górdio de que não nos veremos livres tão depressa. Já não será nada mau se pelo menos começarmos aos poucos a perceber o que está verdadeiramente em causa.
Diz o meu caro: "Optou-se então por um processo de exposição internacional súbito e insensato, que incluiu a perda de autonomia monetária e cambial."
ResponderEliminarEu estou muito de acordo consigo.
Estava era agora a pensar aqui com os meus botões, que, se as regras de bom Português que em devido tempo me foram ensinadas, ainda forem válidas, então o verbo "optar" não é um verbo impessoal, como o verbo chover, por exemplo. Então e se assim for, o verbo optar tem que ter um sujeito. Optou-se? Quem? Quem é que optou? E contra a vontade e as advertências de quem? Este exercício de responsabilização, é um princípio fundamental para o funcionamento de uma qualquer democracia verdadeiramente digna desse nome.